Com a evidente dificuldade de qualquer das partes prevalecer militarmente, após um ano e meio de hostilidades, é tempo de refletir sobre o modo como os decisores políticos das fações que se defrontam na Ucrânia avaliaram estrategicamente o seu envolvimento na guerra. Seria difícil admitir que a Rússia ficasse impávida e serena à ação militar ucraniana em movimento no Donbass, que se alastraria rapidamente à Crimeia.

Apesar dos sinais, Moscovo não se preparou para tal eventualidade e reagiu mal e tardiamente. A ação militar russa em Kiev, para além de aliviar a pressão ucraniana sobre o Donbass, quase que ia produzindo o efeito político desejado. Mas Putin não contou com a reação determinada do Ocidente. A resposta ucraniana trouxe à tona de água a impreparação de Moscovo para responder adequadamente ao desafio. Putin não introduziu esse dado no seu cálculo estratégico, acabando por se envolver numa guerra cujas proporções não antecipou e para a qual não estava preparado.

A guerra que se seguiu evidenciou essa impreparação. As forças russas foram obrigadas a retirar de Kherston e foram batidas na frente Kharkiv. Moscovo levou tardiamente a cabo a mobilização de um efetivo de 300 mil soldados, suficientes para garantir a ocupação da frente e as rotações que uma guerra prolongada exige, mas um número insuficiente para obter uma vitória militar. Permitia apenas assegurar a posse do território capturado.

Washington aproveitou esse passo em falso de Moscovo para lhe impor uma derrota estratégica. Bastaria o Ocidente financiar a guerra, fornecer armamento e equipamento militar, os ucranianos combater, a NATO apoiar com o Intelligence, e os russos estavam feitos. Nada de botas no terreno. Mas como Moscovo, também Washington avaliou incorretamente o seu envolvimento na guerra.

Dois aspetos sobressaem dessa avaliação: a capacidade militar russa e as limitações do Ocidente em fornecer armamento à Ucrânia. O apoio ocidental em equipamento ficou aquém do desejado. Em muitos casos, os países doadores aproveitaram a oportunidade para se livrarem de material já não utilizado e obsoleto, entregue tarde e a más horas.

Ficou clara a incapacidade de a base industrial e tecnológica de defesa ocidental responder às necessidades dos ucranianos e, em última análise, do imbróglio em que o Ocidente estava metido. Como referiu o presidente Biden “we’re low on it [munições]”. Não podia dar o que não tinha. Como Moscovo, também o Ocidente não estava preparado para esta guerra. Ambos se envolveram num confronto sem estarem preparados.

Foram os erros de avaliação, de ambas as partes, que nos conduziram ao impasse em que nos encontramos. Washington já percebeu que o seu plano falhou, os ucranianos começam a perceber que não chegarão à Crimeia, e os russos que apenas assegurarão aquilo que controlam, isto é, o Donbass, a Crimeia e os territórios que conferem alguma profundidade estratégica à Crimeia. A não acontecer, entretanto, nenhuma surpresa. E para se chegar a este resultado tiveram de morrer centenas de milhares de militares e civis e destruir um país.

Mais uma vez, o conflito na Ucrânia traz à memória o da Bósnia. A não aceitação do Plano Cutileiro em 1992, estimulada por Washington, com a promessa de apoio financeiro, militar e político, levou três anos mais tarde ao Acordo de Dayton, uma solução política consideravelmente pior daquela proposta pelo Plano Cutileiro, após 100 mil mortos, um país completamente destruído e comunidades irreconciliáveis por gerações.