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“Os EUA estão mais avançados no ciclo económico, portanto a Fed pode ter uma postura reativa”

Num ano de abrandamento da economia global, os principais bancos centrais enfrentam o desafio de completar, acelerar ou iniciar a normalização da política monetária, diz Mário Carvalho Fernandes, diretor de investimentos do Banco Carregosa.
30 Janeiro 2019, 09h30

De forma geral, tendo em conta as atuais condições de económicas e financeiras, quão desafiante será 2019 para os banqueiros centrais em comparação com 2018?

Em termos gerais, as decisões dos bancos centrais relativas à política monetária são sempre envoltas de grande incerteza. Raramente, a conjuntura económica é suficientemente clara e isenta de riscos que possibilite a definição de uma política monetária que seja a priori garantidamente a mais adequada. As informações, acerca dos indicadores económicos que nos revelam a saúde das economias, são conhecidas com algum atraso, e muitas vezes mostram sinais contraditórios. Adicionalmente, as decisões tomadas em cada momento, apenas terão efeito na economia com um desfasamento temporal, pelo que o seu impacto pode até ser contraproducente. Por fim, o ciclo económico pode ser perturbado por choques sistémicos, com diferentes graus de previsibilidade, que alteram de forma súbita e substancial a normal evolução do ciclo.

Como resposta à crise financeira de 2008, os bancos centrais das maiores economias tiveram políticas monetárias extremamente expansionistas, em níveis sem paralelo. Um dos principais desafios que estas instituições enfrentam em 2019 será a capacidade de continuar a repor uma certa normalidade da política monetária a um ritmo suave o suficiente para não causar uma quebra abrupta na atividade económica, mas não tão suave ao ponto que possa fazer renascer o fantasma de inflação excessiva.

Numa altura em que os bancos centrais estão em fases diferentes no planeamento e implementação da normalização da política monetária, como é que os seguintes fatores irão pesar nas tomadas de decisão em relação  às taxas de juro e ao guidance?

Os EUA encontram-se numa fase mais avançada do ciclo económico e da normalização da política monetária. Assim, a Reserva Federal poderá adotar uma postura mais reativa face às observações que forem sendo conhecidas, sejam positivas ou negativas. As políticas monetárias na zona euro e no Japão encontram-se ainda longe da zona neutral, pelo que as ferramentas à disposição dos bancos centrais encontram-se mais limitadas para combater um abrandamento mais brusco do que o desejável para esta fase da política monetária.

Apesar de se encontrarem em fases distintas do ciclo económico e da normalização da política monetária, os bancos centrais dos principais blocos económicos desenvolvidos deverão continuar a agir de forma a prolongar a fase de expansão do crescimento económico, evitando, a todo o custo, o regresso de cenários de crises deflacionistas.

Abrandamento do crescimento da economia global:

Se há um ano atrás havia uma certa sensação de euforia, com um crescimento económico global forte e sincronizado, o ritmo de crescimento económico desacelerou ao longo de 2018. Num primeiro momento, esse ajustamento do crescimento para níveis mais próximos das taxas de crescimento potenciais foi interpretado como normal. Contudo, a estabilização desse abrandamento tarda em aparecer e, em algumas economias, como na Europa e na China, obrigam a uma monitorização mais apertada. No caso da economia chinesa, as autoridades já têm vindo a relaxar a política monetária, mas as expectativas para a Zona Euro seriam que o Banco Central Europeu continuasse este ano o caminho da normalização da política monetária. Caso se prolongue a tendência de abrandamento económico observada ao longo de 2018, e que as principais organizações internacionais começam a incorporar nas suas previsões para 2019, essa normalização poderá ser questionada.

Condições no mercado do trabalho:

O mercado de trabalho continua a dar sinais de vitalidade, nos EUA, Europa e Japão, onde as taxas de desemprego continuam a atingir níveis mínimos, desde os picos observados com a crise de 2008. No entanto, a evolução do crescimento dos salários continua aquém do que seria expectável para esta fase do ciclo económico, o que tem suscitado diversas análises e justificações. Entre estas, destacam-se a existência de potenciais trabalhadores desencorajados ainda fora do mercado de trabalho, a imigração e os trabalhadores que se encontram no mercado de trabalho com uma carga horária inferior ao que desejariam, que em conjunto exercem uma pressão de contenção nos salários. Enquanto os aumentos salariais forem contidos, a inflação tenderá a ser contida, pelo que os bancos centrais podem manter uma postura mais acomodatícia.

Desempenho dos mercados financeiros e aumento volatilidade:

Para atingir o objetivo da estabilidade da evolução dos preços, presente na missão da generalidade dos bancos centrais das economias desenvolvidas, estas autoridades monetárias dispõem de um conjunto de mecanismos que se têm mostrado bastante eficazes em controlar episódios de inflação. Contudo, a capacidade destes mecanismos em lidar com períodos de deflação tem sido mais questionada, nomeadamente depois das várias tentativas fracassadas de reflação da economia japonesa desde a década de 90.

Assim, será natural que as autoridades monetárias, tendo que decidir em ambiente de incerteza e conhecimento imperfeito, prefiram correr o risco de sobreaquecer a economia do que cair numa depressão deflacionista. Contudo, essa atitude não pode ser permissiva ao ponto de contribuir para a formação de bolhas especulativas nos mercados financeiros, pois, como se verificou no passado, o seu inevitável esvaziamento poderá, ele próprio, contribuir para uma situação de recessão e deflação. Assim, segundo William Martin, presidente da Fed, nos governos de Harry Truman e Richard Nixon, “a função da reserva federal é tirar a jarra de ponche assim que a festa começa a ficar animada”. Já Greenspan tem sido criticado pela história, pela sua insistência em baixar as taxas de juros, mesmo quando a prudência apontava no sentido oposto, ou seja, por “continuar a encher a jarra de ponche até ter a certeza de que a festa estava realmente animada”.

Assim, devido à assimetria da eficácia dos mecanismos monetários à sua disposição, os bancos centrais tendem a preferir um ligeiro sobreaquecimento a um risco acrescido de deflação mas, ao mesmo tempo, pretendem evitar bolhas especulativas. Neste contexto, os recentes movimentos de correção observados nos mercados financeiros, o aumento da volatilidade e consequentemente a incerteza, acabam por permitir a adoção de uma política monetária acomodatícia, sem contribuir para os receios do regresso de uma nova fase de exuberância irracional.

Tensões comerciais: 

O aumento das tensões comerciais contribui quer para o aumento da incerteza com que os agentes económicos se deparam, possíveis adiamentos e antecipações de decisões de investimento e, consequentemente, para o ruído existente nos indicadores económicos que vão sendo anunciados, dificultando a leitura que é possível fazer-se do estágio em que se encontra o ciclo económico. As geografias que podem ser penalizadas com a menor abertura da economia norte americana, caso as negociações dos acordos comerciais não sejam equilibradas e bem sucedidas, são precisamente as economias chinesas e europeias, onde curiosamente o crescimento económico atualmente tem vindo a desapontar. As autoridades chinesas já se encontram a relaxar a política monetária através de cortes da taxa de reserva requerida ao sector financeiro e o banco central europeu poderá ter que revisitar os seus planos iniciais de normalização da política monetária na zona euro ao longo deste ano.

Outros riscos:

O Brexit é um processo que se deverá continuar a desenrolar ao longo dos próximos meses e que terá impacto, em especial, na economia britânica, pelo que o Bank of England deverá adotar uma postura bastante acomodatícia, caso se venha a concretizar um cenário de hard Brexit, algo que, atualmente, não é um cenário central.

As eleições europeias poderão constituir uma oportunidade de protesto para as populações descontentes com o atual rumo que a União Europeia tem seguido; o que poderá contribuir para um ambiente crescente de instabilidade política no seio do projeto europeu.

A instabilidade política na zona euro, que continua órfã de uma liderança inspiradora, poderá continuar a pesar no crescimento económico potencial e dessa forma dificultar a reflação e a desejável normalização da política monetária. Caso o abrandamento económico seja mais pronunciado do que o antecipado, o esforço de estímulo da atividade económica poderá ter que recair, novamente em exclusivo, no banco central europeu, cujo manancial de mecanismos de política monetária disponíveis é ainda reduzido.

De forma mais específica, e tendo em contas as condições atuais, como é que vê as decisões e reações dos bancos centrais sobre os seguintes temas?

Fed – Quantos aumentos espera este ano na federal funds rates e que fatores serão chave?

Os recentes movimentos de correção observados nos mercados financeiros, o aumento da volatilidade e consequente incerteza, acabam por permitir a adoção de uma política monetária acomodatícia, sem contribuir para os receios do regresso de uma nova fase de exuberância irracional. Assim, as expectativas para subidas de taxas, este ano, reduziram significativamente ao longo dos últimos 2 meses e encontram-se mais dependentes da evolução do ciclo económico. Será importante acompanhar a evolução dos mercados de trabalho, em particular dos salários, para aferir da necessidade de efetuar alguma subida de taxa de juro este ano.

Fed – Donald Trump tem criticado as decisões do FOMC. Isto poderá afetar as políticas do banco central?

A Reserva Federal deverá manter a sua independência institucional. No entanto, as políticas fiscais e monetárias não são estanques em si, e interagem mutuamente na economia. Assim, as decisões de uns impactam as decisões de outros, num quadro que poderá ser retratado pela teoria dos jogos. No caso da economia americana, em que ambas as instituições procuram o crescimento económico, os interesses encontram-se suficientemente alinhados em torno desse objetivo, pelo que será expectável que acabe por imperar a racionalidade.

BCE – Como é que o abrandamento económico e a ausência de pressões inflacionárias irão afetar o fim das medidas de estímulo?

Se há um ano atrás havia uma certa sensação de euforia com um crescimento económico global forte e sincronizado, o ritmo de crescimento económico desacelerou ao longo de 2018. Num primeiro momento, esse ajustamento do crescimento para níveis mais próximos das taxas de crescimento potenciais foi interpretado como normal. Contudo, a estabilização desse abrandamento tarda em aparecer e, em algumas economias, como na Europa e na China, obrigam a uma monitorização mais apertada. As expectativas para a Zona Euro seriam que o Banco Central Europeu continuasse, este ano, o caminho da normalização da política monetária, o que poderá ter que ser questionado, caso se prolongue a tendência de abrandamento económico observada ao longo de 2018 e que as principais organizações internacionais começam a incorporar nas suas previsões para 2019.

BCE – Que fatores irão afetar a decisão sobre um aumento nas taxas de juro? Quando é que este aumento poderá acontecer?

Ao contrário do mandato duplo da Reserva Federal, o Banco Central persegue apenas a estabilidade de preços, com um objetivo de inflação perto, mas abaixo, de 2%. Assim que a autoridade monetária se sinta confiante de que as expectativas de inflação se encontram ancoradas nesses níveis e que a trajetória da inflação observado esteja a seguir o rumo expectável nessa direção, haverá condições para ajustar a política monetária em conformidade. Para tal, será muito relevante que o ritmo da atividade económica se mantenha estabilizado em torno da taxa de crescimento potencial e que o recente abrandamento seja confirmado como transitório.

BCE – Como é que irá o facto do mandato de Mario Draghi terminar em outubro influenciar as decisões?

O mandato de Mario Draghi tem sido pautado por um elevado pragmatismo nas suas decisões e intervenções, pelo que a política monetária deverá continuar a responder essencialmente aos indicadores económicos e não às datas de rotação do mandato do seu presidente.

BCE – Como o Brexit poderá afetar a decisões do BCE sobre política monetária?

Ainda não é conhecida forma como o Brexit se processará. Certamente, a autoridade monetária europeia estará a acompanhar todo o processo e irá tomar as medidas que considerem necessárias para garantir o normal funcionamento do sistema financeiro em qualquer dos cenários que venham a ocorrer. O impacto económico para a Zona Euro deverá ser contido, pelo que em termos de política monetária o Brexit deverá, na maior parte dos cenários considerados prováveis, ter uma influência marginal.

Banco de Inglaterra – Dada a incerteza sobre os termos do Brexit, que opções é que Mark Carney dispõe?

As opções do banco central inglês deverão passar por medidas convencionais, como a alteração da taxa de juro e por medidas não convencionais, como a expansão do seu balanço, à semelhança do que tem sido feito no passado recente.

Banco de Inglaterra – Como é que os diferentes possíveis resultados (ausência de acordo, acordo mais fraco ou atrasos) poderá afetar os mercado no Reino Unido (equities, dívida e câmbio) e como é que o Banco de Inglaterra poderá reagir?

No final de novembro de 2018, o Banco de Inglaterra divulgou uma análise de cenários em que descreve o que poderia acontecer em cada um dos desfechos possíveis para o Brexit. O impacto em cada uma das variáveis macroeconómicas e financeiras tenderá a ser tanto maior, quanto o desfecho mais se afastar da situação pré Brexit.

A libra deverá reagir de imediato e atuar como primeiro elemento estabilizador, acomodando grande parte do choque. Face à variação da libra, as empresas britânicas exportadoras poderão ser as grandes beneficiadas, em detrimento dos sectores mais dependentes da economia britânica, onde se destaca o sector de imobiliário.

A atuação do Banco de Inglaterra será também tanto mais necessária, quanto o desfecho se afaste do panorama atual. Assim, num cenário de “no-deal”, o Banco de Inglaterra poderá ter o seu momento “whatever it takes”, para que dentro do seu mandato tudo faça para manter a estabilidade do sistema financeiro britânico.

Banco do Japão – Dada a desaceleração da economia mundial, pode o Banco do Japão ainda considerar começar a desmantelar o Quantitative Easing? 

O mercado de trabalho japonês apresenta níveis de desemprego em mínimos históricos de várias décadas. Contudo, apesar da escassez de trabalhadores, os salários continuam a não dar indicações de pressões inflacionistas. O abrandamento económico global e a possibilidade de uma nova subida dos impostos no segundo semestre de 2019 deverão dificultar o objetivo de normalização da política monetária no Japão.

Qual é o outlook da inflação e do iéne no Japão e como é que irá afetar a política monetária?

A inflação no Japão, expurgada dos elementos mais voláteis como a comida e energia, tende a ser bastante estável. Em 2019, este indicador deverá ser também impactado pela subida do imposto sobre o consumo de 8% para 10% em outubro, mas esse efeito momentâneo pouco impacto terá a médio prazo.

O elevado nível de dívida pública do Japão é uma das fragilidades desta economia, pelo que a moeda nipónica poderá beneficiar se o aumento da carga fiscal for bem-sucedido e não impactar negativamente a atividade económica.

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