Uma crise é um momento de decisões e escolhas. A palavra grega “krisis” significa isso mesmo: uma provação que nos obriga a fazer uma seleção do que é realmente importante e a decidir em conformidade. A crise tanto pode ser aquele momento decisivo em que se desfazem impérios, como em que se salvam. A crise pode ser o Blitz que enobrece um povo ou o crash que revela quem estava a nadar sem calções. O que está a acontecer no setor dos media nacional devido à crise da Covid-19 poderá ser uma coisa ou outra, dependendo do caminho que as empresas escolherem.

Já aqui falamos, nesta coluna, da necessidade de apoios estatais “cegos” ao setor dos media, numa altura em que os meios de comunicação social foram obrigados a reduzir ou mesmo suspender a atividade devido às medidas de contenção da pandemia que foram decretadas pelo Governo. Ao que tudo indica, essas medidas vão finalmente avançar e deverão ser conhecidas nos próximos dias, socorrendo um setor que enfrenta dificuldades sem precedentes, após a queda abrupta, de 50%, no investimento publicitário.

Porém, no longo prazo a salvação do jornalismo não virá do Estado mas sim das empresas e dos próprios jornalistas. E para tal há algo que os grupos de media devem fazer com urgência: cooperar em tudo aquilo que permita defender o jornalismo e reforçar a sustentabilidade do seu modelo de negócio.

Em primeiro lugar, através de iniciativas que permitam reforçar e distinguir o jornalismo de qualidade, como a adopção de uma carta de boas práticas que vá mais além da deontologia da profissão. Essa carta poderia estabelecer as regras para a citação de notícias de outros meios, de maneira a preservar o seu valor económico. Os jornalistas gostam muito de criticar a Google e o Facebook, mas esquecem-se de outras entidades que colocam em causa a sustentabilidade do setor, como as empresas de clipping que não pagam a quem produz os conteúdos ou os jornais eletrónicos cujo modelo de negócio assenta na publicação de conteúdos inspirados em materiais de terceiros. É aceitável resumir uma notícia em dois ou três parágrafos, mas não é correto pegar nesse material, extrair todo o seu valor noticioso e de seguida publicar um conteúdo “recauchutado”.

Entretanto, o jornal que paga o salário ao jornalista que investigou a notícia viu o valor económico desta evaporar-se, ao ponto de poucos estarem dispostos a pagar por ela. Embora banais, estas práticas podem configurar o crime de apropriação indevida e terão de terminar se queremos que o setor sobreviva. Mas isso só será possível se passar a existir uma auto-regulação eficaz, com um bom código de boas práticas que seja subscrito por todos os players relevantes e permita cobrir os infratores com uns simbólicos “algodão e penas” na praça pública. Para além, claro, de servir de tiro de partida para eventuais ações judiciais.

Em segundo lugar, os grupos de media precisam de uma estratégia comum em relação ao fecho dos conteúdos online, deixando de oferecer de graça algo que custa muito a produzir. Nenhuma sociedade moderna sobrevive sem informação que permita aos cidadãos e aos agentes económicos fazer escolhas esclarecidas. É aqui que reside o verdadeiro valor do jornalismo de qualidade e os grupos de media nacionais nem imaginam o poder que teriam se unissem esforços e falassem a uma só voz.

Imaginemos que todos os meios de âmbito nacional (que já não são muitos…) decidiam finalmente acabar com a informação gratuita e
avançar com ações conjuntas contra quem infringisse os direitos de autor ou fizesse dumping. Poderiam de seguida negociar em conjunto com as agências de meios e com os grandes players tecnológicos que concentram o investimento publicitário, bem como desenvolver novas formas de monetizar os seus conteúdos. Continuariam, claro, a enfrentar a concorrência de sites internacionais e de players de menor dimensão, mas ainda assim poderiam construir modelos de negócio sustentáveis, pagar salários mais altos, atrair talento e fazer
melhor jornalismo, servindo os leitores com a informação de que necessitam para tomar decisões. Mas haverá coragem suficiente para superar rivalidades antigas e ir contra os interesses instalados que beneficiam com a atual situação?