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Os homens que odeiam as mulheres na política

Está em curso uma guerra de ódio e ressentimento contra as mulheres, nas redes sociais e nas caixas de comentários de notícias, através de sistemáticas agressões verbais. A eurodeputada Marisa Matias fez uma denúncia pública do seu caso, mas o fenómeno é generalizado. E sintomático de um problema estrutural: o sexismo.
18 Junho 2017, 10h00

“Depravada”, “vaca”, “agarrada”, “lésbica”, “badalhoca”… “Esta é uma amostra muito pequena das coisas que me chamam nas redes sociais,” denunciou a eurodeputada Marisa Matias, no dia 7 de junho, através de um texto publicado no Facebook, com várias imagens de comentários insultuosos, sexistas e misóginos. Trata-se de um caso isolado ou é um problema generalizado? O Jornal Económico efetuou uma pesquisa nas redes sociais e nas caixas de comentários de notícias, tendo verificado que diversas mulheres políticas são recorrentemente alvo de ódio masculino (e também feminino, embora em muito menor grau). E recolheu uma série de exemplos concretos, dispostos na infografia que complementa este artigo. A violência das agressões verbais é evidente.

Estes comentários boçais, insultuosos, que lhe dirigem nas redes sociais, são sistemáticos ou apenas esporádicos? “São sistemáticos”, responde Marisa Matias. “Mas são em maior escala quando se trata de publicações sobre questões ligadas aos direitos das mulheres, aos direitos sexuais e reprodutivos, aos refugiados ou sobre política internacional. E também quando se trata de questões nacionais, em que há uma maior clivagem entre esquerda e direita”. São sempre da parte de homens, ou também há mulheres que a insultam? “Há homens e mulheres. O sexismo não é uma prática exclusivamente masculina. No entanto, são maioritariamente homens e é dos homens que surgem os ataques mais sistemáticos. Há muitos repetentes”.

No Twitter, por exemplo, costumam ocorrer vagas de insultos sobre alvos específicos, aparentemente inspiradas nas manobras da “direita alternativa” na campanha eleitoral de Donald Trump nos EUA, em 2016. Foi o que aconteceu à deputada Mariana Mortágua, a 9 de novembro de 2016, quando publicou a seguinte mensagem: “Vou dormir até que Trump não seja presidente outra vez. Ou emigrar, de planeta.” Seguiu-se uma vaga de comentários insultuosos, sexistas e misóginos, com notórias ligações à extrema-direita, incluindo o próprio José Pinto-Coelho, líder do PNR, que aproveitou a ocasião para difundir propaganda racista e xenófoba (um cartaz do partido com a seguinte mensagem dirigida a imigrantes muçulmanos: “Invasão, não! Façam boa viagem!”).

Costuma apagar este género de comentários? Alguma vez respondeu a algum deles? Tentou perceber o que motiva este comportamento? “Na descrição da minha página está escrito que não serão aceites comentários sexistas. No entanto, não os tenho apagado, a não ser quando incluem palavrões. A maioria deles não é visível porque chega por mensagem privada. Já respondi várias vezes e já entrei em diálogo, mas normalmente as respostas vêm em dose redobrada de sexismo. Trata-se de pessoas que não estão sequer disponíveis para discutir, muito menos quanto têm como interlocutora uma mulher”, explica Marisa Matias.

A eurodeputada do BE diz acreditar que “este é um fenómeno generalizado contra as mulheres, muito para além de questões de ideologia política ou de idade. Vi muitos comentários sexistas dirigidos, por exemplo, a Assunção Cristas ou a Teresa Leal Coelho e é do conhecimento público o quão distante estou ideologicamente de ambas. Quando as insultaram, pelo simples facto de serem mulheres, senti-me igualmente insultada”.

Denuncia que há sexismo na política. Além destes exemplos claros de sexismo, ou até de ódio contra as mulheres, de que outras formas é que se expressa? No seu dia-a-dia na política ativa, em que situações é que se depara com sexismo? “O sexismo manifesta-se diariamente a todos os níveis, não é só na política”, ressalva Marisa Matias.

“Infelizmente é transversal na nossa sociedade. É a raiz da desigualdade de género, da desigualdade salarial, da desigualdade de representação em cargos de chefia, na violência doméstica e até na forma como tantos homens afirma que ‘ajudam’ em casa em vez de assumir uma natural igualdade na partilha das tarefas e responsabilidades domésticas. Diariamente recebo comentários ‘estéticos’ (seja para o bem ou seja para o mal), coisa que confesso raramente vi dirigir a um homem. Além disso, provar a competência é francamente mais difícil para as mulheres e, muitas vezes, depois de ultrapassada essa dificuldade acrescida, ainda temos que ouvir que só o conseguimos porque tivemos ajuda de algum homem… Por exemplo, quando denunciei no Facebook alguns dos comentários insultuosos, um dos tipos de respostas que recebi foi: “Tu és linda, não ligues.” Isto também é sexismo. Nenhum homem receberia esse tipo de comentário em resposta a uma publicação semelhante”.

Em determinadas profissões – médicas, advogadas, juízas, empresárias, etc. –, o sexismo parece estar mais esbatido, concorda? Na política, pelo contrário, a evolução das mentalidades parece estar a demorar mais tempo, porquê? “Não concordo que haja profissões onde esteja mais esbatido,” afirma a eurodeputada. “O facto de existirem mais mulheres a exercer uma determinada função ou profissão não significa que o sexismo esteja mais esbatido. Estas mulheres são igualmente alvo de comentários sexistas e têm tantas vezes que provar as suas capacidades muito mais do que alguns homens que exercem exatamente as mesmas funções ou profissões, ou quantas delas exercendo as mesmas funções ou profissões recebem salários muito mais baixos. Na política pode ser mais visível, porque são mulheres com exposição pública e há mais escrutínio público”.

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