Não é habitual os vários atores da cena judiciária estarem de acordo. Não obstante, raras vezes, os astros alinham-se e é possível descortinar um pulsar comum na comunidade judiciária, cujo eco deveria merecer maior atenção daqueles que estão à frente dos destinos da justiça. Isto é tanto mais verdade quanto há desígnios, que sendo consensuais e contribuindo para uma invisível pacificação social, não pesam por aí além no orçamento do Estado. Por vezes apenas basta – sem que apenas queira dizer pouco – assegurar a coerência legislativa de matérias relevantes.

Dois exemplos, de muitos possíveis.

Há já muito tempo que se impõe uma ampla reforma no regime das contraordenações. Tendo a sua génese nas bagatelas, com o incremento do direito regulatório têm hoje uma importância preponderante no direito sancionatório. E embora se lhes chame de ilícito de mera ordenação social e se fale sua menor ressonância ética, a verdade é que as Coimas aplicadas pelos Reguladores ascendem a importâncias astronómicas, muito superiores às multas penais, isto a par de gravíssimas sanções acessórias.

Panorama atual: um lodaçal. Uma manta de retalhos. Um suposto diploma quadro chamado Regime Geral das Contra-Ordenações que se demite de disciplinar questões fundamentais, e que relativamente a questões nevrálgicas opera remissões enigmáticas ora para o processo penal, ora para o vetusto regime das transgressões e contravenções.

Paralelamente proliferam um sem número de legislações sectoriais, que em lugar de se ocuparem, como deveria ser, em estabelecer os tipos contraordenacionais próprios do setor, invadem também o campo da tramitação processual, muitas das vezes ao arrepio do suposto regime geral.

Um paralelo desaforamento, porventura ainda mais grave, ocorre no domínio do direito processual penal, onde se vindo a assistir a uma multiplicação de instrumentos legislativos avulsos, que pela sua centralidade e preponderância enquanto instrumentos de investigação penal, deveriam merecer tratamento unitário no Código de Processo Penal.

Assim é, por exemplo, relativamente a matérias tão importantes quanto a prova digital, relativamente à qual, em lugar de ser instituída uma disciplina harmoniosa em sede de Código de Processo Penal procedendo-se às necessárias alterações e compatibilizações, se trilhou a via de leis avulsas, gerando uma coexistência normativa de regimes sobrepostos e enormes dificuldades na perceção das revogações tácitas operadas e até mesmo, porventura, a coexistência de regimes contraditórios.

Com a inclusão à frente dos destinos da justiça de vários Magistrados e constituindo objetivo confesso do programa do Governo “Criar condições para a melhoria da qualidade e eficácia das decisões judiciais”, estão reunidas as condições para nesta legislatura se enfrente de frente a questão da harmonização legislativa. Assim haja vontade política de ousar. E saber técnico para realizar.