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Os líderes de amanhã fazem-se no Boom?

Por estes dias, a Herdade da Granja, em Idanha-a-Nova, serviu de laboratório a uma proposta de cultura alternativa, comunitária, ligada pela música, pela conexão com a natureza e pela vontade de ‘banalizar’ o bem e a tolerância.
© Christophe Renodeyn
25 Julho 2025, 08h37

A pergunta-título soa arrogante? Inesperada? Absurda? Certeira? Não temos uma resposta cabal, mas se 40 mil bilhetes para o Boom Festival esgotaram em menos de 48 horas – ainda o cartaz não era conhecido –, acreditamos que uns bons milhares poderão ser os líderes de amanhã, entre o cadinho humano que confluiu para a Herdade da Granja, nas margens da Barragem Marechal Carmona. O verbo escolhido não é fruto de um capricho nem do acaso. Confluir significa convergir, afluir, juntar-se, desembocar, desaguar. Que melhor imagem haverá do que a água que flui numa dada direção em harmonia? Metáfora para a mole humana que se identifica com a abordagem holística e a consciência ecológica do Boom, naquele que continua a ser um espaço único no universo dos festivais.

Começamos pela poluição visual das marcas. Não existe. Desde o momento em que entramos na estrada de terra batida até que chegamos ao recinto, a Natureza é quem mais ordena. E umas dezenas dos dois mil colaboradores e voluntários envolvidos nesta 15ª edição, que orientam quem chega. Nos 180 hectares da herdade reina a tranquilidade. Não há vestígios de marcas, patrocinadores ou banners outros que não as placas em madeira com as coordenadas para os palcos, para as áreas de meditação, palestras e oficinas, para as zonas de tendas e glamping e para o espaço destinado aos mais pequenos – “Young Dragons”, sim, o Boom também é para famílias –, restaurantes e supermercados. Todos eles comprometidos com a premissa de usar/vender produtos da região para mitigar a pegada ecológica do evento.

Aqui, a sustentabilidade não pode ser apenas um conceito, tem de ser uma prática. Até porque um dos pilares do Boom é, desde sempre, a sua relação com o meio rural e a comunidade. “A natureza é o centro da experiência. Em Idanha-a-Nova, a relação tem sido de aceitação mútua profunda e dinamização para um novo conceito de ruralidade e de comunidade”, diz Artur Mendes, da organização do Festival. Na história do Boom, que conta com quase 30 anos de existência, já são vários os marcos, mas queremos saber qual consideram ser o mais relevante.

Mendes é taxativo: “O principal é demonstrar que é possível fazer cultura independente e festivais com cariz alternativo ao sistema comercial. Sem patrocínios e advogando um estilo de vida alternativo”.

A fila para os sumos naturais e chai (chá indiano com leite e especiarias) num dos espaços de restauração flui serenamente. A babel linguística é omnipresente. Do público, claro, oriundo de 170 países, e também dos artistas (500) e terapeutas (100; 50% portugueses, 50% estrangeiros) convidados para esta edição. A programação foi dispersa por 21 áreas distintas num total de 1500 horas de concertos e DJ sets, workshops, meditação, cinema e experiências de bem-estar. Para não falar nas instalações artísticas, uma das imagens de marca do Boom, das esculturas de Daniel Popper, ao design dos palcos, respira-se arte nos muitos recantos do Festival, onde o trabalho de iluminação é, também ele, um must see/enjoy.

É frequente a forma de estar alternativa subjacente ao Boom “expor o festival a preconceitos”, conta Artur Mendes ao JE. Apesar disso, realça, “a realidade fala por si. São quase 30 anos de história, de dinamização do interior, atração de público de 170 países, criação de impacto económico de 55,3 milhões de euros, segundo os dados de 2018, e uma capacidade convocatória mundial única”.

O sol começa a pôr-se sobre a albufeira e são muitos os que celebram o momento. Ficará a semente? A reflexão sobre aquilo que nos rodeia e o mundo que queremos? Acumular e desperdiçar não é o mantra desejável. Cuidar do planeta, sim, para podermos cuidar da humanidade. No coletivo. É esse o mantra do Boom. Aos boomers cabe-lhes ser cidadãos ativos e criativos na construção de uma comunidade solidária e livre. E ‘banalizar’ o bem.

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