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Os ofendidos

Estamos (a rede) a limitar um grupo, identificando-o como discriminadores-tipo, avisando-os para não descriminarem numa ferramenta que nós (rede) proporcionamos e que está concebida para limitar/descriminar alvos! Confusos? Também eu. A Rede descrimina potenciais discriminadores utilizando os mesmo preconceitos de quem realmente descrimina. UFA!
7 Março 2019, 07h15

As rede sociais permitem-nos definir um público alvo daquilo que anunciamos. É normal. Qualquer que seja a atividade que pretendemos ver promovida, do comércio à espiritualidade, passando pela política e o associativismo, é normal que concentremos esforços e fundos para um público que julgamos ser o mais suscetível de nos acompanhar. Num tempo em que, felizmente, “convencer” é mais consensual do que “obrigar”, concretizando assim as bases subjacentes ao liberalismo político e ao capitalismo económico (ou trocando o termos, se preferirem), urge otimizar recursos na persecução do objetivo. Mas a mesma rede que nos fornece as ferramentas para traçarmos perfis -alvo (e “perfis” deveria ser a grande palavra deste início do século) também nos envia um livro de estilo de não descriminação que contradiz em grande medida esses instrumentos. Como a única coisa que patrocinei no Facebook nos últimos anos foi a venda do meu carro, mal sucedida acrescente-se, e não faço gestão de páginas há bastante tempo, imagino que a mensagem que recebi tenha chegado a milhares de destinatários. A informação da Rede de Zuckerberg reza assim: “ Os anúncios não devem discriminar ou incentivar a discriminação de pessoas com base em atributos pessoais como a raça, etnia, cor, nacionalidade, religião, idade, sexo, orientação sexual, identidade de género, estado civil, incapacidade física, médica ou genética”. Não sendo eu um perfil-alvo óbvio, pela forma como (não) me relaciono com a rede, é possível que esta informação tenha sido lançada a um conjunto de pessoas, não por se enquadrarem nos contornos de quem promove anúncios, produtos, publicações, mas porque se insere num biótipo mais comummente identificado como potencial “discriminador”. Ou seja: homem, norte-atlântico, branco, heterossexual, casado, 40 ou mais anos. Mas se assim é, a coisa torna-se Kafkiana. Estamos (a rede) a limitar um grupo, identificando-o como discriminadores-tipo, avisando-os para não descriminarem numa ferramenta que nós (rede) proporcionamos e que está concebida para limitar/descriminar alvos! Confusos? Também eu. A Rede descrimina potenciais discriminadores utilizando os mesmo preconceitos de quem realmente descrimina. UFA!
Mas o mundo está a tornar-se num lugar assim. Confuso. Disfuncional. A censura e autocensura do espaço público podem realmente impedir a funcionalidade das orgânicas que nos mantêm de pé, e que permitem a existência de um conjunto quase universal de sociedades diversas, mas com o estagio evolucional que conhecemos e, permitam-me, disfrutamos.

Regressemos ao Facebook: existindo desde há alguns anos um espaço denominado “Marketplace”, é normal que se direcione uma publicação. Que sentido faz publicitar um anuncio de Skis de neve para Panamianos, bengalas para jovens, próteses de membros para quem os tem saudáveis, ou produtos de cuidado para cabelos com carapinha a suecos? Dito isto, reflito na impossibilidade de existir nos dias de hoje um “reclame” como o do lendário “restaurador Olex”. Originaria uma horda instantânea de indignados, ofendidos.

Um exemplo tão ou mais revelador do absurdo “a que isto chegou” foi-nos brindado pela cerimónia dos Óscares de Hollywood. Não vou falar do descarte de Kevin Hart, após terem sido recuperados tweets de 2009, 2010 e 2011 onde foi claramente homofóbico. Quero antes referir-me à quase absoluta ausência de piadas, devido ao inequívoco receio de ferir qualquer suscetibilidade, por mais ínfima que seja, ou à proibição de aplausos na homenagem aos membros da academia que faleceram em 2018. O sempre marcante In Memoriam . A intenção seria não ferir os sentimentos dos familiares e amigos dos falecidos menos conhecidos, mais antigos, ou menos populares. Mas imaginem que o Robert De Niro morria amanhã (por favor , não!!!). Ou a Meryl Streep (Nãoooo!!), premiada com 3 estatuetas e mais 18 nomeações. Não era possível receberem uma merecida ovação, devida a figuras impares, irrepetíveis da cultura universal, para não melindrar um qualquer figurinista, por muito nobre e fundamental que seja a sua função. Como se essa óbvia descriminação não existisse já na notoriedade ou no cachet, para apontar apenas o mais óbvio. Hipócritas. A maioria dos ofendidos são uns hipócritas.

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