O encontro do presidente do MPLA, João Lourenço, com os primeiros secretários dos Comités de Acção (CAP), no dia 26 de Agosto de 2024, suscitou-me uma reflexão sobre o impacto das autarquias nas futuras disputas pela liderança dos grandes partidos. No presente, nenhuma figura destacada no plano local manifestou o desejo de chegar à presidência do partido. Mas, essa dinâmica será alterada com a introdução das autarquias em Angola, porque os políticos locais poderão juntar-se e apresentar uma candidatura.
Quando se coloca a questão da sucessão no seio dos maiores partidos não se pensa nas figuras locais, mas, sim, nas figuras centrais, que já ocuparam cargos ministeriais e deputados eleitos no círculo nacional. José Eduardo dos Santos e João Lourenço ocuparam esses cargos ministeriais e foram deputados pelo MPLA. Isaías Samakuva e Adalberto da Costa Júnior foram eleitos no círculo nacional pela UNITA.
A elite local não beneficia de legitimidade própria, mas consegue criar uma rede de influência política pelas práticas clientelares. Essa estrutura local não é autónoma e independente, dependendo sempre de uma decisão do presidente ou da direcção central do partido, que é composta pela elite central e que poderá retirar às figuras locais a confiança política que lhes é vital. Sem cargos não há meios para assegurar a distribuição de recursos económicos e de posições na Administração Pública para alimentar a rede clientelar.
Essa ascensão política e controlo de top-down da elite central será alterada com as autarquias porque as elites locais terão cargos próprios e legitimidade eleitoral. Nessa altura, se as elites locais forem confrontadas pelas elites centrais comas suas escolhas e decisões e lhes for imposta uma vontade contrária à sua, poderão desligar-se do partido e criar listas independentes (legislação autárquica angolana). Estarão, assim, em condições de concorrer contra o seu antigo partido. Em Portugal, muitos candidatos independentes são antigos presidentes de câmara eleitos pelo PS e pelo PSD.
Os desafios inerentes às autarquias serão, certamente, maiores para o MPLA e a UNITA do que para os demais. Seria, pois, avisado dotar os partidos de instrumentos políticos internos eficientes para reduzir o grau de deserção das elites locais e para não enfraquecer as estruturas partidárias. Mas, de uma coisa estamos certos, os futuros líderes partidários terão partidos menos coesos e seguramente mais enfraquecidos.
O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.