Num momento em que a Europa está em crise – de crescimento, de emprego, de lideranças e de bem-estar –, os mecanismos naturais da democracia operam no sentido de acomodar o descontentamento das populações: os eleitores começam a votar em partidos antes minoritários, ou mesmo em novos partidos entretanto criados para satisfazer esses cidadãos insatisfeitos. Esta plasticidade da democracia é, aliás, a sua grande virtude: o facto de permitir que os eleitores mudem o seu sentido de voto e que novos partidos e novos políticos apareçam no combate eleitoral é o que obriga os políticos a resolverem os problemas dos cidadãos.

Durante muitos anos, a Europa foi governada, maioritariamente, por partidos sociais-democratas e democratas-cristãos que criaram um certo consenso político e uma noção de que eram os únicos partidos do “arco da governação”. Esses foram, realmente, os partidos da governação porque, durante muito tempo – desde o fim da Segunda Guerra Mundial até meados dos anos oitenta do século XX – conseguiram trazer paz e prosperidade aos cidadãos europeus.

Mas essa realidade não é imutável: com a queda do bloco de leste e com a deriva neoliberal iniciada por Margaret Thatcher no partido conservador britânico, que depois se foi espalhando pelos outros partidos do centro-direita europeu e, seguidamente, mesmo pelos partidos socialistas (com a chamada “terceira via”, de que Tony Blair foi o expoente máximo), deu-se uma degeneração do “centrão” europeu, que deixou de ser centro para ser apenas neoliberal.

Com isso, as condições de vida das populações europeias, desde os mais pobres até às classes médias, foram-se degradando e os eleitores aperceberam-se que as alternativas tradicionais centro-esquerda versus centro-direita deixaram de o ser, na medida em que, quer os membros do Partido Popular Europeu, quer os membros do Partido Socialista Europeu, todos estavam alinhados no caminho neoliberal (consagrado nos sucessivos tratados europeus da década de 90 em diante), talvez divergindo apenas no ritmo em que esse caminho era consolidado.

Acontece que, desde o início do séc. XXI, com a introdução do Euro, do Pacto Orçamental e com as crises do subprime e das dívidas soberanas, as condições de vida dos europeus degradaram-se profundamente, ao mesmo tempo que esses partidos nada fizeram para inverter o rumo traçado e para devolver bem-estar às populações. Aí chegados, os eleitores perceberam que tinham de começar a votar diferente para que as mudanças ocorram.

E é aqui que estamos: candidatos e partidos que aparecem com discursos alternativos, de ruptura com o status quo, começam a ganhar expressão eleitoral suficiente para acederem ao poder, mesmo quando alguns desses partidos apresentam propostas erráticas, inconsistentes, baseadas em falsidades ou façam uso de velhos e perigosos truques demagógicos – como culpar o outro, o diferente, pelo nosso mal.

A força que têm adquirido os partidos nazis em países como a Polónia, Alemanha, Hungria, Holanda, Finlândia, França e Reino Unido, partidos burlescos como o Movimento Cinco Estrelas em Itália ou partidos incertos como o Podemos em Espanha, mostram que os cidadãos europeus estão insatisfeitos com o seu quotidiano e culpam, em grande parte, a governação dos políticos ligados aos partidos do centro e, por isso, procuram, desesperadamente, alternativas.

No meio de tudo isto, os membros do Partido Socialista Europeu têm uma especial responsabilidade: como a dinâmica que está imposta é uma dinâmica de destruição da classe média e dos direitos dos trabalhadores, enfim, do modelo social-democrata, são os partidos socialistas que têm a obrigação de ser inflexíveis na defesa desses valores políticos e de inverter o rumo da Europa. Se o não fizerem, é muito provável que os eleitores procurem esperança noutras paragens, nomeadamente na extrema-direita, o que, como sabemos, poderá ser desastroso.

Os membros do Partido Socialista Europeu têm que, rapidamente, abandonar a sua deriva neoliberal e retomar as suas origens trabalhistas, sob pena de tenderem a deixar de ser uma clara alternativa de poder, como aconteceu na Grécia ou mesmo em Espanha. O exemplo de António Costa, que se aliou aos partidos à sua esquerda é, aliás, um exemplo prático para o qual os partidos socialistas europeus deviam olhar com atenção e perceber que é por aí que têm que ir.