Os preços da electricidade na Europa estão a subir em flecha. Péssima notícia para a transição climática, uma vez que a resposta aos aumentos de consumo de energia eléctrica é satisfeita e com dificuldade por centrais alimentadas a matéria-prima de origem fóssil (carvão, petróleo, gás).

Mas também não deixa de o ser para o bolso das famílias e das empresas como se referiu aqui no último artigo – os preços da electricidade em Portugal.

As populações de vários países europeus têm reagido contra estes aumentos, como há dias na manifestação pública nas ruas de Madrid (19 SET). E, em França, teme-se o regresso de um movimento de protesto a lembrar “os coletes amarelos”.

Muitos governos da União Europeia, na tentativa de conter o desagrado das populações e das empresas que, de diversas formas, se têm manifestado contra a sua perda de competitividade relativa, têm vindo a tomar medidas “desencontradas e desarticuladas” como o cheque ao consumidor ou a “mexida” nos impostos. Não são medidas de fundo.

A União Europeia e os preços da electricidade

A questão da subida de preços é tão generalizada e tão central nos países membros da União Europeia (e não só) pelos seus vastos efeitos económicos e sociais.

Um tema desta dimensão não deveria ter merecido há muito a atenção da Comissão Europeia e do Conselho, no sentido de se delinear uma estratégia conducente à formulação de medidas adequadas à solução ou pelo menos minimizar a situação? A medo, começaram as estruturas da UE a falar do assunto!

Medidas idênticas para todos os países, penso que não poderiam ser, de imediato, dada a variedade de estruturas de produção. Mas poderia avançar-se para um tronco comum. Se se anda a construir o “mercado europeu da electricidade” desde os anos de 1990 que a pouco tem conduzido a não ser a um método e modelo de “liberalização” de mercados de efeitos duvidosos, não seria mais construtivo para uma Europa de futuro “pegar” em temas como este, estruturantes, e tentar encontrar e concertar caminhos?!

Mas, quando a Europa e o Mundo parecem empenhados num processo de transição climática e a resposta ao aumento do consumo nas condições actuais só pode ser dada pela produção de electricidade, recorrendo a fontes de energias fosseis é, de facto, desanimador e um retrocesso ou, no mínimo, um congelamento temporário de percurso, quando se deveria acelerar a operacionalidade dessa transição, face a todos os fenómenos que têm vindo a suceder por toda a parte sobretudo muito acentuados em anos recentes (cheias, incêndios, temperaturas elevadíssimas, etc.).

Espero que este tema seja debatido e profundamente no COP26, Glasgow 2021, a realizar sob a égide da ONU, em princípios de Novembro, onde estarão presentes os políticos mundiais, esperando-se uma participação activa da Europa através de propostas fiáveis.

A subida de preços

Em termos reais, segundo vários peritos europeus, as tarifas do gás no mercado grossista têm vindo a atingir “níveis históricos”. Desde meados de 2020, as tarifas foram “várias multiplicadas, no mínimo, por 3” e as da electricidade por arrastamento acompanharam sensivelmente o mesmo nível.

A Ásia, por seu lado, tem uma importância vital no preço do gás. Devido ao elevado peso da sua população no Mundo e à estrutura produtiva da sua economia altamente consumidora de energia, quando sucede um forte aumento de procura, a Ásia “puxa” pelo preço da electricidade que se repercute em todo o mundo. É o que tem acontecido nestes últimos meses de 2021, ao contrário dos primeiros meses de 2020 em que o consumo baixou por efeitos da Covid-19, levando muitos produtores de electricidade então a desactivar parte da actividade de produção.

Agora, com a retoma económica, a procura disparou e a dificuldade de resposta agrava-se, sendo necessário algum tempo para operacionalizar o arranque. Por outro lado, é necessário recorrer a centrais menos eficientes, o que leva estas a entrar com preços mais elevados. E, neste processo, como se disse em artigo anterior, são geradas rendas elevadas, pois os preços são estendidos a todos os produtores, distorcendo desta forma os preços que recaem sempre sobre os consumidores domésticos e as empresas.

Este processo de formação de preços no mercado grossista provoca um grande entorse.

Mas há os grandes defensores, aqueles que dizem: este mercado funciona bem. Imitam aquela máxima desportiva “em mercado que funciona bem” não se mexe. São vozes que não enganam, nem disfarçam e colhem receptividade. São bem claros os interesses que defendem. De certeza, não os dos consumidores domésticos nem os das empresas.

Eis uma área crucial em que a União Europeia deveria debruçar-se.

Por outro lado, há os navios metaneiros (navios-tanque que transportam o gás natural liquefeito (GNL) para entrega em terra nos pontos de alimentação dos gasodutos, Sines por exemplo) que, pela sua escassez, de momento, contribuem para aumentar o preço.

Aliás, o problema da entrega de matérias-primas e de componentes tem sido transversal a vários sectores levando em muitos casos a suspensões temporárias da actividade e a aumentos de preços. Têm sido muitos os sectores afectados quer na indústria quer na distribuição. Em parte, estas cadeias de abastecimento paralisaram ou reduziram a sua actividade durante a Covid-19 e estão a acusar dificuldades na retoma da normalidade ou do nível necessário de produção para satisfazer a procura, aspectos negativos para o funcionamento da economia global e na retoma.

De salientar ainda que o fornecimento de gás da Rússia à Europa também tem encontrado dificuldades e mesmo o da Noruega, embora com menor impacto, passa por problemas semelhantes.

Diferenciação de preços entre os países europeus

Há uma enorme diferenciação nos preços praticados na Europa, mesmo antes desta subida vertiginosa. A título de exemplo, a diferença de tarifas da mais alta para mais baixa é de 3 para 1 [exemplo, Bulgária (menos) 0,10€ TTC, Alemanha (mais) 0,30€ TTC].

A tarifa final inclui todas as taxas e impostos que cada país adiciona. São muito variáveis pois nos custos de produção as diferenças são muito reduzidas.

Portugal ocupa, em média, a terceira posição com maior peso de taxas e impostos na tarifa final da electricidade para o consumo doméstico. No entanto, em termos de tarifa comparada ocupa o oitavo lugar.

Duas perguntas finais a registar

Para quê um mercado europeu da electricidade em construção há bem mais de 20 anos se nem uma política de preços conseguiu formatar? O sistema de formação de preços no mercado grossista não merece ser, direi, no mínimo “retocado”? Certamente para alguns, esta questão é uma “blasfémia”, pois cumpre tão bem a missão de distribuir rendas.

Concluindo, é de exigir da União Europeia um mercado europeu da electricidade que sirva as pessoas e a economia.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.