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Para que serve um Banco Central?

Desde o início da pandemia, o BCE já comprou mais de 1.3 biliões de euros de títulos públicos e empresariais no mercado de capitais. Este montante corresponde a mais de 10% do PIB nominal da Zona Euro. Esta intervenção vai muito além do que é o papel do BCE, pois representa uma deformação excessiva do funcionamento do mercado europeu de capitais. Se, por um lado, no curto prazo é bom baixar os custos de financiamento dos estados e das empresas, por outro lado, ir demasiado longe nesse campo representa, a longo prazo, um incentivo à gestão irresponsável.
6 Julho 2020, 07h15

Uma das principais funções do Estado é a de assegurar a estabilidade socioeconómica, na qual se inclui a solidez macroeconómica. Os bancos centrais (BC) são instrumentos que permitem ao Estado alcançar esse desígnio, o que se concretiza enquanto instituições públicas que põem em prática uma política monetária, administram as reservas de divisas e dirigem as operações de câmbio, garantem o bom funcionamento do sistema de pagamentos, e supervisionam o sistema bancário.

Na política monetária, destaca-se a oferta de moeda e a fixação de taxas de juro de referência, que tem por objetivo providenciar moeda para as transações económicas e assegurar a estabilidade de preços. Esta política efetua-se sobretudo através de emissão de moeda, de operações de open market (compra e venda de títulos do tesouro), e da fixação de taxas de juro de referência.

Como as economias têm comércio internacional em divisas diferentes, os BC têm a necessidade de administrar as reservas de divisas, o que é feito através de depósitos em moeda estrangeira, gerindo assim as variações das reservas cambiais. Os BC funcionam também como autoridades cambiais, nomeadamente autorizando e fiscalizando certos pagamentos externos e definindo os princípios reguladores das operações sobre divisas.

Os BC também promovem o bom funcionamento dos sistemas de pagamentos, operacionalizando e desenvolvendo os sistemas e os instrumentos de pagamentos, que também são regulados e superintendidos pelos BC.

Finalmente, a supervisão do sistema bancário tem por objetivo assegurar a estabilidade e a solidez do sistema bancário, bem como a eficiência do seu funcionamento, o que inclui regulação preventiva de riscos sistémicos.

Analisemos, então, como tem ocorrido, na prática, a prossecução destes objetivos nos casos do Banco de Portugal e do Banco Central Europeu (BCE).

Desde o início da pandemia, o BCE já comprou mais de 1.3 biliões de euros de títulos públicos e empresariais no mercado de capitais. Este montante corresponde a mais de 10% do PIB nominal da Zona Euro. Esta intervenção vai muito além do que é o papel do BCE, pois representa uma deformação excessiva do funcionamento do mercado europeu de capitais. Se, por um lado, no curto prazo é bom baixar os custos de financiamento dos estados e das empresas, por outro lado, ir demasiado longe nesse campo representa, a longo prazo, um incentivo à gestão irresponsável. Em termos de países e seus respetivos governos, casos como os da Grécia, Itália e Portugal, que se permitem que as suas dívidas públicas excedam os 120% do PIB, tornam-se exemplos a seguir, pois quando o serviço da dívida aperta o BCE financia a baixo custo os seus endividamentos. Em termos empresariais passa-se algo de semelhante, em que empresas com endividamento excessivo são beneficiados pela compra de obrigações por parte do BCE. Esta política ultra expansiva do BCE é, portanto, promotora de bolhas especulativas e de políticas de endividamento irresponsáveis por parte de governos e empresas. Tudo vai correndo bem até se desencadear o processo de rompimento da bolha, como ocorreu em 1929 e em 2008.

A política cambial, em minha opinião, tem sido eficaz. Temos tido um período de relativa estabilidade cambial para com as principais moedas internacionais. Nos últimos 20 anos o Euro (EUR) face ao Dólar (USD) variou entre 0.84 e 1.59, com uma tendência de estabilidade a longo prazo. Algo de semelhante tem acontecido com outras taxas de câmbio mais relevantes, com algumas exceções que revelam mais a instabilidade de outras moedas do que a do euro. São os casos das apreciações consistentes nas últimas décadas face ao EUR do Franco Suíço (CHF) e do Yuan Chinês (CNY), e da depreciação da Libra Esterlina (GBP), embora em todos estes casos não tenha havido oscilações dramáticas.

Sobre a política de sistemas de pagamentos tenho também uma opinião positiva, pois o aumento da eficiência e a estabilidade do sistema têm sido marcas dignas de nota.

Sobre a política de supervisão bancária tenho uma opinião francamente negativa, pois a supervisão carece de instrumentos legais que lhe permitam uma eficaz prevenção de fraudes, o que é potenciado pela frequente troca de posições entre diretores de bancos comerciais, detentores de cargos políticos relevantes, e detentores de cargos de supervisão bancária. Esta troca frequente torna, por vezes, o supervisor brando, passivo e reativo, ao invés de imprimir ao Banco de Portugal posições ativamente preventivas. Esperemos que o aprofundamento da União Bancária a nível Europeu, que inclui um conjunto único de regras e mecanismos únicos de supervisão e de resolução, traga melhores dias à política de supervisão bancária, pois até hoje tem sido pesado o fardo: na última década, a média anual dos apoios do Estado ao sistema financeiro (aquisição de participações, concessão de empréstimos, prestação de garantias, etc.) corresponde a cerca de 1 700 milhões de euros (0.7% do PIB médio da década).

Em termos globais, parece-me evidente que a política monetária ultra expansiva dos bancos centrais acarretam riscos preocupantes, nomeadamente de se chegar a um ponto em que se terá de escolher entre inflação alta e crash bolsista. Os estatutos dos bancos centrais e a história apontam claramente para a escolha da 2.ª hipótese, com todo o efeito dominó decorrente, o que corresponderá a cenários semelhantes aos da Grande Depressão e da Grande Recessão (com destaque para a diminuição da produção, aumento do desemprego e diminuição real dos rendimentos). Por outro lado, também a política de supervisão merece uma maior atenção do poder político no sentido de a capacitar com um enquadramento jurídico que lhe permita atuar de forma mais ativamente preventiva, quer no interesse dos clientes bancários, quer dos contribuintes.

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