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Parece que não é a cor da pele

Um dos temas mais sensíveis é o da valorização, em termos equivalentes financeiros, da vida humana. É um tema sensível, porém corriqueiro em setores como a justiça e os seguros.
5 Julho 2021, 07h15

A Economia dos Recursos Naturais é um ramo da Ciência Económica com a qual tive o primeiro contacto na disciplina com o mesmo nome na minha licenciatura. Aprendi nessa altura que alguns Economistas se dedicam a atribuir um valor económico a recursos aos quais dificilmente associaríamos a ideia de valor económico. O meu trabalho, por exemplo, foi sobre o impacte dum aeroporto sobre a poluição sonora na cidade envolvente, e quais os prejuízos que causariam essa poluição, nomeadamente sobre a saúde da população, incluindo aspetos auditivos e neurológicos. Nessa altura aprendi também que a escolha de alocação de recursos, que podem parecer inocentes, tem implicações do tipo vida e morte. Por exemplo, quando um governo decide adjudicar a construção duma estrada com curvas mais acentuadas, quando poderia ter mais túneis e viadutos que a tornariam mais segura, vai haver implicações nas décadas subsequentes em número de mortos e feridos. Quando um adolescente decide começar a fumar e isso se torna um hábito e mais tarde um vício, isso terá implicações nas décadas seguintes em termos de longevidade e bem-estar. Com estes exemplos penso que se entende a importância de atribuir valor a alternativas diversas nas tomadas de decisões.

Um dos temas mais sensíveis é o da valorização, em termos equivalentes financeiros, da vida humana. É um tema sensível, porém corriqueiro em setores como a justiça e os seguros. Quando uma pessoa morre por responsabilidade duma entidade, qual o valor da indemnização a atribuir aos herdeiros? E qual o valor a atribuir a uma determinada pensão de viuvez? Qual o valor dum prémio de seguro de vida? As respostas a estas questões envolvem cálculos que implicam uma valorização financeira de vidas humanas.

Muitas vezes me recordo destas questões quando leio historiografia ou notícias sobre desgraças humanas: acidentes, genocídios, guerras, massacres, pandemias, suicídios, coisas desse género. Faço comparações que podem parecer estapafúrdias, talvez influenciadas pela minha formação de matriz universalista. Por exemplo, comparo o impacte na opinião pública do assassinato do desempregado, pai de 5 filhos, de pele escura, George Floyd, com a declaração de cessar-fogo do governo da Etiópia na região norte de Tigray. Mesmo no capítulo de guerras, esta está longe de ser a que se destaca nas opiniões públicas a nível mundial, falando-se muito mais de outras guerras em outros continentes. A guerra no Norte de Tigray provocou diretamente a morte de milhares de pessoas, provocará indiretamente a morte de mais milhares pela fome, pelos deslocamentos forçados, e centenas de milhares talvez não morram de fome, mas ficarão subnutridos por deixarem de ter as fontes de alimentação que detinham. É um conflito em que há torturas, médicos sem fronteias mortos, enfim, todas as desgraças que acontecem em massacres como os da guerra de Tigray.

A morte de George Floyd, muito lamentável, deu origem a mudanças de lei nos Estados Unidos da América, manifestações por todo o mundo. Durante dias foi assunto de capa. A guerra de Tigray, muito lamentável, deu origem a um comunicado da ONU alertando para a fome iminente no Tigray. Não houve ativismo, nem pressões internacionais, nem tentativas de mediação, nem capas de jornais.

Não há dúvida de que, implicitamente, a vida de um cidadão comum dos Estados Unidos da América vale mais, muito mais, do que a de um cidadão comum da Etiópia, mesmo quando a cor da pele é semelhante. Parece que não é a cor da pele que diferencia o valor implícito de uma vida humana.

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