Com apenas 24 votos a favor e 57 abstenções (o do partido de esquerda no poder), o Parlamento kosovar não aprovou uma resolução apresentada pela oposição que pretendia adotar o Acordo de Washington, assinado na Casa Branca no início de setembro do ano passado, com a mediação do então Presidente Donald Trump.
A derrota do próprio acordo estava no horizonte dos analistas como uma forte possibilidade, uma vez que o atual primeiro-ministro não assinou o acordo nem nunca demonstrou qualquer empenho na solução ali preconizada. Pelo contrário, desde que chegou ao poder, o Kosovo endureceu a postura face à Sérvia – de que unilateralmente se separou em 2008.
Desde março deste ano que a esquerda voltou a liderar o Kosovo: Albin Kurti venceu as eleições com uma maioria de 67 votos, mas sem o apoio da minoria sérvia. Nesse contexto, a resolução que apelava ao governo para implementar o Acordo de Washington alcançado em 4 de setembro de 2020 na Casa Branca, não foi aprovada. Apenas os parlamentares da oposição votaram a favor, enquanto a maioria no poder se absteve.
Em dezembro de 2018, Donald Trump escreveu cartas aos presidentes de Sérvia, Aleksandar Vucić, e do Kosovo, Hashim Thaçi, apelando a que ambos chegassem a um acordo de normalização de relações sob a assistência norte-americana. A resposta só chegou quase dois anos depois – mas Trump conseguiu finalmente o que queria, mesmo que não contasse com todos os destinatários da carta de dois anos antes: Thaçi, acusado de envolvimento em crimes de guerra e contra a humanidade na época do conflito do Kosovo, nos anos de 1990, não esteve em Washington, com o Kosovo a ser representado pelo primeiro-ministro de então, Avdullah Hoti.
Os dois anos entre os dois atos foram gastos num intenso e possivelmente penoso burilar do texto que haveria de ser assinado na Casa Branca e o assunto foi de tal forma controverso que os analistas consideraram sempre que não funcionaria.
O primeiro e o principal entrave a uma solução entre as duas nações é que a Sérvia não reconhece o Kosovo como país independente. Nesse contexto, o seu governo recusava assinar fosse que papel fosse de onde pudesse emanar a aceitação da independência. Os negociadores gastaram assim dois anos a encontrar um articulado que pudesse ser aceite pelas duas partes.
Segundo a imprensa da altura, o problema era de tal ordem, que não houve a assinatura conjunta de nenhum acordo, mas a assinatura separada de dois textos que não eram coincidentes. Ou seja, estava tudo previsto para falhar.
No final, parece que os dois países aceitaram o seguinte: o Kosovo concordou em suspender por um ano as tentativas de entrada em organizações internacionais das quais não faz parte e a Sérvia, pelo mesmo período, suspenderia as suas campanhas contra a independência do Kosovo e deixaria de pressionar as várias instâncias internacionais para que não aceitassem o Kosovo.
A maior parte do acordo é de índole económica. Em 16 pontos, os dois países acordaram uma cooperação económica crescente, em especial na área das infraestruturas rodoviárias e ferroviárias (desde logo entre as capitais, Belgrado e Pristina), cooperação entre instituições financeiras, energia, apoio à ligação das PME de ambos os lados e a possibilidade de o Kosovo se juntar ao projeto de zona económica com livre circulação de bens, capital, serviços e pessoas lançado pela Albânia, Macedónia do Norte e Sérvia em outubro de 2019. Mas tudo isto é pouco perante a questão da independência.
Na altura, a União Europeia ficou ‘ciumenta’ por o acordo entre dois países balcânicos que nem sequer se reconhecem entre si ter sido assinado em Washington e não em Bruxelas, com a ‘bênção’ de Donald Trump e não de Ursula von der Leyen. Mas, de qualquer modo, havia um acordo – e fazendo os dois países parte do grupo de Estados balcânicos que esperam entrar a breve prazo na União, isso não podia deixar de ser uma boa notícia.
Agora, com a decisão do parlamento kosovar, fica tudo mais difícil. E o problema cai nas mãos da Eslovénia, que substituiu Portugal na presidência do Conselho da União Europeia a partir do final de junho – e tem no alargamento do espaço comum aos países dos Balcãs Ocidentais como uma das prioridades da sua política europeia.
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