[weglot_switcher]

Partidos receiam controlo da imprensa da Madeira pelos grupos Sousa e AFA

Possível troca de participações para controlo conjunto dos dois jornais provoca receios nos partidos da região, que temem controlo dos media. Operação pode precisar do OK da AdC.
3 Julho 2020, 08h06

Os grupos Sousa e AFA estão a negociar uma troca de participações que lhes dará o controlo conjunto das empresas proprietárias dos principais periódicos da Região, o “Diário de Notícias da Madeira” e o “Jornal da Madeira”, segundo fontes próximas do processo. A operação, que poderá necessitar de autorização da Autoridade da Concorrência (AdC), está a ser mal recebida pelos partidos políticos, que receiam a posição dominante que dois dos maiores grupos económicos da Madeira vão passar a ter na comunicação social da Região.

A notícia sobre as negociações com vista a uma troca de participações entre os grupos que controlam os dois maiores jornais da Região foi avançada na semana passada pela RTP Madeira, sem citar fontes. Ao que o Económico Madeira (EM) apurou, existe já um acordo de princípio, mas os detalhes ainda estão a ser definidos. O cenário mais provável neste momento passa pela partilha, em partes iguais, da posição de 77% que o grupo Sousa tem no “Diário” desde a saída, no início do ano, da histórica família Blandy. Em contrapartida, o grupo AFA entregará ao conglomerado liderado por Luís Miguel Sousa metade da sua posição de 51% da empresa proprietária do “JM”, ficando ambos com o controlo deste jornal.

As duas empresas continuarão a ter existências separadas, mas os acionistas de controlo do “Diário” e do “JM” serão os mesmos. O objetivo é vir a criar um grupo de comunicação forte, com escala para investir noutros mercados, tirando proveito das sinergias entre os diferentes meios de comunicação. Dependendo dos contornos exatos do negócio – se houver tomada de controlo conjunta e se os volumes de negócio ficarem acima dos limiares previstos na Lei da Concorrência -, poderá ser necessária a autorização da Autoridade da Concorrência (AdC), segundo as mesmas fontes.

O EM questionou fontes oficiais dos grupos Sousa e AFA, mas até ao fecho da edição não foi possível obter esclarecimentos.

A possível operação está a ser recebida com reservas pelas forças partidárias.
“O único comentário a fazer é que neste momento não temos informação oficial sobre essas matérias”, disse o líder parlamentar do PS Madeira, Miguel Iglésias.

O deputado socialista adiantou, porém, que parte do princípio que se os principais órgãos de comunicação social privados da região passassem a ter os mesmos proprietários, “teria de haver uma análise e pronúncia por parte das autoridades reguladoras e de concorrência”. E lembrou que “a independência editorial também depende dos jornalistas e das suas direções”.

O EM tentou obter uma reação do PSD Madeira, mas até ao fecho não foi possível. Porém, ao que foi possível apurar, as dúvidas sobre o negócio existem também no seio do PSD, apesar de Luís Miguel Sousa e José Avelino Farinha serem considerados próximos do partido liderado por Miguel Albuquerque e de haver, nas hostes laranja, quem o veja com bons olhos.

“Além de ser má para a pluralidade e independência da comunicação social, é uma operação que vai permitir que estes dois grandes grupos económicos adquiram um grande poder face ao próprio Governo Regional”, disse uma fonte social-democrata, que pediu para não ser identificada.

Já o CDS-PP considera que “os partidos não têm de ter influência ou tomar partido de qualquer negociação do foro privado” e que o negócio entre os grupos Sousa e AFA “é a lógica de mercado a funcionar”. O líder parlamentar do CDS, António Lopes da Fonseca, referiu que, caso venha a confirmar-se a operação, “a pluralidade e imparcialidade devem estar asseguradas” e, se tal não acontecer, “o CDS-PP irá pronunciar-se” contra o negócio.
Por sua vez, o deputado do PCP Ricardo Lume deu conta de que, cada vez mais, os media são detidos por grandes grupos económicos, que têm como objetivo “o controlo da comunicação social, valorizar os seus interesses e silenciar, em muitos casos, as forças que se opõem à sua hegemonia aqui na região autónoma da Madeira”.

“Numa região como a nossa, com a dimensão que tem e com um número de órgãos de comunicação social que tem, existir um cartel ou consórcio entre os dois proprietários dos maiores órgãos de comunicação social escritos da região, é uma questão preocupante que pode pôr em causa a liberdade de imprensa e a isenção dos órgãos em relação a determinadas matérias”, disse Ricardo Lume, apontando ainda para o risco de um agravamento da precariedade laboral no setor do jornalismo.

Diretor promete que “Diário” vai manter-se “igual a si próprio”
O Juntos pelo Povo (JPP) vai mais longe e alerta que a liberdade de imprensa pode vir a ser novamente “amordaçada”, devido ao “monopólio” que os “grupos económicos que viveram protegidos no Governo jardinista” detêm na comunicação social. “Quem conhece a história da democracia na região não esquece que já tivemos o Governo regional a deter uma parte substancial do antigo Jornal da Madeira”, disse ao JE o secretário-geral.

Élvio Sousa notou, no entanto, que “na altura do jardinismo, havia a transparência de esclarecer publicamente que a Região Autónoma da Madeira tinha uma participação”, que chegou a ser de 99,9%, em 2014. Élvio Sousa lamenta que o mesmo não aconteça agora e denuncia que o grupo Sousa recebe “uma benesse há 28 anos de usar infraestruturas públicas de Porto Santo e do Caniçal”. “Agora estamos a assistir à compra de fatias consideráveis nos jornais sabe Deus para quê”, afirmou.

Questionado pelo JE, o diretor do DN Madeira, Ricardo Oliveira, disse que “nada está definido e há muita especulação”. A 14 de fevereiro, quando o Grupo Sousa comprou 77% da EDN, dona do DN Madeira, referiu-se a esse negócio, num texto de opinião, como “uma opção histórica em nome do futuro”, salientando que foi assumido “o compromisso público de tudo fazerem para que o Diário se mantenha igual a si próprio, ou seja, a cumprir a sua linha editorial que, mau grado alguns choros e extremismos, não é diferente daquela que está consagrada no seu Estatuto”.

Artigo publicado no Económico Madeira de 3 de julho 2020

Copyright © Jornal Económico. Todos os direitos reservados.