O fundador do grupo Altice, Patrick Drahi, disse hoje que se sente “traído” pelo ex-sócio Armando Pereira e por um “pequeno grupo” de colaboradores que estão envolvidos num caso de alegada corrupção que, segundo as autoridades, terá lesado a Altice em cerca de 600 milhões de euros e impedido o Estado português de arrecadar cerca de 100 milhões em impostos.
“Foi um choque e uma grande desilusão para mim. Se as acusações forem verdadeiras, sinto-me traído por um pequeno grupo de pessoas, incluindo um dos nossos colaboradores mais antigos”, disse Patrick Drahi numa conference call com investidores e analistas, no seguimento da divulgação dos resultados do segundo trimestre.
A participação de Drahi nesta conference call era particularmente aguardada, uma vez que é a primeira vez que o principal acionista da Altice fala em público sobre o escândalo que envolve o seu antigo sócio Armando Pereira e o empresário Hernâni Vaz Antunes. Em causa estão alegados crimes de corrupção no sector privado, fraude fiscal agravada, falsificação e branqueamento de capitais. O escândalo levou à suspensão de funções de vários altos quadros do grupo, incluindo o chairman da Altice Portugal, Alexandre Fonseca, o administrador João Zúquete da Silva e outros responsáveis em Portugal, França e Estados Unidos.
“Se as acusações forem verdadeiras, alguns indivíduos, sobretudo nas equipas de procurement, esconderam muito bem as suas ações de mim, dos seus colegas e do grupo. Se as acusações forem provadas, acredito que esses indivíduos tiraram proveito das suas posições à custa do grupo e portanto à minha custa também”, frisou Patrick Drahi, salientando que no seguimento do escândalo foram suspensos 15 quadros do grupo em Portugal e que a Altice está a tomar “ações muito rápidas para proteger o grupo e os seus investidores”, com mudanças na área de procurement.
“É muito duro ver o nome da Altice nas notícias sobre um caso de corrupção”, acrescentou, garantindo aos investidores que está do lado deles. “Os nossos interesses estão alinhados”, garantiu o fundador do grupo de telecomunicações, que em Portugal detém a MEO, ressalvando que a situação não terá impacto material nos resultados do grupo, nem no seu outlook, uma vez que os valores em questão representam menos de 10% por cento dos seus custos totais. Porém, se as acusações forem provadas, o grupo vai exigir uma indemnização aos responsáveis, garantiu Patrick Drahi.
Armando Pereira não tem ações da Altice mas recebe 20% dos lucros obtidos por Patrick Drahi
Na sua intervenção, Drahi frisou que Armando Pereira, o co-fundador da Altice que está no centro do escândalo, sendo acusado de 15 crimes, chegou a deter apenas 1% do grupo, no seguimento de um “pequeno investimento”, não tendo atualmente qualquer papel na gestão, empresa. No entanto, o português tem direito a 20% dos direitos económicos do próprio Patrick Drahi, revelou este último. É a primeira vez que os contornos exatos da participação de Armando Pereira no grupo Altice são divulgados.
“Tal como muitos outros gestores do grupo, Armando Pereira fez um pequeno, investimento na primeira aquisição da Altice, representando menos 1% do capital, e recebeu os direitos económicos destinados aos investidores em private equity da Altice. Com o passar do tempo, a forma destes direitos económicos evoluiu e desde 2005 que ele não tem uma única ação ou direito em qualquer entidade da Altice, mas mantém simplesmente um direito económico de cerca de 20% do meu próprio interesse económico pessoal”, revelou o fundador da Altice, recusando fazer comentários sobre o futuro desses direitos económicos que Armando Pereira tem.
“O futuro dessa participação é uma questão pessoal e não tem impacto na Altice. Tem impacto apenas em mim. Não quero falar disso agora. Mas se houver alguma irregularidade, os direitos económicos têm regras”, disse o fundador da Altice, dando assim a entender que os mesmos poderão cessar se ficar demonstrado que Armando Pereira cometeu ilegalidades.
Drahi esclareceu que a sua holding familiar controla 90% da sociedade que detém 100% do grupo Altice.
Teia de empresas terá servido para ganhos milhões em negócios ilegítimos com a Altice
As autoridades portugueses acusam Armando Pereira e o seu homem de confiança, Hernâni Vaz Antunes, de terem criado um esquema para ganhar milhões de euros em negócios ilegítimos com o fornecimento de bens e serviços à Altice, bem como através da compra e venda de imobiliário do grupo.
Estão sob suspeita negócios de imóveis da antiga PT e a viciação de contratos com fornecedores da Altice. Segundo o Ministério Público, no esquema de fraude de terão sido usadas várias sociedades offshore para escapar ao fisco, numa teia de empresas que vai desde Portugal e Zona Franca da Madeira, passando pelos EUA e Dubai até à República Dominicana.
O braço direito do co-fundador da Altice terá, alegadamente, prosseguido uma estratégia de manter oculto o seu nome como detentor direto das participações nas 40 empresas às quais fez associar como sócios pessoas da sua confiança ou sociedades detidas pelos mesmos, nomeadamente o seu colaborador Álvaro Gil Loureiro e o seu contabilista Abel Gomes Barbosa.
Nos negócios imobiliários, a investigação suspeita que o ex-dono da Altice, em conluio com Hernâni Vaz Antunes, terá manipulado também o processo decisório da Altice em Portugal relativamente às decisões de alienação de imóveis e tem na mira contratos realizados com Alexandre Fonseca, que desempenhava funções CEO da Altice Portugal, suspeitando que este tenha recebido como contrapartida uma moradia de um milhão de euros em Barcarena, em Oeiras.
Um dos negócios sob suspeita das entidades portuguesas é a venda de sete prédios em Lisboa. Os compradores têm ligações a um circuito empresarial montado em Braga, na ZFM e no Dubai, com um esquema de circulação de capitais e devolução destes aos vendedores.
Segundo o MP, aquela manipulação conduziu à venda de imóveis em condições prejudiciais para o grupo Altice e que terá levado à obtenção de vantagens para Armando Pereira e Hernâni Antunes.
Segundo o MP, a investigação incide sobre factos suscetíveis de constituir crimes de fraude fiscal qualificada, sendo estimado que, diz, ”a vantagem ilegítima alcançada pelos suspeitos em sede fiscal tenha sido superior a 100 milhões de euros”.
O MP está ainda a investigar outros negócios como uma alegada chantagem feita a antigos fornecedores da PT, a quem eram exigidas contrapartidas indevidas para não deixarem fazer parte dos negócios.
Só entre 2016 e 2022 terão sido faturados 157 milhões de euros através de uma sociedade, como se a mesma tivesse a sua direção efetiva na ZFM, para beneficiarem de taxas de impostos reduzidas em sede de IRC (5%).
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