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Paulo Guilherme: Portugal e Angola estão “pressionados para apresentar resultados concretos”

O analista do Africa Monitor Paulo Guilherme explica a importância do encontro entre o primeiro-ministro português e o presidente angolano e antevê possíveis outputs.
16 Setembro 2018, 10h00

A visita do primeiro-ministro, António Costa, a Angola inaugura uma nova fase nas relações entre Lisboa e Luanda, depois da tensão diplomática. Em entrevista ao Jornal Económico, o analista do Africa Monitor Paulo Guilherme antevê que poderá ser encontrado uma solução global para as dívidas em atraso às empresas portuguesas pelo Estado angolano.

Qual é a importância da visita do primeiro-ministro António Costa a Angola?

Penso que poderá trazer algumas soluções concretas às empresas portuguesas, para além, claro, de representar uma normalização da relação Estado a Estado entre dois países que têm de entender-se, por todas as relações existentes. As empresas e os expatriados portugueses em Angola têm sido autênticos resistentes nestes anos de crise profunda, suportando condições de mercado muito difíceis. Para as empresas, os problemas nas suas operações em Angola são diversos e profundos, mas destacaria dois: as dificuldades na repatriação de lucros e o a falta de pagamento por parte do Estado angolano. As construtoras portuguesas, que em geral têm boa reputação no mercado pela qualidade do seu trabalho, têm sido as principais afectadas. Se em relação às transferências para o exterior a situação tem vindo a melhorar aos poucos, com a nova gestão do Banco Nacional de Angola, o caso das dívidas é de mais difícil resolução. Conheço casos de empresas que têm cartas de reconhecimento de dívida passadas por entidades públicas há 2 ou 3 anos, mas que continuam sem receber. As dívidas chegam a ser superiores a 100 milhões de dólares, o que é difícil de gerir para as empresas. Já foram ensaiadas várias “meias soluções”, incluindo o pagamento em títulos de dívida pública transaccionáveis, mas sempre representando perdas substanciais para as empresas. O que está a faltar neste momento e penso que poderá ser alcançado durante esta visita, é uma solução global, que dê alguma previsibilidade às empresas portuguesas em Angola – um calendário de regularização de pagamentos – com apoio de linhas de crédito/apoio à exportação, e talvez alguma componente de perdão de dívida, como tem acontecido no passado em relação a Angola.

O “irritante”, ou seja, o processo Manuel Vicente, já está sanado?

É curioso que a expressão “irritante” para qualificar o tratamento do caso Manuel Vicente pela justiça portuguesa foi cunhada por João Lourenço, mas posteriormente usada pelos governantes portugueses. Creio que demonstra que do lado angolano se recorreu a formas de pressão – intimidação, practicamente-, que envolveram ameaças de bastidores em relação a retaliações ao nível da CPLP – abandono da organização por Angola-, e manchetes de vária ordem em jornais portugueses, sobre retaliações sobre empresas e trabalhadores portugueses-  que, lamentavelmente, são recorrentes sempre que há uma disputa entre os dois Estados. Este caso pode ser coisa do passado, mas a questão agora é que outros casos podem ser levantados na Justiça portuguesa em relação a outras figuras da elite angolana, que têm ou tiveram no passado recente investimentos ou negócios em Portugal, e sobre as quais recaem suspeitas de branqueamento de capitais, nalguns casos denúncias. E, nesse cenário, a diplomacia angolana pode novamente recorrer à pressão sobre as autoridades portuguesas. Portanto, temos uma situação de normalidade, mas que é frágil, pode ser quebrada a qualquer momento.

Em termos da relação económica, esta sofreu com as tensões entre os dois países?

Sofreu no sentido em que impediu uma discussão profunda, Estado a Estado, sobre soluções para os problemas que afligem as empresas portuguesas em Angola, nomeadamente de construção, e que referi anteriormente. A relação económica entre Portugal e Angola é muito profunda e importantíssima para os dois países. Falo dos milhares de portugueses que fazem negócios em Angola, dos angolanos que fazem negócios em Portugal, dos muitos milhares que têm dupla nacionalidade, do conhecimento mútuo que existe sobre a realidade dos dois países, do apreço de produtos portugueses em Angola e dos angolanos em Portugal…veja o caso da música ou livros, por exemplo, das ligações aéreas e marítimas, dos contactos que existem entre as instituições dos dois países a todos os níveis, mesmo entre as elites. Angola não tem com mais nenhum país uma relação como esta, e idem para Portugal. Penso que tem faltado às empresas portuguesas o respaldo financeiro que têm tido as de outros países, caso da China com as suas linhas de crédito de dezenas de milhares de milhões de dólares. Portugal poderia compensar isso com um acesso mais eficaz a linhas de financiamento da União Europeia, mas há bastante trabalho a fazer nesse campo, apesar de alguns sinais tímidos neste tipo de soluções, da parte do Governo.

– Que áreas irá António Costa tentar avançar em Luanda? A questão dos pagamentos em atraso às empresas portuguesas e a questão da dupla tributação poderão ter avanços?

Sim, penso que essas duas questões estarão em destaque, e que os dois governos estarão pressionados para apresentar os chamados deliverables no final – resultados concretos. Do lado de Angola, porque precisa mudar a sua imagem externamente, como um país aberto ao investimento e com boas condições para tal (menos corrupção, menos monopólios, melhor governação). É esta mensagem que João Lourenço tem deixado um pouco por todas as capitais que já visitou: Paris, Berlim, Bruxelas… Mas Lourenço sabe, e os angolanos sabem, que as empresas portuguesas têm uma apetência natural pelo investimento em África em geral, e Angola em particular. Neste contexto em que é preciso atrair investimento para dinamizar – e diversificar, finalmente – a economia, creio que em nenhum outro país, como em Portugal, terá tanta ressonância esta mensagem de que as condições para investir em Angola são agora melhores, que o país está a fazer uma transição e que as perspectivas de médio prazo são mais favoráveis.

– Do ponto de vista do governo angolano, quais serão as promessas e compromissos que espera de Portugal?

Penso que se espera sobretudo apoio nesta fase difícil, em que o país precisa de investimento e conhecimento para de facto sair da crise e começar a construir uma economia que não dependa apenas do petróleo, e não viva entre euforias e depressões ao sabor do preço do Brent. Se os investidores franceses ou alemães vão querer estudar a fundo o mercado antes de investir – e talvez até fazer um compasso de espera para aferir acerca da sinceridade e da eficácia das promessas pró-investimento do novo Governo, muitos portugueses apenas querem um sinal do Governo angolano – e uma solução na questão das dívidas e dupla tributação seria importante nesse sentido – para relançar actividades num país que conhecem bem. Há também um enorme interesse da parte de Angola em exportar mais para Portugal, nomeadamente produtos agrícolas, e qualquer acordo neste sentido seria muitíssimo bem visto em Luanda.

A transição política em Angola tomou mais um passo com João Lourenço a substituir José Eduardo dos Santos na liderança do MPLA. Como é que esta transição afecta a relação Portugal-Angola?
Embora a questão da “bicefalia” tenha sido, no meu entendimento, um artifício usado pelos apoiantes de Lourenço para pressionar os (poucos) apoiantes de José Eduardo dos Santos para acelerar a sua saída, creio que na mente de muitos potenciais investidores isto criou algum ruído. A situação fica mais clara agora, e isso é importante para quem precisa de maior previsibilidade a nível político e económico. Ajuda também perceber quem são os novos actores – quem entrou no Bureau Político do MPLA, nomeadamente – e quem são os governantes que estão na porta de saída – governadores provinciais e membros do governo que perderam espaço dentro do aparelho do partido. Creio que o perfil destes novos actores será fundamental para criar confiança nesta transição “lourencista”.

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