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Pedagogia do ipad vs tecnologia da tabuada

Que tal invertermos deliberadamente as variáveis da equação? Educar uma criança em 2019 não se faz sem ferramentas digitais. Importa compreender se a escola da tabuada deve dar lugar à pedagogia digital.
13 Julho 2019, 20h00

“Por alguma razão Steve Jobs proibiu os filhos de usarem tablets e smartphones.” Quem o afirma ao Educação Internacional (EI) é Santana Castilho, pedagogo, professor universitário, antigo secretário de Estado da Educação, fundamentando: “Os dois maiores acionistas da Apple escreveram à empresa pedindo moderação na publicidade junto dos mais jovens. Não será por acaso que o responsável pelo marketing do Facebook proíbe os filhos de terem smartphone ou tablet.”

Santana Castilho cita estudos de neurocientistas, que dizem que registaram um aumento preocupante de atrofia neuronal nas crianças com mergulho em tecnologias digitais. Nos Estados Unidos da América, esta experiência, que foi feita com os manuais digitais e que está a ser abandonada, registou também um aumento de 30% em crianças de tenra idade.

E há mais, acrescenta: “aquilo que hoje se descreve como hiperatividade, que muitos cientistas dizem que é a incapacidade de prestar atenção e de estabelecer relações com o uso do digital. Em Portugal, nós temos um consumo de ritalina em crianças de tenra idade que aumentou 30%. Não sou cientista dessa área, mas leio o que os cientistas dessa área dizem.” Como pensador destas coisas da pedagogia, o professor diz que se tivesse hoje responsabilidades no país, “jamais validaria estes experimentalismos que querem agora introduzir nas nossas escolas.”

Neste mundo do século XXI em que vivemos, que é uma aldeia cada vez mais global e digital, há que compreender que o virtual não pode ser cada vez mais real. A lógica da Matemática cujas bases são incutidas através da tabuada no ensino primário deve, de acordo com Santana Castilho, “ser aprendida com a preponderância do entendimento dos mecanismos matemáticos”. Ou se há uma fase que é essencial, “mesmo sem se compreender, é a aprender a memorizar uma série de operações, pela simples circunstância de que estamos a trabalhar uma coisa que é fundamental que é a memória, e pelo uso que isso tem mais tarde, para mais rapidamente se conseguir superar etapas do próprio processo de aprendizagem.”

Santana Castilho, que se diz “acérrimo consumidor e defensor dos meios digitais, mas para servir o Homem”, sublinha que não é o processo de aquisição de conhecimento e aprendizagem que está a mudar. “O que parece mudar é o desenvolvimento do cérebro das crianças, sujeitas a esses mergulhos inapropriados”, alerta.

Os resultados da tabuada já são conhecidos. Os do ipad e de outros meios digitais ainda são uma incógnita, um a ver vamos. O mesmo se verifica no plano das metodologias aplicadas. Exemplo: a flexibilidade curricular que o atual Governo procura implementar não é uma ideia nova. Santana Castilho lembra que, em Portugal, o que considera ser uma “diletância” foi testado e abandonado na década de 1990. “Aquilo [flexibilidade curricular] é a repetição de uma série de vulgaridades batidas, com citação de documentos que nem sequer citam. Nós estamos numa onda populista de cavalgar uma série de instrumentos com um valor enorme como ferramentas.”

O mergulho das crianças nos meios digitais é um facto. Embora já existam sinais, a pegada digital na educação dos jovens está ainda a dar os primeiros sinais. Não obstante, o mundo digital é já considerado um imponderável na vida dos jovens. Surge o desafio: deve a escola continuar a formar cidadãos capazes de tomar decisões ou simplesmente aceitar a normalização de um comportamento digital no mundo real? Nascem interrogações quanto ao emprego, ao futuro da sociedade como é conhecida, ao modo de vida atual e à adaptação do Homem ao planeta onde vivemos.

Santana Castilho não tem dúvidas. Em matéria de entidades empregadoras, as empresas são fundamentais, mas a escola não deve formar os jovens para responder aos problemas específicos das empresas. “As escolas devem formar os jovens como cidadãos, como seres humanos na sua pluridimensionalidade e, naturalmente, que estes cidadãos escolhem um percurso profissional, em determinada altura – o mais completos, autónomos e conhecedores possíveis” – argumenta.
O acordo de Bolonha, que uniformizou a duração da grande maioria das licenciaturas no espaço europeu em três anos, deu jeito a muita gente em determinada altura. Por exemplo, na análise de Santana Castilho, “a prova de que as faculdades foram falseadas com o chamado acordo de Bolonha foi haver cada vez mais uma tentativa de pôr as universidades a trabalhar para as empresas.”

Obviamente que essa relação é importante. “A questão reside na escolha, que pertence ao jovem, futuro cidadão formado e, por isso, a escola não deve responder a requisitos das empresas, mas sim ao ser humano que ali está.”

Voltando à sala de aula, onde a base é a relação entre o aluno e o professor. Qual é a premissa? “O professor, a pessoa que tem a responsabilidade de ajudar a crescer aquele jovem, percebe qual é a potencialidade que está ali e responde a esta questão, ‘O que é que eu posso fazer para que este jovem cresça e vá até ao seu limite máximo…?’ É esta a razoabilidade da escola. Deve ser esta a responsabilidade de um Estado e isto deve ser feito com meios e respeito por cada aluno que a escola, atualmente, não pode dar – e a responsabilidade não é do professor”.

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