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Pedro Queiroz Pereira: O industrial sem medo

Pedro Queiroz Pereira deixa a sucessão e a herança fechadas. O empresário criou um ‘family office’, um fundo privado fechado, subscrito apenas pelas três filhas, que gere o património. Deixa a sucessão numa gestão executiva e a irmã Maude volta a ser acionista das ‘holdings’ familiares.
9 Setembro 2018, 20h30

Na vida empresarial como nas corridas de automóveis, Pedro Queiroz Pereira era arrojado e destemido, procurando cumprir objectivos. Como piloto de automóveis, foi campeão nacional de velocidade em 1987 e 1988, ao volante de um memorável BMW M3 da Poligrupo. Segundo o Autosport, ficou para a história uma prova de stock car, onde, corajosamente, apostou em pneus slicks numa pista ainda molhada pela chuva, mas saiu vitorioso, provocando o espanto em Ayrton Senna, que na altura comentava a prova.

Filho de um industrial do cimento, Pedro Queiroz Pereira só se dedicou aos negócios mais tarde, aos 40 anos – até aí era o irmão Manuel que estava à frente das empresas da família. Mas empenhou-se da mesma forma que o fazia nas corridas de automóveis.

Quando o pai, Manuel Queiroz Pereira, morre, as empresas passam a pertencer aos quatro filhos e à mãe. Pedro Queiroz Pereira fica com uma posição na Cimianto e o irmão fica com o imobiliário. Em 1993, o irmão Manuel morre e Pedro Queiroz Pereira é escolhido pelos herdeiros, por sugestão da irmã, Maude, para assumir a liderança.

Fernando Ulrich, Chairman do BPI, que o conhecia desde os tempos do colégio não tem dúvidas: “É o empresário mais bem sucedido da minha geração”. A suportar esta ideia está o facto de as suas empresas terem triplicado o valor em bolsa desde 2004, ano em que foi privatizada a Portucel. A solidez financeira das empresas é a pedra de toque do grupo gerido por Queiroz Pereira, que sempre procurou rodear-se dos melhores profissionais. Tinha pouco de submissão aos governos e sempre disse o que pensava, sem medo. Ulrich diz que foi Pedro Queiroz Pereira que começou o grupo empresarial atual. “Não o herdou”, garante.

Mas a grande marca de coragem surge em 2013, quando Pedro Queiroz Pereira se apercebe que o Grupo Espírito Santo, de Ricardo Salgado, era o verdadeiro dono das offshores que tinham comprado à sua irmã Margarida, em 2002, as posições nas holdings familiares que dominavam a Semapa. Na altura, o empresário acreditava que havia uma tentativa hostil de Ricardo Salgado de tomar o controlo da Sodim, a holding da família Queiroz Pereira, cabeça do grupo industrial.

A 24 de setembro de 2013, Pedro Queiroz Pereira escreve uma carta confidencial a Carlos Costa, Governador do Banco de Portugal, documento que seria mais tarde revelado pelo jornal “Expresso”. O Grupo Queiroz Pereira tinha então 7,67% da ES Control, que controlava mais de 50% da ES International, holding que, saber-se-ia depois, tinha passivo escondido. As contas reais eram inferiores às declaradas em quase 2,5 mil milhões de euros, metade em passivo não contabilizado, metade em ativos sobreavaliados.

É esta carta de Queiroz Pereira que põe o tema da fragilidade financeira do GES nos jornais. Queiroz Pereira revela irregularidades nas assembleias gerais e sonegação de contas da ES Control, e afirma ter desencadeado no Tribunal do Luxemburgo, onde está sediada a ES Control, um “procedimento judicial para averiguar a saúde financeira da ES Control”. Na sua análise às contas, um batalhão de 16 advogados e assessores, tinham descoberto uma ES International falida que sobrevivia à custa de um fundo de investimento, o ES Liquidez, gerido pela ESAF, que era composto quase exclusivamente por papel comercial das holdings do GES. O impacto na economia portuguesa “poderá ser devastador”, escreveu. A guerra com Ricardo Salgado (em que teve como aliado José Maria Ricciardi) acaba quando conseguiu o que queria: separar os grupos, trocando as ações que o GES tinha na Semapa (40%) pelas ações que os Queiroz Pereira tinham no GES (7,67%). Quando o conseguiu, escreveu ao Banco de Portugal a dizer que mais nada tinha a falar sobre o GES e Ricardo Salgado (de quem mais tarde disse que “não lida maravilhosamente com a verdade”). Paralelamente, compra a participação da irmã Maude e dos primos Carrelhas nas holdings familiares e passa a controlar a Semapa.

 

O homem que criou o grupo industrial

Em 1995, Pedro Queiroz Pereira compra ao Estado em privatização o controlo da Secil e da CMP (Cimentos Maceira e Pataias), através da Semapa. A empresa tinha sido parcialmente nacionalizada em 1975. Mais tarde, em 2004, ganha a privatização da Portucel (hoje Navigator) e transforma-a numa das principais empresas exportadoras.

Pelo meio fica a derrota na tentativa de comprar a Cimpor com uma OPA, aliado à Holderbank, numa operação de 4,5 mil milhões de euros que envolveu o Banco Santander de Negócios. Mas o então ministro das Finanças, Pina Moura, trocou-lhe as voltas, e dá em concurso a Cimpor ao bloco Teixeira Duarte, BCP e Lafarge, este com o BES a apoiar a francesa Lafarge na compra de 17% da cimenteira nacional, o que fez com que a OPA fosse travada. Era o sinal de que Ricardo Salgado estava ao lado de Pina Moura e contra Pedro Queiroz Pereira.

Na altura mostrou-se indignado por um sócio com quem tinha uma ligação com 70 anos – a família Queiroz Pereira era na altura acionista da ES Control, holding familiar do GES –, o ter “traído”. Sem papas na língua, em junho de 2001, deu uma entrevista ao Expresso e anunciou que sairia da administração do BES e, pelo caminho, chama “mentiroso” a Pina Moura, ministro de Guterres.

A compra de um bloco de 30% de capital da Portucel, em junho de 2004, anteriormente detido pelo Estado português, e a subsequente OPA realizada em setembro, permitiram ao Grupo Semapa assegurar uma participação maioritária, correspondente a 67,1% do capital social. A Semapa teve de alienar alguns ativos, como a Enersis (empresa de energias renováveis do grupo, criada ainda pelo irmão) e 49% da Secil para financiar a compra.

O empresário Pedro Queiroz Pereira, presidente do conselho de administração da Semapa e da Navigator, foi ainda dos que mais lutou contra as políticas antiplantação e replantação de eucalipto anunciadas, em 2016, pelo governo de António Costa.

Pedro Queiroz Pereira chegou mesmo a ameaçar cancelar os seus investimentos em Portugal, na sequência da decisão de se travar a expansão da área de eucalipto no país. “Temos de pensar duas vezes e enchermo-nos de coragem” antes de investir em Portugal, disse na altura o dono da Navigator numa das suas últimas entrevistas, ao Expresso, em fevereiro de 2016.

Nascido numa das famílias mais ricas do Estado Novo, o filho do empresário a quem Salazar entregou a construção do primeiro hotel de luxo de Lisboa – o Ritz  – foi para o Brasil com a mulher e filhas a seguir ao 25 de Abril, na sequência das nacionalizações do PREC. Viveu no Brasil entre 1975 e 1987, correndo em vários desportos automóveis, incluindo na Fórmula 2. Para esconder estas atividades do pai inscrevia-se como PêQuêPê (e o irmão, que também corria em Portugal, inscrevia-se como MêQuêPê).

Pedro Queiroz Pereira morreu no domingo, 19 de agosto, no seu barco atracado em Ibiza. Deixa o grupo nas mãos de uma comissão executiva profissional liderada por João Castello Branco. Antes disso, Pedro Queiroz Pereira salvaguardou a posição patrimonial das suas três filhas (Mafalda, Filipa e Lua), criando um family office – um fundo privado fechado, subscrito apenas pelas filhas –, incluindo uma posição acionista de controlo nas empresas do grupo (Semapa, The Navigator Company, Secil, ETSA e outras). As regras desse family office, neste caso, um SFO – Single Family Office (fundo unifamiliar) – impõem que as suas descendentes mantenham a titularidade destes ativos por um determinado prazo, só os podendo alienar em certas condições. Desta forma, o empresário também terá evitado que, no futuro, o grupo empresarial possa vir a ser desmembrado. A herança está fechada. As três filhas dominam mais de 50% da Semapa, detendo a mãe Maude, de 96 anos, uma posição acionista relevante na parte remanescente. A irmã Maude voltou entretanto a ser acionista da Vértice, que tem uma participação na Sodim (dona da Semapa), sabe o Jornal Económico.

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