Na infância, a minha geração saltava à corda ou jogava à bola na rua, aprendia a andar de bicicleta à porta de casa e ia sozinha a pé para a escola primária. Hoje, a mudança nas interações das crianças com o espaço público é ditada por muitos pais, preocupados com a segurança, impedindo que seus filhos brinquem e usufruam das vantagens da relação com a rua.

Significa, então, que é preciso repensar o espaço público para que este acolha ambientes seguros, estimulantes e inclusivos, nos quais as crianças possam brincar, aprender e desenvolver-se de maneira autónoma e saudável, participando ativamente na vida comunitária.

Para o psicopedagogo Francesco Tonucci, autor do livro “A Cidade das Crianças. Uma Nova Forma de Pensar a Cidade”, o primeiro passo a dar é transformar as cidades em lugares mais sociáveis para as crianças, ou seja, onde os seus direitos são respeitados nas políticas públicas. Para tal, desafia os decisores públicos a adotarem novas estratégias e a romperem com medidas que colocam em perigo o futuro das cidades amigas das crianças.

Neste sentido, iniciativas como o programa Cidades Amigas das Crianças, da UNICEF, e a Rede Territorial Portuguesa das Cidades Educadoras têm incentivado os municípios a promover o brincar ao ar livre como forma de desfrutar do espaço público inclusivo, partilhando também projetos relevantes em curso a nível nacional. A abordagem foca-se na importância das brincadeiras de rua para o bem-estar físico e mental, a criatividade e a sociabilidade das crianças. Uma estratégia visionária para o futuro das cidades que deve integrar o princípio de que investir na qualidade de vida das crianças é lançar as bases para uma sociedade mais equitativa.

Carlos Neto e José Carlos Mota, destacados defensores desta causa, argumentam que o regresso das crianças às ruas não pode ser apenas uma recordação do passado, mas uma resposta inteligente aos desafios contemporâneos, através de políticas que valorizam a importância do ambiente externo na formação e desenvolvimento infantil.

E, nesse contexto, o papel da escola é destacado por Carlos Neto: “Necessitamos de fazer uma revolução tranquila, com mais liberdade, mais iniciativa das crianças, permitir-lhes que vivam uma escola sem muros, uma escola que se abre para a sociedade. A criança tem de participar nos projetos da própria sociedade”.

Num mundo onde a tecnologia frequentemente isola as crianças em ambientes fechados, torna-se crucial responder com soluções concretas para a rua do brincar. Promover atividades lúdicas para explorar, aprender e socializar, é, também, ativar um desenvolvimento de cidadãos mais saudáveis e resilientes.