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Personalidades JE: Azeredo Perdigão – O advogado que fixou a Gulbenkian em Portugal

Azeredo Perdigão “legou” aos portugueses a obra maior da sua vida, cujos efeitos transversais são sentidos em quase toda a sociedade, da cultura à saúde. A obra foi a instalação em Portugal da Fundação Calouste Gulbenkian – a segunda maior Fundação da Europa, a que presidiu desde 1956 até à sua morte, ou seja, durante 37 anos –, bem como todo o contínuo processo de desenvolvimento das suas valências. Advogado imbatível, foi igualmente especialista em Economia Social.
22 Novembro 2020, 11h00

O Jornal Económico escolheu 30 personalidades dos últimos 25 anos que marcaram, pela positiva e pela negativa, a atual sociedade portuguesa: políticos, empresários, gestores, economistas e personalidades da sociedade civil. A metodologia usada para compilar as Personalidades JE está explicada no final do texto.

José Henrique de Azeredo Perdigão (1896 – 1993) foi o primeiro presidente da Fundação Calouste Gulbenkian – a segunda maior Fundação europeia. Foi também o “funcionário nº1 da Gulbenkian”, mas, sobretudo, foi quem instituiu os benefícios que muitas gerações de portugueses têm colhido da Fundação, decorrentes do trabalho que desenvolveu ao longo da sua vida, dedicada a promover o bem coletivo. Azeredo Perdigão, nascido em Viseu, na Casa do Miradouro, foi igualmente um dos mais brilhantes advogados portugueses de todos os tempos.

Filho de José Cardoso Perdigão, oriundo de uma família de proprietários agrícolas e comerciantes, e de sua mulher Raquel de Azeredo – educada num meio com tradições militares, partidário de D. Pedro IV –, licenciou-se em Direito aos 24 anos, pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Aos 26 anos pós-graduou-se em Ciências Jurídicas, pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra.

Em 1919 já se tinha estabelecido como advogado em Lisboa e rapidamente se tornou um dos causídicos mais solicitados da capital. Venceu os maiores processos judiciais (fossem civis, criminais ou comerciais), tornando-se implacável e muito bem pago. Politicamente, Azeredo Perdigão sempre foi democrata republicano. Foi fundador da revista Seara Nova, ao lado da elite intelectual portuguesa, onde se contavam Raul Proença, Jaime Cortesão, Aquilino Ribeiro, Raul Brandão e Faria de Vasconcelos.

De conservador do Registo Predial a membro do Conselho de Estado

Na Seara Nova, Azeredo Perdigão assinou e publicou sobretudo estudos sobre economia, sendo igualmente um conferencista especializado em Economia Social. Enquanto jurista, foi conservador do Registo Predial, integrou o Conselho Superior Judiciário, pertenceu ao Conselho de Administração do Banco Nacional Ultramarino, foi presidente da Assembleia-Geral do Banco Fonsecas, Santos & Viana e da petrolífera Sacor, e também presidente da Assembleia-Geral e do Conselho de Auditoria do Banco de Portugal. De maio de 1974 a março de 1975 foi membro do Conselho de Estado. Na atividade mais empresarial foi sócio-gerente da Fábrica de Cortiça Mundet, no Seixal.

Sempre foi um advogado muito dedicado à doutrina jurídica, o que o levou a ser relator geral do tema jurídico do XIX Congresso da União Internacional dos Advogados, realizada em Lisboa, em 1962 – “A protecção das minorias nas sociedades” –, tendo proferido sobre este tema uma série de lições nos cursos de verão da “Faculté Internationale pour l’ Enseignement du Droit Compare”, realizados em Lisboa em 1964 e 1971.

Oração diária do terço

Numa célebre entrevista que concedeu ao semanário Expresso assumiu a sua conversão ao catolicismo, reconhecendo que no seu percurso espiritual não foi a razão nem a inteligência que o conduziram a Deus, mas o caminho mais forte e simples da Fé. A propósito da Fé de Azeredo Perdigão, o Cardeal Patriarca de Lisboa, D. António Ribeiro, no livro do “Primeiro Centenário do Nascimento de José de Azeredo Perdigão” recordou uma situação ímpar ocorrida durante uma conversa a três, que, além do cardeal, envolveu Azeredo Perdigão e o embaixador da então União Soviética – país oficialmente ateu –, sobre o progresso da ciência e da técnica e sobre a necessidade de prevalecerem normas éticas para que o progresso não se volte contra a sociedade. Nesse momento, Azeredo Perdigão retirou do bolso do casaco um rosário e disse ao embaixador soviético: “Saiba, senhor embaixador: se tenho forças para lutar, devo-o à oração deste terço, que diariamente rezo, quando me é possível”.

Mas o ano em que mudou toda a sua vida foi 1942, quando conheceu o milionário arménio otomano Calouste Sarkis Gulbenkian, conhecido como o “senhor 5%” das companhias petrolíferas, refugiado em Portugal durante a Segunda Guerra Mundial e instalado em Lisboa no Hotel Aviz, de onde contactou o embaixador Caeiro da Mata para que lhe recomendasse um advogado em Portugal. O embaixador recomendou-lhe Azeredo Perdigão, levando Gulbenkian a solicitar a Caeiro da Mata que contactasse esse advogado no sentido de lhe dizer para ir ao Hotel Aviz para uma primeira reunião de trabalho. Azeredo Perdigão respondeu a Caeiro da Mata: “são os clientes que se deslocam aos escritórios dos advogados e não estes a casa dos clientes!”. Consta que Gulbenkian ficou tão impressionado com a personalidade de Azeredo Perdigão que o contratou de imediato como seu assessor jurídico.

Quando, em 1948, Gulbenkian fez um testamento centrado no destino a dar à sua coleção de arte, a capacidade negocial do advogado Azeredo Perdigão foi fulcral para instalar em Portugal a futura fundação de Gulbenkian. Depois da morte de Calouste Gulbenkian, em 1955, desenrolou-se uma batalha nos tribunais com Cyril Radcliffe, advogado inglês de Gulbenkian, que Azeredo Perdigão venceu implacavelmente, o que permitiu aprovar em 1956 os estatutos da Fundação Gulbenkian, sediada em Portugal. Azeredo Perdigão também conquistou a independência desta Fundação em relação a Salazar – que não partilhava as ideias políticas do implacável advogado.

Presidente vitalício

Mesmo assim, José Henrique de Azeredo Perdição obteve o estatuto de presidente vitalício da Fundação Gulbenkian, dedicando-se, a partir dessa altura, exclusivamente ao desenvolvimento das atividades da Fundação, que criou bibliotecas itinerantes, promoveu festivais de música, instituiu a Orquestra Gulbenkian, fez exposições de arte dentro e fora de fronteiras, construir o primeiro centro de arte moderna de Portugal, criou um serviço de cinema, concedeu bolsas de estudo (Belmiro de Azevedo foi um dos contemplados), disponibilizou subsídios à criação artística, realizou conferências e debates, contribuiu para o desenvolvimento da investigação científica e médica e durante muitos anos esta Fundação tornou-se incontornável sempre que foram realizadas eleições em Portugal.

A sua segunda mulher, Maria Madalena Bagão da Silva Biscaia, faleceu a 5 de Dezembro de 1989, em Lisboa. E Azeredo Perdigão morreu aos 97 anos, depois de ter sido presidente da Fundação Gulbenkian durante 37 anos, que, sem qualquer dúvida, tornaram esta instituição numa das principais referências portuguesas dos últimos 25 anos.

METODOLOGIA

O Jornal Económico (JE) selecionou as 25 personalidades mais relevantes para Portugal nos últimos 25 anos, referentes ao período balizado entre 1995 e 2020, destacando as que exerceram maior influência no desenvolvimento da sociedade civil, da economia nacional, no crescimento internacional dos nossos grupos empresariais, na forma como evoluíram a diáspora lusa e as comunidades de língua oficial portuguesa, no processo de captação de investidores estrangeiros e, em suma, na maneira como o país se afirmou no mundo. Esta lista foi publicada a 4 de setembro de 2020, antes do primeiro fim de semana do nono mês do ano. Retomando a iniciativa a partir do último fim de semana de setembro, mas agora alargada a 30 personalidades, o JE publicará, todos os sábados e domingos, textos sobre as 30 personalidades selecionadas, por ordem decrescente. Aos 25 nomes inicialmente publicados, o JE acrescenta agora os nomes de António Ramalho Eanes, António Guterres, Pedro Queiroz Pereira, Vasco de Mello e Rui Nabeiro.

Cumpre explicar ao leitor que a metodologia seguida foi orientada por critérios jornalísticos, sem privilegiar as personalidades eminentemente políticas, que tendem a ter um destaque mediático maior do que o que é dado aos empresários, aos economistas, aos gestores e aos juristas, mas também sem ignorar os políticos que foram determinantes na sociedade durante o último quarto de século. Também não foram ignoradas as personalidades que, tendo falecido pouco antes de 1995, não deixaram de ter impacto económico, social, cultural, científico e político até 2020, como é o caso de José Azeredo Perdigão e da obra que construiu durante toda a sua longa vida – a Fundação Calouste Gulbenkian.

O ranking é iniciado pelos líderes históricos de cinco grupos empresariais portugueses, com Alexandre Soares dos Santos em primeiro lugar, distinguido como grande empregador na área da distribuição alimentar, e por ter fomentado a internacionalização do seu grupo em geografias como a Polónia – com a marca “Biedronka” (Joaninha) – e a Colômbia. Assegurou igualmente a passagem de testemunho ao seu filho Pedro Soares dos Santos. O Grupo Jerónimo Martins tem vindo a incentivar a utilização de recursos marinhos, pelo aumento da produção portuguesa de aquacultura no mar da Madeira – apesar de vários economistas terem destacado a importância da plataforma marítima portuguesa como fonte de riqueza, poucos empresários têm apoiado projetos nesta área, sendo o grupo liderado por Soares dos Santos um dos casos que não descurou o potencial do mar português.

Segue-se em 2º lugar Américo Amorim, que além do seu império da cortiça – o único sector em que Portugal conquistou a liderança mundial –, se destacou no mundo da energia e nos petróleos, assegurando a continuidade do controlo familiar dos seus negócios através das suas filhas. Belmiro de Azevedo aparece em terceiro lugar, consolidando a atividade da sua Sonae, bem como a participação no competitivo mundo das telecomunicações e o desenvolvimento do seu grupo de distribuição alimentar, com testemunho passado à sua filha, Cláudia Azevedo.

Em quatro lugar está António Champalimaud e a obra que o “capitão da indústria” deixou, na consolidação bancária, enquanto acionista do Grupo Santander – um dos maiores da Europa –, mas também ao nível da investigação desenvolvida na área da saúde, na Fundação Champalimaud. Em quinto lugar surge Francisco Pinto Balsemão que centrou a sua vida empresarial na construção de um grupo de comunicação com plataformas integradas e posições sólidas na liderança da imprensa e da televisão durante o último quarto de século.

Os políticos aparecem entre as individualidades seguintes, liderados por Mário Soares (que surge em 6º lugar). António Ramalho Eanes está em 7º lugar, António Guterres em 8º, seguindo-se Marcelo Rebelo de Sousa (9º), António Costa (10º), José Eduardo dos Santos (11º) – pelo peso que os elementos da sua família tiveram na economia portuguesa, sobretudo a sua filha Isabel dos Santos, e pelos investimentos concretizados em Portugal pelo conjunto de políticos e empresários angolanos próximos ao ex-presidente de Angola, atualmente questionados, na sua maioria, pela justiça angolana – e Aníbal Cavaco Silva (12º). Jorge Sampaio surge em 13º, seguido por Mário Centeno (14º), José de Azeredo Perdigão (15º), António Luciano de Sousa Franco (16º), Pedro Passos Coelho (17º), Álvaro Cunhal (18º), Ernesto Melo Antunes (19º), Luís Mira Amaral (20º), Pedro Queiroz Pereira (21º), Vasco de Mello (22º), Ricardo Salgado (23º), José Socrates (24º), Ernâni Rodrigues Lopes (25º), Francisco Murteira Nabo (26º), Rui Nabeiro (27º), Leonor Beleza (28º), António Arnaut (29º) e Joana de Barros Baptista (30º).

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