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Personalidades JE: Francisco Murteira Nabo – O estratega da PT multinacional

Murteira Nabo teve a oportunidade de transformar a PT num grupo telecomunicações multinacional, com operações europeias, na América Latina, em África e na Ásia, acalentando a ambição de ser a maior empresa portuguesa, com o operador Vivo a conquistar 45 milhões de clientes no Brasil, o que correspondia a mais de quatro vezes a população portuguesa.
17 Outubro 2020, 13h00

O Jornal Económico escolheu 30 personalidades dos últimos 25 anos que marcaram, pela positiva e pela negativa, a atual sociedade portuguesa: políticos, empresários, gestores, economistas e personalidades da sociedade civil. A metodologia usada para compilar as Personalidades JE está explicada no final do texto.

Francisco Luís Murteira Nabo (Évora, 1939) é um dos casos raros do gestor que esteve no cargo exato, na altura certa, aproveitando essa oportunidade para agarrar uma fase irrepetível numa grande empresa portuguesa. Foi o que aconteceu quando liderou a Portugal Telecom (PT).

Há quem diga que outros mereceriam mais as honras que Murteira Nabo teve, entre os quais Luís Todo Bom. Também é frequentemente referido que Murteira Nabo deve a gloria que teve na PT aos consultores da McKinsey e a outros de menor dimensão internacional. E ainda há quem defenda que foi Aníbal Cavaco Silva que criou as condições para projetar o crescimento dessa PT.

A verdade é que Murteira Nabo concretizou a fase de maior relevância da PT, graças à entrada correta no Brasil, aproveitando um momento único em que a PT conseguiu transformar a recém-adquirida Telesp Celular, no êxito que veio a ter o operador Vivo. Também se refere que Murteira Nabo beneficiou do facto de ter excelentes apoios de gestão no Brasil, entre eles Romão Mateus – que tinha entrado com Luís Todo Bom – e Eduardo Correia de Matos, que já estava no Brasil pela Marconi e que funcionou como a “alma” dos contactos institucionais desenvolvidos pela PT no grande mercado do Brasil.

Seja como for, a glória e dimensão da PT na fase em foi desenvolvido com excelência o projeto da Vivo, essa não se voltou a repetir. Pior: estrategicamente, o desenvolvimento da PT com a Vivo não foi potenciado para fazer crescer mais operações semelhantes em outras geografias, acabando, poucos anos depois, por converter a Vivo em dinheiro, com a sua venda à espanhola Telefónica, para satisfazer projetos políticos – que passaram pela confluência de interesses entre políticos portugueses e brasileiros, designadamente, entre José Socrates e Lula da Silva –, mas, também, para satisfazer o apetite dos grupos acionistas, designadamente, o Grupo Espírito Santo, de Ricardo Salgado, que, uns anos mais à frente, viria a provocar o desmoronamento financeiro da PT.

Expansão da PT em vários continentes

Além disso, também é verdade que Murteira Nabo conseguiu consolidar a expansão da PT em vários continentes, além da América do Sul, onde se incluíram sobretudo Marrocos, Namíbia, Angola, Moçambique, Cabo Verde, São Tomé e Macau. É certo que Murteira Nabo entrou na PT numa fase em que a empresa teve condições para dar o salto para o nível de excelência conseguido na Vivo, de que é exemplo a paradigmática unidade de controlo das operações em São Paulo, onde funcionou a sala que na altura causou grande impacto mediático, com o grande “telão” da ex-Telesp Celular, onde se podiam visualizar online os tráfegos das comunicações no grande “mercado-continente” brasileiro.

Também é igualmente correto dizer que Murteira Nabo conseguiu beneficiar do trabalho anteriormente realizado durante o mandato de Joaquim Ferreira do Amaral, enquanto ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações – de 1990 a 1995 – no Governo de Cavaco Silva, embora o próprio Ferreira do Amaral tenha admitido nessa altura que já tinha herdado um setor de telecomunicações “estruturado por razões geográficas e não por motivos racionais”.

Ou seja, Ferreira do Amaral tinha a noção que seria imprescindível concretizar rapidamente a sua reorganização. E foi isso que fez, considerando que “foi um momento muito desafiante”. Até a PT chegar ao figurino que Murteira Nabo desenvolveu, as telecomunicações portuguesas tiveram de seguir um caminho que não foi imediato.

Em 1992 foi criada a holding estatal Comunicações Nacionais (CN), liderada por Cabral da Fonseca, para gerir as participações do Estado no setor. Deu-se logo a seguir a autonomização das telecomunicações do lado dos CTT e o país passou a ter uma rede de telecomunicações explorada por três operadores, designadamente os TLP, para o serviço telefónico nas áreas de Lisboa e Porto, a Telecom Portugal, que coordenou as comunicações nacionais, para a Europa e para toda a área do Mediterrâneo e ainda a Marconi, que assegurava o tráfego intercontinental.

Todo Bom convidado a liderar a Telecom Portugal

O engenheiro químico Luís Todo Bom – que começou a sua vida profissional no GAS-Gabinete da Área de Sines, criado em 1971, e colega de António Guterres, formado em engenharia eletrotécnica, nos tempos em que estudaram no Instituto Superior Técnico –, foi o gestor convidado a liderar a Telecom Portugal, para concretizar o posterior processo de fusão com os TLP, onde estava Mello Franco, a Companhia Portuguesa Radio Marconi com Sequeira Braga, e a Teledifusora de Portugal (TDP) criada em 1991 para explorar as infraestruturas de teledifusão.

O modelo seguido em Portugal não foi revolucionário nem inovador. Outros países seguiram estratégias idênticas, “À semelhança da France Telecom, da British Telecom e da Telefónica, o modelo a seguir era a criação de um grande operador de telecomunicações. Porque o jogo global exigia dimensão, recursos financeiros e tecnologia”, referia na altura Luís Todo Bom.

Assim, foi criada a Portugal Telecom. “Orgulho-me de ter sido o seu primeiro presidente”, referiu várias vezes Todo Bom, tal como recordava os momentos decisivos do novo operador, entre os quais esteve “a renegociação dos contratos de fornecimento das terminações digitais”, através da qual foram “reduzidos em cerca de 40%”, mas também a “harmonização e modernização dos sistemas de informação”.

Caminhar para a privatização

O objetivo desta estratégia era caminhar para a privatização. Que “foi complicada, porque não tínhamos histórico. Lançámos a privatização com um único relatório e contas”, recordou igualmente Todo Bom, referindo que, para marcar a diferença, a operação “foi feita em duas Bolsas: em Lisboa e Nova Iorque”. Neste processo a Portugal Telecom ganhou capacidade financeira, cobriu o défice do fundo de pensões e começou a olhar para o processo de internacionalização.

Essa foi a fase seguinte em que entrou Murteira Nabo – consolidada sobretudo no Brasil. Há uns anos, Murteira Nabo recordou essa “corrida”, disputada pela MCI, pela Telefónica e pela Portugal Telecom. Todos procuravam o domínio do apetecível mercado brasileiro de telecomunicações. Tratou-se de uma operação planeada com mais de um ano de antecedência por uma equipa de especialistas multidisciplinares.

Francisco Murteira Nabo explicou então a estratégia: “Combinámos que a MCI ia concorrer à Embratel, a Telefónica tentaria comprar a Telesp Fixa e nós ficávamos com as operadoras da zona sul”, adiantou, recordando o momento em que foi presidente da Portugal Telecom. Mas a operação coincidiu com a desvalorização do real, o que obrigou a rever as posições numa reunião marcada de emergência.

Murteira Nabo autorizado a pagar mais 15% além dos 3 mil milhões de dólares

Foi precisamente aí que Murteira Nabo reajustou os passos a dar pela Portugal Telecom, para avançar antes para a Telesp Celular, pelo que pediu aos bancos que fizessem um estudo de análise de risco de decisões a tomar precisamente por causa da desvalorização da moeda. Murteira Nabo obteve autorização para investir até 3 mil milhões de dólares.

Muito cedo, a 29 de julho de 1998, na Bolsa do Rio de Janeiro, a MCI fez uma proposta ao leilão da Embratel e ganhou. Seguiu-se o leilão da Telesp Fixa, onde a espanhola Telefónica ganhou. Antes do leilão da Telesp Celular soube-se que os italianos da TIM perderam os outros leilões e a Portugal Telecom corria o risco dos italianos fazerem uma proposta forte à Telesp Celular.

Murteira Nabo revelou então que lhe tinham dado autorização para aumentar a proposta em “mais 15%. para ficar seguro de que ganhava”. Por isso passou a ter dois envelopes no casaco, sendo um com o valor inicialmente pensado e o outro com o montante acrescido da margem de segurança. Murteira Nabo apresentou o envelope com a proposta mais alta, para não perder, mas a verdade é que com a proposta mais baixa também teria ganho a licitação da Telesp Celular. A partir desse preciso momento, Murteira Nabo notou que a imagem de Portugal no Brasil tinha mudado radicalmente.

Sucesso exuberante da Vivo

Na realidade, pouco tempo depois, o sucesso no Brasil do operador Vivo, controlado pela PT, foi de tal forma exuberante que chegou a conquistar 45 milhões de clientes – para o que contribuiu o “celular” pré-pago, o “Baby” da Telesp Celular, um projeto a que esteve associado José Manuel Romão Mateus, então com 41 anos de idade, presidente a Telesp Celular.

Em 1999, a Telesp Celular efetuou a primeira promoção do telemóvel “Baby”, comemorando o Dia dos Namorados, para o que lançou no Brasil um plano pré-pago, que até então inédito era inédito no gigantesco mercado brasileiro. O lançamento foi feito em abril e o valor original do “Baby” foi de 599 reais, mas com a promoção do Dia dos Namorados de 1999, o preço de venda do “Baby” baixava para 399 reais, oferecendo ao cliente um plano de comunicações sem contrato e com um crédito de 100 reais no telemóvel, válidos por 90 dias. Mais: um “recarregamento” de 100 reais era então válido por 365 dias, utilizando para o efeito terminais exclusivos, as designadas “Baby Machines”, então ligadas ao “Banco 24 Horas”, ao “Bradesco” e à “Rede Shop”, em diversas áreas, desde os aeroportos, aos “shoppings”.

Esta terá sido uma das campanhas com maior sucesso de entre todas as que foram feitas no enorme mercado brasileiro das telecomunicações. Romão Mateus disse nesse Dia dos Namorados que o sistema do “Baby” permitia controlar custos com muita simplicidade, porque era o utilizador do “celular” quem decidia com antecedência quanto queria gastar em comunicações, sem estar preso a um contrato, nem a uma mensalidade. Simplificando a vida dos clientes, através da Telesp Celular e do operador Vivo, a PT conquistou no Brasil um mercado 4,5 vezes superior à população portuguesa.

Percurso de vida

Francisco Murteira Nabo licenciou-se em Economia pelo Instituto Superior de Ciências Económicas e Financeiras da Universidade Técnica de Lisboa em 1969. Findo o curso, começou a trabalhar na Companhia Portuguesa Rádio Marconi, onde chegou a presidente do Conselho de Administração, funções que exerceu de 1978 a 1982. Foi ainda vice-presidente da Sorefame (1982-1983) e presidente da Portugal Telecom (1996-2003).

Foi vogal do Conselho de Administração do Banco Espírito Santo, administrador não executivo da Holdomnis – Gestão e Investimentos e do Seng Heng Bank de Macau, presidente da Cotec Portugal – Associação Empresarial para a Inovação, membro do Conselho Superior de Ciência, Tecnologia e Inovação, presidente da Câmara do Comércio e Indústria Luso-Chinesa, membro da Associação Comercial de Lisboa, membro do Conselho de Curadores da Fundação Oriente, membro do Conselho Consultivo do INSEAD e presidente da direção da Proforum – Associação para o Desenvolvimento da Engenharia.

Em dezembro de 2007 foi eleito Bastonário da Ordem dos Economistas. Militante do Partido Socialista, Murteira Nabo, foi ainda Vereador da Câmara Municipal de Lisboa (1976-1981) e secretário de Estado dos Transportes no IX Governo Constitucional (1983-1985). No final da década de 1980 partiu para Macau, onde foi secretário-Adjunto para a Educação, Saúde e Assuntos Sociais (1987) e secretário-Adjunto para os Assuntos Económicos (1989), além de ter sido encarregado do Governo do Território de Macau (1990-1991).

Novamente em Portugal, foi Ministro do Equipamento Social – que na altura tinha o pelouro das obras públicas – no XIII Governo Constitucional, que foi o primeiro Governo de António Guterres, onde o seu mandato durou apenas 19 dias, entre 27 de dezembro de 1995 e 15 de janeiro de 1996. Foi presidente não-executivo do Conselho de Administração da Galp Energia de 2005 a 2011 e sucedeu a Ernâni Lopes na liderança da SaeR. Em 2010 recebeu o grau de Doutor Honoris Causa pela Universidade de Ciência e Tecnologia de Macau.

METODOLOGIA

O Jornal Económico (JE) selecionou as 25 personalidades mais relevantes para Portugal nos últimos 25 anos, referentes ao período balizado entre 1995 e 2020, destacando as que exerceram maior influência no desenvolvimento da sociedade civil, da economia nacional, no crescimento internacional dos nossos grupos empresariais, na forma como evoluíram a diáspora lusa e as comunidades de língua oficial portuguesa, no processo de captação de investidores estrangeiros e, em suma, na maneira como o país se afirmou no mundo. Esta lista foi publicada a 4 de setembro de 2020, antes do primeiro fim de semana do nono mês do ano. Retomando a iniciativa a partir do último fim de semana de setembro, mas agora alargada a 30 personalidades, o JE publicará, todos os sábados e domingos, textos sobre as 30 personalidades selecionadas, por ordem decrescente. Aos 25 nomes inicialmente publicados, o JE acrescenta agora os nomes de António Ramalho Eanes, António Guterres, Pedro Queiroz Pereira, Vasco de Mello e Rui Nabeiro.

Cumpre explicar ao leitor que a metodologia seguida foi orientada por critérios jornalísticos, sem privilegiar as personalidades eminentemente políticas, que tendem a ter um destaque mediático maior do que o que é dado aos empresários, aos economistas, aos gestores e aos juristas, mas também sem ignorar os políticos que foram determinantes na sociedade durante o último quarto de século. Também não foram ignoradas as personalidades que, tendo falecido pouco antes de 1995, não deixaram de ter impacto económico, social, cultural, científico e político até 2020, como é o caso de José Azeredo Perdigão e da obra que construiu durante toda a sua longa vida – a Fundação Calouste Gulbenkian.

O ranking é iniciado pelos líderes históricos de cinco grupos empresariais portugueses, com Alexandre Soares dos Santos em primeiro lugar, distinguido como grande empregador na área da distribuição alimentar, e por ter fomentado a internacionalização do seu grupo em geografias como a Polónia – com a marca “Biedronka” (Joaninha) – e a Colômbia. Assegurou igualmente a passagem de testemunho ao seu filho Pedro Soares dos Santos. O Grupo Jerónimo Martins tem vindo a incentivar a utilização de recursos marinhos, pelo aumento da produção portuguesa de aquacultura no mar da Madeira – apesar de vários economistas terem destacado a importância da plataforma marítima portuguesa como fonte de riqueza, poucos empresários têm apoiado projetos nesta área, sendo o grupo liderado por Soares dos Santos um dos casos que não descurou o potencial do mar português.

Segue-se em 2º lugar Américo Amorim, que além do seu império da cortiça – o único sector em que Portugal conquistou a liderança mundial –, se destacou no mundo da energia e nos petróleos, assegurando a continuidade do controlo familiar dos seus negócios através das suas filhas. Belmiro de Azevedo aparece em terceiro lugar, consolidando a atividade da sua Sonae, bem como a participação no competitivo mundo das telecomunicações e o desenvolvimento do seu grupo de distribuição alimentar, com testemunho passado à sua filha, Cláudia Azevedo.

Em quatro lugar está António Champalimaud e a obra que o “capitão da indústria” deixou, na consolidação bancária, enquanto acionista do Grupo Santander – um dos maiores da Europa –, mas também ao nível da investigação desenvolvida na área da saúde, na Fundação Champalimaud. Em quinto lugar surge Francisco Pinto Balsemão que centrou a sua vida empresarial na construção de um grupo de comunicação com plataformas integradas e posições sólidas na liderança da imprensa e da televisão durante o último quarto de século.

Os políticos aparecem entre as individualidades seguintes, liderados por Mário Soares (que surge em 6º lugar). António Ramalho Eanes está em 7º lugar, António Guterres em 8º, seguindo-se Marcelo Rebelo de Sousa (9º), António Costa (10º), José Eduardo dos Santos (11º) – pelo peso que os elementos da sua família tiveram na economia portuguesa, sobretudo a sua filha Isabel dos Santos, e pelos investimentos concretizados em Portugal pelo conjunto de políticos e empresários angolanos próximos ao ex-presidente de Angola, atualmente questionados, na sua maioria, pela justiça angolana – e Aníbal Cavaco Silva (12º). Jorge Sampaio surge em 13º, seguido por Mário Centeno (14º), José de Azeredo Perdigão (15º), António Luciano de Sousa Franco (16º), Pedro Passos Coelho (17º), Álvaro Cunhal (18º), Ernesto Melo Antunes (19º), Luís Mira Amaral (20º), Pedro Queiroz Pereira (21º), Vasco de Mello (22º), Ricardo Salgado (23º), José Socrates (24º), Ernâni Rodrigues Lopes (25º), Francisco Murteira Nabo (26º), Rui Nabeiro (27º), Leonor Beleza (28º), António Arnaut (29º) e Joana de Barros Baptista (30º).

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