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Petição para fim de “big brother fiscal” tem já mais de 11 mil assinaturas

Contabilistas alertam que atual legislação obriga a entrega ao fisco de bases de dados com informação sobre “biliões” de transações bancárias com praticamente todas as pessoas, de todas as empresas e entidades coletivas do país. Exigem revogação da lei. Objetivo: evitar “o completo fim do sigilo bancário em Portugal”.
30 Abril 2019, 16h20

Os contabilistas exigem que o Governo acabe com o “big brother fiscal”. Petição pública já tem mais de 11 mil assinaturas a reclamar a revogação decreto-lei, que simplifica o preenchimento dos anexos A e I da Informação Empresarial Simplificada (IES). Uma legislação que dá acesso ao fisco a todos os movimentos contabilísticos e financeiros designadamente vendas, compras, gastos, recebimentos, pagamentos, movimentos bancários, património e dívidas, das empresas, dos empresários em nome individual, de bancos e seguradoras.

“Para além de terem toda a informação da vida financeira de pessoas e empresas, têm também imensa informação sobre as relações sociais e pessoais dos cidadãos. Cria-se com isto um autêntico big brother para toda a sociedade portuguesa”, lê-se na Petição Pública que às 15.30 desta terça-feira, 30 de abril, contava já com 11.089 assinaturas.

Uma semana após o anúncio da iniciativa Associação Nacional de Contabilistas (Anaco), a petição pública destes profissionais do sector conta já com milhares de assinaturas, preparando- se para entregar no Parlamento uma petição a exigir a revogação do Decreto-Lei n.º 87/2018 de 2018-10-31.

Segundo a legislação, “qualquer petição subscrita por um mínimo de mil cidadãos é, obrigatoriamente, publicada no Diário da Assembleia e, se for subscrita por mais de quatro mil cidadãos, é apreciada em Plenário da Assembleia”. Ou seja,  a medida deverá agora ser discutida em breve no Parlamento.

A 24 de abril passado, a Anaco deu conta, em comunicado, que em causa está uma legislação,  “feita à revelia do Parlamento, que “atenta contra as Liberdades, Direitos e Garantias protegidos constitucionalmente de pessoas e empresas”.

Para esta associação “é preciso que o Parlamento proceda à revogação do Decreto-Lei n.º 87/2018 de 2018-10-31 e toda a legislação conexa”.

Recordam que esta legislação impõe, já, que todas as empresas e todos empresários em nome individual com contabilidade organizada entreguem à Autoridade Tributária (AT) as suas bases de dados totais e integrais, com todos os registos da contabilidade. E também já está previsto ser exigido, para breve, aos bancos e às seguradoras que entreguem as bases de dados das suas contabilidades.

“O confisco destas bases de dados nunca foi debatido e escrutinado na Assembleia da República. Se isto acontecer, o Estado/AT, com estas bases de dados, fica na posse de um volume de informação brutal e muito delicado das vidas económicas, financeiras e sociais das pessoas e das empresas”, realça a Petição Pública “É demais!!! O Estado não tem que ficar com bases de dados em que fica a saber a vida toda de pessoas e empresas!!!”.

Entre outras matérias muito sensíveis, frisa a Petição, a posse por parte do Estado de todas estas bases de dados privadas significa “o completo fim do sigilo bancário em Portugal”.

Isto porque,  explica, nas bases de dados da contabilidade de empresas e empresários em nome individual, vão todos os movimentos de milhões de contas bancárias e por consequência informação sobre biliões de transações bancárias com praticamente todas as pessoas, de todas as empresas e entidades coletivas do país.

Bases de dados de bancos e seguradoras serão as próximos

A Petição Pública recorda ainda que os movimentos bancários são dos assuntos mais bem tratados e estruturados nas bases de dados de contabilidade. “Se além disto o Estado/AT vier a ter, nos mesmos termos das empresas, as bases de dados da contabilidade de bancos e seguradoras, então ficará na mão do Estado/AT toda a informação sobre todas as contas bancárias existentes em Portugal”, sublinha.

De acordo com a Anaco, esta situação “contraria de forma clara” a recém-publicada legislação que apenas concede à AT a informação sobre os saldos (e não os movimentos!) bancários de fim de ano de valor superior 50 mil euros.

Na Petição Pública, alertam mesmo que se estas bases de dados passarem para o Estado, passará a estar na tutela de órgãos políticos do Estado, toda a informação bancária, não só das empresas, mas de todos os cidadãos.

E elencam aqui juízes do Tribunal Constitucional e todos os juízes de toda a magistratura, um poder independente no nosso Estado de Direito e Democrático; magistrados e elementos do Ministério Público; elementos das polícias e das forças armadas; jornalistas e elementos da comunicação social; deputados incluindo os dos partidos que não estão no Governo; líderes partidários de todos os partidos; todos os funcionários públicos, dirigentes sindicais; dirigentes empresariais; advogados; médicos; enfermeiros; engenheiros; bancários  e notários, entre outros.

“Ou seja todos os cidadãos, sem exceção”, concluem na Petição, acrescentando que o fisco e as Finanças passarão também a ter acesso a dados de todas as entidades coletivas deste país: empresas, sindicatos, associações, IPSS, ONG, partidos políticos, clubes desportivos e associações patronais.

“Não conhecemos tal devassa de toda a sociedade civil e privada em nenhum país da União Europeia ou qualquer outro país com uma democracia moderna com as quais nos gostamos de comparar. Não é, aliás, imaginável num Estado de Direito Democrático inserido na União Europeia ser possível a uma entidade tutelada pelo Ministro das Finanças ter este manancial de informação à sua disposição”, concluem na Petição Pública.

Anaco alerta que a AT pode “espiar” toda a vida de pessoas e empresas

De acordo com a Anaco, “Portugal não pode ser tornar um país, onde o Estado dá a um serviço seu, a Autoridade Tributária, o poder de saber, o poder de “espiar” toda a vida pessoal, profissional e financeira de todas as pessoas e das empresas”.

A associação defende que “não se pode sonegar a todos o direito à privacidade, da proteção dos seus interesses mais valiosos sem fundamento legal. Com estas normas desaparece a presunção da inocência que todos beneficiam, e todos, sem qualquer fundamento vêm ser “confiscadas” as informações mais preciosas da sua vida financeira e patrimonial”.

“Não podemos vir a ter um estado onde se podem investigar tudo e todos, nos mais ínfimos detalhes, devassando a vida privada, o sigilo comercial, empresarial, os direitos singulares plasmados no RGPC, acabando até com o sigilo bancário. Os meios têm de ser justificados pelos fins. Neste caso isso não sucede”, de acordo com a associação presidida por Vítor Vicente.

PCP também critica medida

A 29 de novembro de 2018, também o PCP criticou esta medida, questionando porque é que o fisco queria reunir tanta informação.

“Do que se trata, em paralelo com o e-fatura, é a AT concentrar nas suas mãos a totalidade da informação económica, financeira e social dos sujeitos passivos privados, quando o Ministério das Finanças já possui a restante informação relativa ao sector público”, segundo uma apreciação parlamentar dos comunistas.

“Está em causa informação que vai desde o detalhe de todos os movimentos bancários, até às relações comerciais entre sujeitos passivos, a políticas de descontos até aos contactos comerciais e pessoais que se encontrarem detalhados numa ficha de terceiros. A questão que se impõe é a de saber para que precisa a AT de toda esta informação”, de acordo com o PCP.

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