[weglot_switcher]

Plano de Recuperação e Resiliência, uma Fé Utópica

Em termos concretos, nos próximos cinco anos e meio, teremos acesso a um volume ímpar de recursos a fundo perdido, 13.944 milhões de euros, aproximadamente 2,5 mil milhões de euros por ano, o que sendo excelente, é também um verdadeiro teste à nossa capacidade de realização coletiva.
9 Março 2021, 07h15

Numa altura em que se conclui a discussão aberta do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), julgamos pertinente expressar algumas reflexões sobre um plano apresentado à UE (versão preliminar) em 15-novembro-2020 e aberto para uma discussão pública entre 15-fevereiro e 01-março de 2021. Importa salientar que se trata de um Plano que orientará decisivamente o futuro de Portugal, até 2026. Em termos concretos, nos próximos cinco anos e meio, teremos acesso a um volume ímpar de recursos a fundo perdido, 13.944 milhões de euros, aproximadamente 2,5 mil milhões de euros por ano, o que sendo excelente, é também um verdadeiro teste à nossa capacidade de realização coletiva.

Voltando atrás na história da teoria económica e política, Thomas Robert Malthus com a publicação do “An Essay on the Principle of Population” (1798) roubou o romantismo a todos que olhavam para o século XIX com uma fé utópica[1]. O excesso de população era visto como fator gerador de pobreza e desigualdade, consumindo os recursos a níveis superiores ao desejado. Um quadro de ruturas sociais e decadência, perfilava-se no horizonte.

O diagnóstico económico e social do nosso país não é tão negro, mas é igualmente preocupante. Portugal apresentou uma taxa de média anual de crescimento marginal, nas primeiras décadas do século XXI (entre 2001 e 19) de 2,6%. Convém relembrar que tivemos dois períodos de decréscimo em termos absolutos, nos anos de 2008-09 e 2010-11-12, em que neste último só em 2015 (eur:17.350,10), ultrapassamos o máximo anterior de 2010, eur:16.987,50. Destarte, não deveremos negligenciar as evidências. Em termos europeus e mundiais o nosso país tem vindo a perder posição na riqueza gerada por habitante. Nesta linha, dificilmente conseguiremos manter os padrões de vida atuais. A Figura 1 abaixo, confirma que em 2019, fomos ultrapassados por países que, só em 2004, passaram a ter o nosso quadro de referência, após a adesão à União Europeia – República Checa, Eslovénia, Malta e Chipre (a verde).

Analisando no período mais recente 2010-19, a evolução do PIB per capita (PIBpc) e da Formação Bruta de Capital (FBC), confirmamos a nossa debilidade ao nível do investimento empresarial, apenas superior à Grécia, Itália e Chipre, que apresentam taxas negativas, portanto registaram um decréscimo no período em análise. Certamente não será a única razão que justifica o crescimento anémico. Todavia, um modelo econométrico simples, com a informação dos países representados, exprime uma correlação linear positiva entre o crescimento da FBC e o PIBpc de 70,9%.

É neste contexto que surge o Plano de Reconstrução e Resiliência (PRR), como uma derradeira oportunidade para relançar a nossa economia para padrões mais desenvolvidos, de forma a preparar-se para os desafios da Revolução Industrial 4.0 e da Sustentabilidade, que se formam num horizonte muito próximo.

Relativamente à distribuição de verbas do Plano de Reconstrução e Resiliência, relembre-se eur:13.944 milhões, tem as seguintes linhas de orientação: a) Direciona-se 91,8% do valor para investimentos no Continente (eur:12.803milhões), 4,0% na Região Autónoma da Madeira (eur:561 milhões) e 4,2% na Região Autónoma dos Açores (eur: 580 milhões); b) A parcela afeta ao Estado e Administração Pública rondará os 76,5%, no total de eur:10.673 milhões, quedando-se 23,5% para as empresas, essencialmente relativo ao Investimento e Inovação (eur:1.386 milhões), Qualificações e Competências (eur:370milhões), Descarbonização da Indústria (eur:715 milhões), Bioeconomia (eur:150 milhões) e Empresas 4.0 (eur: 650 milhões); c) A linha mais representativa – Vulnerabilidades Sociais (VC), abrangendo o serviço Nacional de Saúde, Habitação e Respostas Sociais e Operações com Comunidades Desfavorecidas nas Área Metropolitanas – com um montante atribuído de eur:3.504 milhões é da inteira responsabilidade do Estado, assim como a Competitividade e Coesão Territorial (CCT) que ascende a eur:1.939;

O PRR não quantifica os objetivos e desconhecem-se os riscos e, sobretudo, impactos das medidas elencadas. Mas, desde logo, deveria estar claro “que não podemos mudar o mundo (nem Portugal) atirando dinheiro para conceitos ultrapassados que já não funcionam – precisamos de novas abordagens”[2]. Interessante o exemplo das Operações com as Comunidades Desfavorecidas nas Áreas Metropolitanas, Lisboa (AML) e Porto (AMP). Analisando o quartil de mais baixo rendimento (1ºQuartil) de Portugal Continental e Regiões Autónomas[3] verificamos que a mediana é de eur:6.212, em Lisboa (valor mínimo no Montijo eur:5.926) e de eur:5.400, no Porto (valor mínimo em Paredes, eur:4.107). Além da discrepância entre as duas áreas metropolitanas, no país só há uma região (NUTS 3) – Alentejo Central[4], eur: 5.785 – que ultrapassa o valor da AMP. Não precisarão as regiões do Tâmega e Sousa (Resende, eur: 2.893), Trás-os-Montes (Vila Flor, eur:3.987), Aveiro (Murtosa, eur:3.878), R.A. Açores (Povoação, eur:3.383) e R.A. Madeira (Calheta, eur:3.884) de “operações” mais urgentes?

Para concluir, resta saber se estamos a “anestesiar” as dificuldades atuais ou definitivamente a resolver problemas e a preparar Portugal para o futuro.

[1] Buchholz, T. “Mew Ideas from Dead Economists”, 2007, Penguin Group.
[2]  Cohen, R., “Impact- Reshaping Capitalism to drive Real Change” (2020), Pinguim Random House.
[3] Fonte: INE, Estatísticas do Rendimento ao nível local com base na informação produzida pelo Ministério das Finanças – Autoridade Tributária e Aduaneira; Distribuição do rendimento bruto declarado (€) dos sujeitos passivos por Localização geográfica (NUTS – 2013) e Quintis de rendimento; Anual (2018).
[4] Inclui os concelhos de: Alandroal, Arraiolos, Borba, Estremoz, Évora, Montemor-o-Novo, Mora, Mourão, Portel, Redondo, Reguengos de Monsaraz, Vendas Novas, Viana do Alentejo e Vila Viçosa.

Copyright © Jornal Económico. Todos os direitos reservados.