Até à data, a Agenda do Trabalho Digno “ATD” (implementada pela Lei 13/2023), conseguiu reunir largo consenso num aspeto: a sua pobre técnica legislativa. Um desses casos é o novo n.º 2 do art. 25 da Lei 107/2009, no qual se dispõe que “as sanções aplicadas às contraordenações em concurso são sempre objeto de cúmulo material”.
O cúmulo material de coimas impõe que, no caso de imputação de múltiplas infrações, se somem as coimas parcelares aplicáveis a cada infração, aplicando-se ao infrator uma coima global equivalente à soma das coimas parcelares sem limites ao valor máximo.
A este contrapõe-se o cúmulo jurídico, em que a coima única poderá ser inferior à soma das coimas parcelares, e no final não podia ainda exceder o dobro do limite máximo mais elevado das diferentes contraordenações.
Poderá estar em causa um agravamento muito substancial da responsabilidade dos empregadores, na medida em que esta alteração represente um afastamento das regras do cúmulo jurídico às infrações laborais e de segurança social (art. 19 do RGCO; art. 558 do C. Trabalho; art. 235 do C. Contributivo).
Isto sucede ao mesmo tempo que foram criadas, numa contagem cautelosa, 5 contraordenações muito graves, 56 contraordenações graves e 9 contraordenações leves, além do que em 3 casos a contraordenação foi agravada de leve para grave.
Este grande, confuso e sub-reptício, possível agravamento da responsabilidade das empresas, tem passado despercebido, mas, aos poucos, começa a ser notado, sobretudo à medida que a ACT começa a aplicar a nova regra de cúmulo.
A forma como se aplicará o referido (novo) art. 25 n.º 2 da Lei 107/2009 não é clara. Vejamos:
Em primeira linha faz-se notar que a norma sobre o cúmulo material foi inserida num diploma sobre o regime processual, e não em diploma sobre o regime substantivo (como recomendaria a boa técnica legislativa).
É difícil de entender esta opção do legislador quando a Lei 13/2023 introduz simultaneamente dezenas de alterações a disposições do Código do Trabalho e do Código Contributivo, mas mantém sem alterações o art. 558 do C. Trabalho e o art. 235 do C. Contributivo.
Na organização sistemática do regime processual verificamos, ainda, que o novo art. 25 n.º 2 da Lei 107/2009 está inserido em disposição que diz respeito à decisão administrativa (fase administrativa), não havendo idêntica disposição para a fase judicial (arts. 39 e 59).
Posto isto, em que ficamos: a autoridade administrativa, ao determinar a coima aplicável, deve aplicar o cúmulo material, mas em caso de impugnação o Tribunal aplica o regime do cúmulo jurídico (o que seria, pelo menos, insólito)? Ou esta nova norma pretende “apenas” sobrepor-se ao art. 19 do RGCO e, eventualmente, ao art. 235 do C. Contributivo? Ou são de todo afastadas as regras de cúmulo jurídico, quanto a contraordenações laborais e de segurança social? Outra?
Seja qual for a interpretação, a missão espinhosa de dar sentido a este novelo ficará para os Tribunais, e enquanto isso não suceder os empregadores terão de considerar este clima de incerteza, eventualmente afetando recursos e meios que poderiam ter aproveitado de outra forma.