São exemplares os comentários à eleição do abominável homem do capital, Trump. Não sabemos o que mais admirar, se o confusionismo político, o preconceito ideológico, o simplismo redutor ou o reaccionarismo militante.
É admirável a dificuldade em fazer uma leitura simples e rigorosa dos números da eleição. Como nada se diz sobre um sistema eleitoral que produz tais distorções! Um sistema onde os media fazem aquilo a que pudemos assistir. Como nada se diz sobre o golpe da Direcção do Partido Democrata, que afastou Sanders. Ou sobre o facto decisivo de um dos partidos do sistema ter nomeado o abominável como seu candidato. Pergunta Stiglitz: “Porque é que o PR dos EUA nomeou um candidato que até mesmo os seus líderes rejeitaram?”. Não há resposta.
Mas onde os comentários mais se despencam é nas explicações. Entre outras: A “loucura dos povos” e a “esquizofrenia” atacou os norte-americanos e não só. A ignorância de parte significativa – 50% pelo menos – do eleitorado americano. “Os brancos pobres, embrutecidos pela estupidez e pela religião, que garantiram a vitória de Trump (…)”. Nunca se tinha dado conta do papel da ignorância nas eleições em Portugal…
Mas, verdadeiramente, a razão explicativa e justificativa (de Trump com o Brexit à mistura) é a “lengalenga do populismo”. Uma verdadeira epidemia. Adjectivada e teorizada. Agora juntou-se também Jorge Sampaio, para “evitar o alastramento dos populismos de toda a sorte“. Mas o que é que explica o “populismo”? Mistério…
Como sempre, estes espíritos bem pensantes gostam de instrumentalizar o “populismo”. E, sem qualquer seriedade, fazem a amálgama dos ditos extremos “radicais”, “nacionalistas”… A mistificação da equidistância dos extremos serve para afirmar a sua virtude (que) está no meio.
O confusionismo de má-fé, entre quem defende a superação do capitalismo e os que defendem o sistema capitalista, com as suas chagas e desigualdades, e nele vêem plasmada a sociedade dos seus sonhos, como sucede com Trump, e os que acusam o “populismo” de o eleger. Os que defendem o grande consenso da social-democracia/socialistas e dos conservadores de todas as espécies, incluindo dos dois partidos dos EUA. Ou seja, os autores das políticas do capitalismo neoliberal e do consenso de Washington; do federalismo imperial da UE, comandado por Berlim, de subversão da democracia e dos direitos soberanos dos povos; do militarismo e da intervenção imperialista descarada. Que, não por acaso, são as causas e razões profundas do populismo explorado por Trump e outros demagogos do grande capital.
O chamar da eleição de Hitler e Mussolini à colação do populismo e dos perigos de Trump é uma fraude se, simultaneamente, for esquecido o papel da traição da social-democracia e da conspiração do grande capital alemão!
Os perigos são reais. As lições da história devem ser lembradas. Identificar com rigor os inimigos da paz, do desenvolvimento e progresso social, da liberdade e democracia, e não inventar bodes expiatórios que ocultam a verdadeira natureza de um sistema de poder contrário aos interesses dos trabalhadores e dos povos. Nos EUA, na Europa e no mundo.
O autor escreve segundo a antiga ortografia.