À primeira vista a resposta à pergunta formulada no título parece fácil. O elevado número de mortos de que os meios de comunicação social dão conta levaria a pensar que era por eles que os sinos tocavam.
No entanto, tal não corresponde à realidade. De facto, muitos daqueles a quem o coronavírus obriga à última viagem terrena não têm direito ao dobrar dos sinos e não apenas por a crise de vocações ter conduzido a uma drástica diminuição do número de membros do clero. O perigo de contágio desaconselha uma despedida condigna. A luta quotidiana pela sobrevivência impõe contenção. A pandemia não concede tempo para o luto.
Assim sendo, por quem dobram os sinos num Ocidente que se julgava ao abrigo de pandemias? Dobram para chorar a morte do modelo de vida ocidental alicerçado num conjunto de liberdades e num sistema capitalista assente na iniciativa individual e que parecia sustentável. Um modelo que fazia da Declaração Universal dos Direitos do Homem a Bíblia moderna. Por isso, fazia do cumprimento desses princípios a condição necessária para cooperar com outras partes do mundo. O Ocidente que tinha saído vitorioso da guerra fria julgava-se em condições de ser o farol da Humanidade.
Um sistema que por recusar ser aquilo que Hegel tinha designado como “vendedores ambulantes da liberdade” se considerava a caminho da perfeição. Afinal, das 22 democracias completas que existem na Terra, a larga maioria, 16 no ano de 2019, localizam-se no Ocidente, mais concretamente na Europa e na América do Norte.
Um modelo que se julgava capaz de quase dispensar o Estado. Exigia que fosse mínimo. Queixava-se quando considerava que estava a ir além do papel regulador. Denunciava a intromissão em atividades que queria entregues à iniciativa privada. Não comungava das palavras papais que acusavam o neoliberalismo de matar.
A crise resultante da recente bolha imobiliária só alterou pontualmente o modelo. Os bancos, confrontados com a ameaça da bancarrota, viraram-se para o Estado. Aquele mesmo Estado que até então acusavam de querer controlar bens essenciais para a segurança coletiva. Antes de retomarem práticas antigas ou muito aproximadas. O número de empresas que se veem obrigadas a recorrer ao lay-off na tentativa de evitar fechar portas demonstra que o tempo de relativa prosperidade não foi devidamente aproveitado. Talvez por ter sido curto. Certamente por falta de estratégia.
O Ocidente já tinha experimentado o sofrimento causado por um terrorismo político que se assume errada e ofensivamente como religioso. Também já tinha assistido ao despertar de nacionalismos exacerbados que conduziram a populismos excludentes. No entanto, no seu cosmopolitismo julgava-se capaz de controlar essas ameaças. Reduzi-las ao mínimo preço social.
As várias dezenas de milhar de mortes provocadas pela Covid-19 estão a encarregar-se de mostrar que um vírus proveniente da outra parte do mundo é suficiente para colocar em quarentena o Ocidente.
Depois da pandemia a vida deixará de estar suspensa, mas ninguém voltará a uma realidade que já não existe. Os custos sociais e económicos serão muito elevados, contudo o preço mais elevado a pagar prende-se com a falência do próprio modelo. Para desgraça dos cidadãos, os atuais governantes esqueceram-se de ouvir vozes encantatórias, como Adriano Moreira, que há muito avisava que o imprevisto está sempre à espera de uma oportunidade e não souberam antecipar a pandemia.
Para bem do Ocidente, os sinos não poderão continuar a dobrar. A indecisão não pode durar infinitamente mais do que a dor. É urgente a definição de um novo modelo que privilegie a mediação institucional.