A Transparência e Integridade (TI) considerou hoje alarmante que Portugal continue de “braços abertos” e “olhos fechados” em relação aos negócios de Isabel dos Santos, sustentando que a investigação “Luanda Leaks” tem “a obrigação de alterar” esta postura.
“Ao longo dos anos mais recentes, vários países e empresas, nomeadamente bancos e algumas consultoras internacionais, começaram, embora tardiamente, a cortar laços com Isabel dos Santos por causa do avolumar de suspeitas, mas em Portugal isso não aconteceu”, disse João Paulo Batalha.
O responsável pelo capítulo português da organização não-governamental (ONG) TI falava à agência Lusa na sequência das revelações da investigação jornalística “Luanda Leaks”.
Sobre a investigação, João Paulo Batalha considerou que mostra, além da “origem oculta” do império de Isabel dos Santos, “o papel de muitos capatazes da corrupção” em Portugal, bem como a cumplicidade por “omissão” de reguladores e autoridades judiciais.
Cumplicidades, que segundo o responsável da TI, tem origem na “cumplicidade histórica” com a corrupção em Angola que “está instalada nos partidos políticos e nos vários governos”.
“As grandes sociedades de advogados que a têm assessorado continuam a assessorá-la, os bancos continuam abertos aos negócios, inclusive o banco de que é acionista de referência (Eurobic), e as autoridades portuguesas – ao contrário de outros países – continuam de braços abertos e olhos fechados. Isto é um sinal de alarme para Portugal”, prosseguiu.
O consórcio internacional de jornalismo de investigação revelou no domingo mais de 715 mil ficheiros, sob o nome de “Luanda Leaks”, que detalham esquemas financeiros de Isabel dos Santos e do marido, Sindika Dokolo, que estarão na origem da fortuna da família.
As informações recolhidas detalham, por exemplo, um esquema de ocultação montado por Isabel dos Santos na petrolífera estatal angolana Sonangol, que lhe permitiu desviar mais de 100 milhões de dólares (90 milhões de euros) para o Dubai.
Revelam ainda que, em menos de 24 horas, a conta da Sonangol no Eurobic Lisboa, banco de que Isabel dos Santos é a principal acionista, foi esvaziada e ficou com saldo negativo no dia seguinte à demissão da empresária.
“Estas revelações rompem a máscara de Isabel dos Santos como uma figura empresarial do setor privado por mérito próprio, mas também rompem a máscara de uma rede gigantesca de cumplicidade por ação ou omissão em Portugal”, disse o responsável da TI.
Para João Paulo Batalha, os dados agora revelados “têm obrigação” de alterar a postura de Portugal face à empresária angolana.
“Não deveríamos precisar desta revelação para que as autoridades atuassem. Temos suspeitas avolumadas há muito tempo e denúncias específicas, nomeadamente da ex-eurodeputada Ana Gomes, e as autoridades já deveriam estar em campo há muito tempo”, afirmou.
O responsável da ONG admite que há investigações a negócios pontuais, mas reclama investigações judiciais às “muitas suspeitas de branqueamento de capitais que estão seguramente a ocorrer em Portugal” e uma atuação dos reguladores no que respeita à estrutura acionista do Eurobic.
“No momento em que toda esta informação se torna pública, temos de obrigatoriamente perguntar às autoridades judiciais e aos reguladores se vão continuar complacentes e de braços caídos ou se vão finalmente, mesmo que tardiamente, agir”, frisou.
A par da complacência das autoridades, João Paulo Batalha denunciou ainda o que considera ser o “patrocínio de agentes” europeus e a “cumplicidade por omissão” no roubo de recursos que condenam milhões de africanos à pobreza.
“Estes recursos que estão a ser roubados e condenam milhões de africanos à miséria extrema estão a ser roubados com o apoio e o patrocínio de agentes europeus e muitas vezes com a complacência de autoridades europeias”, adiantou.
O mesmo responsável da TI acrescentou: “As infraestruturas jurídicas, financeiras, de gestão e até de assessoria de comunicação que permitem estes roubos escandalosos e continuados dos recursos em África estão nos países europeus. Em Londres, em Paris, em Lisboa e em Genebra”.
Para João Paulo Batalha, existe uma “espécie de colonialismo subcontratado a famílias autocratas que continuam, como nos tempos do colonialismo, a exportar as riquezas roubadas para a Europa”.
“Isto é absolutamente inadmissível em termos europeus”, defendeu.
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