Portugal e a Iniciativa EUREKA

A adesão de Portugal à Iniciativa EUREKA, em 1985, sinalizou a importância atribuída à colaboração internacional para a inovação de base científica e tecnológica.

Desde a sua fundação, esta Iniciativa intergovernamental única distingue-se de outros programas ou organizações, por manter independência e autonomia face a outros instrumentos de apoio à inovação da União Europeia, sendo as regras por que se rege definidas pelos seus membros.

A Iniciativa EUREKA, que hoje reúne mais de 40 países membros, dinamiza vários tipos de ações, apoiando projetos colaborativos internacionais que envolvem empresas, instituições de I&D, Universidades e outras entidades.

A história da participação de Portugal nesta Iniciativa caracteriza-se por avanços e recuos na sua contribuição para a política de inovação tecnológica do país e internacionalização dos seus resultados.

As estruturas de apoio e acompanhamento revelam pouca capacidade de promoção e de acompanhamento dos projetos e das entidades participantes. Evidencia-se também a dificuldade de análise e avaliação dos resultados obtidos, desperdiçando oportunidades de colaboração, aprendizagem e de reforço de ligações a outros países.

Embora a participação de Portugal tenha variado ao longo do tempo, dependendo dos condicionalismos decorrentes de crises financeiras e económicas que o país atravessou e do empenhamento dos diversos Governos, a informação sobre os resultados atingidos é escassa. Contrariamente ao que acontece em relação a outros países, em que a experiência de participação foi objeto de vários estudos, no caso português só agora se materializou o primeiro contributo para a sua caraterização.

As motivações das empresas participantes

Quando inquiridas sobre as razões que as levaram a participar nos projetos EUREKA, as empresas identificam três principais motivações:

Acesso a conhecimento: A necessidade de resolução de problemas de natureza industrial, tecnológica ou de desenvolvimento de novos produtos ou serviços está na base da identificação do acesso a conhecimento como a razão mais importante para a participação na Iniciativa EUREKA.

Melhoria da posição competitiva: A colaboração permite uma experiência de inserção em redes e consórcios internacionais. Em diversas situações, a ligação aos parceiros noutros países, funciona como um espaço de teste das empresas em termos da sua exposição à internacionalização, por exemplo com informação sobre mercados, oportunidades de negócios, ou sinalização da sua capacidade concorrencial.

Aprendizagem: No contexto dos projetos colaborativos, as empresas interagem e aplicam práticas e rotinas que lhes permitem ‘aprender’ e adaptar-se à mudança. O envolvimento nesses projetos constitui um mecanismo de ativação e combinação de recursos tangíveis ou intangíveis, como a cultura, mais aberta e favorável à inovação.

As dificuldades assinaladas pelas empresas participantes

A intermitência no financiamento destes projetos, refletida na falta de estabilidade e de regularidade, dificultou a afirmação da Iniciativa no país, sendo uma das dificuldades mais sublinhadas pelas empresas portuguesas. Esse problema prejudica a reputação de Portugal, tornando os participantes portugueses menos ‘atrativos’ na formação de consórcios.

A frequente ausência de harmonização de regras, implicando por exemplo a necessidade de submeter candidaturas e produzir relatórios para diversos objetivos, são também indicados como obstáculos burocráticos. As questões de propriedade intelectual são por vezes apontadas como outra das dificuldades na colaboração internacional, sobretudo nos casos em que as empresas têm uma experiência prévia limitada, falta de informação e pouco domínio das regras de participação.

Os efeitos da participação das empresas

A Iniciativa EUREKA tem funcionado como plataforma de desenvolvimento de projetos e de estímulo à de inovação em empresas portuguesas, possibilitando a sua inserção em redes e consórcios internacionais, beneficiando a sua posição concorrencial. O estudo desenvolvido mostra que existem diferenças significativas no investimento empresarial em I&D, nos períodos pré e pós participação em projetos EUREKA, o que sugere que a participação encoraja o investimento continuado na criação e aplicação de conhecimento e nas atividades de inovação, como as de desenvolvimento de novos produtos e serviços com valor no mercado.

As empresas participantes assinalam como principais efeitos os que se relacionam com o acesso, absorção e aplicação de conhecimento, como dos mais importantes, a par dos efeitos em recursos, como o investimento em I&D, ou nas capacidades organizacionais.

Conhecimento

As empresas reconhecem que a colaboração contribui para o processo cumulativo e combinativo de conhecimento, como suporte a atividades da empresa. Tal é determinante para a geração de características distintivas e de criação de valor, por exemplo através da sua influência noutras capacidades organizacionais, entre as quais a de captação e valorização de oportunidades. Nos consórcios, facilita-se o acesso, a partilha e a aplicação de conhecimento científico, tecnológico e especializado, como nas áreas da gestão da inovação, da gestão de projetos ou da gestão da qualidade. A colaboração possibilita também um mecanismo de aprendizagem, consolidando experiências, adotando boas práticas ou desenvolvendo atividades conjuntas de experimentação.

Capacidades Organizacionais

A participação na Iniciativa, através da aplicação de práticas, rotinas e processos de interação, experimentação e desenvolvimento conjunto de atividades com os parceiros do consórcio beneficiou as capacidades organizacionais das empresas portuguesas, entre as quais:

Capacidade de inovação: O papel da I&D no ciclo de inovação e da colaboração na abertura da empresa ao exterior são identificados, por exemplo na exposição a novas ideias e a novos projetos. Também do ponto de vista científico e tecnológico, um conjunto muito variado de resultados integra, entre outros, patentes, demonstradores, pilotos, artigos científicos, integração de investigadores ou o apoio à realização de dissertações e teses de doutoramento em contexto empresarial.

Capacidade relacional: Observa-se o desenvolvimento de relacionamentos estratégicos e duradouros, a partir da base de colaboração e de confiança mútua proporcionada com a colaboração. Também foram captados efeitos nas interações, rotinas e processos de colaboração (por exemplo, encontros, troca de experiências, mobilidade entre parceiros, sessões de trabalho), nalguns casos mais formais (com acordos específicos que regulam a colaboração, nomeadamente as questões de propriedade intelectual).

Capacidade de gestão e comercial: A orientação para o mercado e o conhecimento das necessidades dos clientes são aspetos sublinhados na experiência das empresas participantes, que destacam também a importância de manter mecanismos de coordenação internos entre áreas funcionais diferentes.

É de notar que, embora sensíveis aos resultados económico-financeiros, as empresas participantes (como os casos da Bosch Termotecnologia, da Novarroz ou da Genibet) valorizam os recursos e as capacidades organizacionais como elementos-chave para a avaliação dos efeitos dessa participação. No entanto, para além dessa conclusão, os resultados sugerem que a participação na Iniciativa pode contribuir para a criação de valor (por exemplo, o crescimento do volume de negócios a par de uma maior capacidade operacional) e possivelmente apoiar a criação ou manutenção de vantagens competitivas sustentáveis.

A importância da participação na Iniciativa EUREKA encontra-se, por isso, associada à capacitação e competitividade das empresas portuguesas no desenvolvimento da inovação e no acesso a uma oportunidade de internacionalização, alargando as ligações e parcerias estratégicas.

Oportunidades futuras

Do estudo desenvolvido, surgem recomendações aos gestores das empresas potencialmente participantes na Iniciativa.

 

Sugestões para os gestores
1. Promover uma abordagem estratégica e sistémica, criando condições favoráveis ao desenvolvimento da cultura e da capacidade de inovação
2. Adotar práticas que permitam identificar, caracterizar e valorizar recursos e capacidades que possam ser distintivos
3. Desenhar processos de gestão de inovação, incluindo a gestão de conhecimento como aspeto central para o reforço da capacidade de absorção, combinação e integração de conhecimentos
4. Investir em inovação, nomeadamente em I&D, com um horizonte temporal de longo prazo
5. Manter um portefólio equilibrado de projetos e iniciativas de inovação, considerando a natureza e relevância da combinação de diversas tipologias
6. Valorizar a colaboração, fortalecendo a capacidade relacional da empresa
7. Aplicar sistemas de avaliação de resultados, efeitos e impactos das atividades de inovação

 

O estudo identificou também alguns desafios para as políticas públicas que podem merecer atenção por parte das entidades governamentais (entre outras, ANI, FCT, AICEP, INPI ou IAPMEI), sobretudo num momento em que Portugal se prepara para assumir de novo a presidência da Iniciativa EUREKA.

 

Desafios para as políticas públicas
1. Dinamizar uma estrutura de apoio aos projetos EUREKA de modo a maximizar a obtenção de resultados e o retorno do investimento público e privado
2. Promover estabilidade e regularidade na disponibilização de medidas de financiamento público, com dotações orçamentais e regras adequadas à harmonização com as aplicadas noutros países
3. Desenvolver uma estratégia e plano de comunicação detalhado e contínuo sobre a Iniciativa, que permita a partilha de práticas, casos de sucesso e visibilidade das entidades participantes, criando valor associado à etiqueta EUREKA
4. Implementar mecanismos de avaliação de impacto que, com regularidade, permitam a análise da participação portuguesa em programas e iniciativas internacionais, incluindo estudos comparados