O impasse nas negociações do próximo quadro financeiro plurianual 2021-27 é revelador da crise existencial em que se encontra União Europeia e faz antever dias difíceis para os países da coesão, nos quais se inclui Portugal.
A falta de acordo decorre de divergências profundas entre os Estados-membros, sendo cada vez maior o fosso que separa os contribuintes líquidos para o orçamento comunitário dos países que dependem dos fundos estruturais para o investimento e para a convergência. E isto acontece quando está em causa um financiamento a rondar pouco mais de 1% do Rendimento Nacional Bruto…
A União Europeia (UE) é a maior realização política, económica e social do século XX. Mas num momento crucial da sua história – a inédita saída de um dos seus Estados-membros, o Reino Unido, –, a UE tem evidenciado falta de solidariedade, estratégia e ambição.
Acresce que entre os cidadãos europeus medra a desconfiança em relação às instituições comunitárias, frequentemente acusadas de ilegitimidade democrática e ineficácia política. Situação agravada pela expansão do populismo nacionalista, que é, por natureza, avesso a perdas de soberania.
Para salvaguardar a sua competitividade económica, o seu modelo social e a sua influência geopolítica no pós-Brexit, a UE deve ser mais solidária nas relações entre Estados-membros, mais democrática nas suas decisões políticas, mais efetiva na transformação digital das empresas e mais ambiciosa no combate às alterações climáticas.
Ora, tudo isto tem implicações no funcionamento do mercado único, que continua a ser o grande trunfo da UE num mundo cada vez mais protecionista e unilateral. Dispor de um espaço económico sem fronteiras e com 450 milhões de consumidores é, naturalmente, uma grande vantagem para as empresas europeias.
Aprofundar o mercado único de forma a garantir maior mobilidade humana, melhores oportunidades profissionais, mais investimento produtivo e maior acesso a bens e serviços deve ser uma prioridade da União. Mas, para que as potencialidades do mercado único sejam efetivamente maximizadas, há que acelerar a convergência entre Estados-membros, o que depende em grande medida dos fundos de coesão.
Voltamos, por isso, ao ponto inicial: como convencer os países mais ricos de que, ao aumentarem as suas transferências para o orçamento comunitário, estão a dinamizar o mercado único e, deste modo, a favorecer as suas próprias economias?
Neste cenário, Portugal e os restantes países da coesão não devem deixar resvalar as negociações do próximo quadro financeiro para uma luta entre ricos e pobres, contribuintes e beneficiários, centro e periferia. Parece-me mais inteligente apelar à racionalidade económica dos Estados-membros, sublinhando os desafios que a UE tem pela frente e que exigem músculo financeiro: transição energética, redes transeuropeias, transformação digital, inteligência artificial…
Para Portugal, o impasse nas negociações e sobretudo a inevitável perda de verbas vêm na pior altura. O nosso crescimento é ainda débil e são muitas as necessidades de investimento do país, tanto no sector público como no privado. No caso das empresas, os fundos comunitários são essenciais para financiar o desenvolvimento da inovação e a introdução de tecnologias digitais, dois fatores de que muito depende a nossa competitividade externa.