As redes elétricas em Portugal precisam de um investimento de 825 milhões de euros anuais, entre 2025 e 2050, para darem resposta ao crescimento da procura, numa sociedade cada vez mais eletrificada.
A previsão é da consultora EY num estudo realizado para a Associação Europeia de Empresas do Sector Elétrico (Eureletric), que contou com os modelos do Imperial College de Londres, com base nas previsões do plano RepowerEU, da União Europeia (UE). O estudo só analisou a necessidade de investimento na rede de distribuição, não tendo em conta as redes de transporte.
A maior fatia em Portugal (quase 300 milhões) destina-se a reforçar a rede devido ao crescimento da procura, seguindo-se uma fatia de 200 milhões para substituir/renovar a rede atual. A terceira maior fatia destina-se a reforçar a rede com a chegada de novas centrais (100 milhões), seguindo-se o investimento em automação e digitalização do sistema, contadores inteligentes e resiliência.
A chegada de mais carros elétricos e a necessidade de os carregar, bem como o crescimento da capacidade eólica e solar são dois dos fatores a contribuírem para a necessidade de reforçar as redes.
Mas há mais: a renovação de condutores, subestações e quadros de distribuição devido ao desgaste. E também a criação de novos corredores elétricos para “aumentar a resiliência”, com a associação a recordar que está a decorrer um programa de instalação de contadores inteligentes junto dos consumidores, que deverá estar concluído até ao final do ano.
A nível da União Europeia, a necessidade de investimento total atinge os 67 mil milhões de euros por ano entre 2025-2050. Uma pipa de massa.
A eletricidade pesa apenas 23% em toda a energia consumida na União Europeia atualmente e a expetativa é de que o aumento da eletrificação da sociedade aumente o seu peso: 61% de eletricidade no consumo final de energia em 2050. Ao mesmo tempo, a capacidade renovável deverá aumentar seis vezes entre 2020 e 2050, com 70% das renováveis a ligarem-se à rede de distribuição. O estudo destaca: “para aliviar a tensão e permitir a transição energética, os investimentos anuais em novas e modernas infraestruturas, assim como a digitalização deverão atingir 67 mil milhões de 2025 a 2050, cerca de 0,4% do PIB da UE”. Uma das chaves desta estratégia são os “investimentos antecipatórios”: investir mais cedo do que o previsto, para evitar escaladas de custos e rede congestionada.
Olhando para Portugal: o consumo de eletricidade atingiu os 50 TWh em 2023, com o estudo a prever que se aproxime dos 80 TWh em 2050. Já a produção de energia renovável (solar + eólica onshore) deverá ultrapassar os 100 TWh em 2050, face a um valor de 14 TWh em 2020. Por sectores, o grande disparo no consumo de eletricidade em Portugal vai ter lugar nos transportes: passando para quase 20 TWh em 2050. No sector industrial, deverá subir dos cerca de 30 TWh para cerca de 40 TWh. Nos edifícios, deverá aumentar para um valor próximo dos 20 Twh.
O consumo de eletricidade está imparável na UE: entre 1990 até 2023, cresceu em 500 terawatts-hora (TWh) para 2.500 TWh. Até 2050, deverá crescer quatro vezes: mais dois mil TWh para 4.500 Twh.
O estudo destaca que a aposta na eletrificação permite a redução de importação de combustíveis fósseis, provocando um corte em 300 mil milhões por ano. Dos 451 mil milhões de euros, previstos para este ano, para 142 mil milhões de euros por ano na década de 2040.
Logicamente, os maiores países europeus têm a fatia de leão do investimento: a Alemanha precisa de investir quase 18 mil milhões de euros por ano; Itália, mais de 10 mil milhões; França, mais de cinco mil milhões; Países Baixos, quase cinco mil milhões; Espanha, mais de quatro mil milhões. Os países mais pequenos têm fatias semelhantes à lusa: Irlanda (1,1 mil milhões), Grécia (mil milhões).
Per capita, o investimento é mais elevado na Noruega (quase dois mil milhões por ano no total) e na Dinamarca (dois mil milhões por ano no total).
Em conversa com o Jornal Económico, o secretário-geral da Eurelectric explica o que está em causa. Kristian Ruby esteve em Lisboa na terça-feira, onde apresentou o estudo na conferência da Associação de Empresas Portuguesas do Sector Elétrico (Elecpor).
Como financiar 67 mil milhões de euros por ano em redes?
Essa é a pergunta que vale mil milhões de euros. A forma de financiar as redes é através da fatura, o que os consumidores pagam. O que é um princípio saudável, pois quem usa a rede é quem a paga. Agora, um dos desafios é que estamos a passar de um mundo com um sistema elétrico estável para um cenário de crescimento drástico. E precisamos de equilibrar duas coisas: por um lado, precisamos de construir hoje para o futuro para não estarmos a esburacar as ruas a cada três anos; por outro, temos de garantir que as pessoas não vão pagar uma fatura elevada, porque então as pessoas vão questionar a necessidade de eletrificar tudo. Precisa de haver um incentivo para eletrificar, não o podemos tornar muito caro, mas ao mesmo tempo o investimento tem de acontecer. Uma das coisas que podemos fazer é facilitar o acesso das empresas aos fundos públicos. Exemplo: há um investimento importante a ser feito em Portugal, se a União Europeia pagar uma parte, então a fatura não vai subir tanto. Isto pode ajudar. Mas para isto acontecer, a regulação precisa de incentivar os operadores de redes de distribuição a aceitarem fundos públicos. No longo prazo, o problema do financiamento não vai ser tão grande porque vamos usar mais eletricidade na sociedade e vai haver mais kilowatts hora para distribuir este custo de investimento. É só no curto prazo [maior impacto na fatura] quando a procura de eletricidade ainda não tiver aumentado. É por isso que precisamos de ter um quadro especial para estes investimentos antecipatórios de longo prazo.
Na sua apresentação mencionou que o Quadro Financeiro Plurianual (QFP), o orçamento de longo prazo da UE, poderia financiar as redes…
O que fazem tradicionalmente é focarem-se nos projetos inter-fronteiriços porque argumentavam que as redes locais tinham de ser financiadas localmente. Mas o mundo está a mudar e a transição energética atravessa fronteiras, tal como os problemas de segurança energética. Existe hoje um quadro mais convincente para que a UE também ajude a financiar as redes locais.
Um dos problemas em Portugal é o licenciamento de projetos…
Isto requer a atenção urgente de decisores políticos em todos os Estados-membros. Uma das coisas que também pode ajudar as redes, tal como as renováveis, são as zonas de aceleração. Locais onde já houve indústria, por exemplo, e onde é mais fácil licenciar renováveis, tornando mais fácil para o operador construir a linha, facilitando o licenciamento das renováveis e da linha.
Outro ponto crítico é que nos últimos anos é que tem sido adotado o princípio de interesse público superior para as renováveis, redes e armazenamento. Existe alguma legislação para proteger os cidadãos e o ambiente, mas existe um interesse público superior em construir renováveis porque precisamos de proteger o clima, porque precisamos de segurança energética.
Assim, quando há um processo em tribunal, o juiz e os advogados podem dizer que existe um interesse público superior. E isto é muito importante, e está a mudar as coisas. Por exemplo, na Alemanha existem muitos processos nas renováveis e agora está a tornar as coisas mais rápidas.
E é preciso mudar como funciona a administração pública. Em alguns países, é preciso ir à autarquia local com toda a papelada, estamos a falar de uns 20 metros de documentos. E é preciso entregar em pessoa e assinar pessoalmente. Isto é impossível na era digital, certo?
Existem alguns exemplo de como transformar isto num processo digital e tornar mais fácil para as empresas. E também torna mais fácil para o burocrata que está à frente do processo.
Outra coisa que se pode fazer é reverter o princípio dos prazos: se a administração falhar em dar uma resposta até certa data, isso levaria a uma aprovação tácita, revertendo o ónus da prova.
É muito importante que os Estados-membros comecem a implementar estas regras porque podem ter um efeito positivo.
Como sabe, a UE tem metas muito ambiciosas para as renováveis, os Estados-membros também têm planos nacionais (PNEC) muito ambiciosos. Acredita que as metas previstas até 2030 vão ser alcançadas? São realistas?
Serão alcançadas, eventualmente. É possível que haja um ligeiro atraso. Temos feito o nosso melhor para atingir as metas. Mas no fim do dia, é preciso que governos, autoridades, empresas e o público garantam que é possível atingir as metas: é preciso que todos cooperem para torná-lo possível.
O gás natural vai continuar a ser importante nas próximas décadas?
As boas notícias é que as coisas estão a acontecer rapidamente. Este ano, tivemos 73% de energia carbono zero na Europa, com metade de toda a eletricidade a vir das renováveis e 23% do nuclear. Em termos de descarbonização da eletricidade, a Europa está a ir bem. Mas ainda vamos precisar do gás para preencher as falhas quando as renováveis não estão a produzir e para quando houver picos. Mas o papel do gás vai ser cada vez mais pequeno.
As renováveis são sexy, as redes não são sexy. Como convencer Bruxelas a colocar muito dinheiro nas redes? É uma tarefa fácil?
Certo, é mais intuitivo aos políticos falarem sobre as belas turbinas eólicas, mas nos anos recentes houve uma mudança do foco para as redes. As pessoas percebem que, para as renováveis acontecerem, é preciso ter redes. Com o nosso estudo, tentamos chamar a atenção para isso.