Em termos médios, Portugal ocupa a 22ª posição, de entre os 27 países da União Europeia, em termos de riqueza gerada por hora trabalhada. O valor gerado por um irlandês em 15 horas equivale ao de uma semana de trabalho de 40 horas de um português. A baixa produtividade da economia nacional é um problema estrutural e antigo. Mas acredito que as crises profundas podem representar bons momentos para repensar, reinventar e construir futuros com futuro.

Uma análise das verdadeiras origens dos problemas estruturais de Portugal, que tenho vindo repetidamente a fazer, permite apontar, inequivocamente, para caminhos e conceitos de aposta prioritária através da Qualidade. A solução não passa por se trabalhar mais, nem tão-pouco por modelos assentes em baixo custo da mão de obra, mas necessariamente por se trabalhar melhor –  com mais Qualidade – e assim ser capaz de gerar maior valor por hora trabalhada e, portanto, alcançar maior produtividade. Não existe outro caminho viável minimamente interessante para Portugal e os portugueses.

Devemos, por isso, concertar esforços em torno da verdadeira prioridade, que se pode resumir numa única palavra: Qualitividade, entendida como a Qualidade colocada com grande força e clareza ao serviço da produtividade. Esta alteração de paradigma implica, desde logo, um novo foco nos processos, nas grandes como nas pequenas, médias ou micro-organizações.

É essencial abrir canais de comunicação, múltiplos e eficazes, que incentivem, valorizem e reconheçam os contributos de toda a cadeia hierárquica no caminho para a melhoria e inovação, estimulando a criatividade, individual e coletiva. Só através de uma lógica de ecossistema, assente em processos, seremos capazes de extrair o máximo valor de todos os nossos recursos e das nossas pessoas, aí radicando o coração da Qualitividade. Esta gestão orientada a processos não pode, à data de hoje, ficar igualmente alheada da diversidade, natureza, complexidade e, sobretudo, enorme quantidade de dados disponíveis (big data) para gerar conhecimento, tomar decisões e gerir sistemas, criando valor.

O posicionamento em termos agregados de Qualidade a nível mundial, de acordo com projeto que tenho tido o prazer de desenvolver (“World State of Quality”), mostra que Portugal ocupa ainda assim um honroso 23º lugar, de entre as 118 nações monitorizadas. Importa, porém, olhar para o nosso perfil de desempenho em termos da Qualidade, nas suas múltiplas dimensões, por forma a identificar prioridades de intervenção e ambições de progresso no contexto de recuperação que agora se inicia.

Torna-se deste modo evidente, no caso de Portugal, que dimensões relacionadas com sustentabilidade ambiental, felicidade ou envolvimento dos colaboradores devem merecer especial atenção e carinho em termos do progresso a fazer na Qualidade Nacional.

São diversos os casos de países que se situam à nossa frente em termos de produtividade e qualidade de vida. Tendo o privilégio de ocupar presentemente, e em paralelo, as funções de Vice-presidente da Associação Portuguesa para a Qualidade (APQ) da European Organization for Quality (EOQ) e da International Academy for Quality (IAQ), tal permite-me ter uma noção relativamente precisa das diferentes ambições, nacionais e internacionais, de implementação e difusão da Qualidade.

Portugal e a Europa não podem nem devem ficar indiferentes às enormes dinâmicas de progresso pela Qualidade que atualmente se registam por exemplo na China, Índia, Rússia ou no Médio Oriente. As quais são frequentemente lideradas, e de forma bem visível, pelos respetivos Governos, tal como tive oportunidade de testemunhar, no final de 2019, nos Emirados Árabes Unidos (EAU).

Desde logo, constata-se que aí existe uma inequívoca prioridade colocada a este nível, liderada de forma muito visível pelo primeiro-ministro, com o entendimento claro de que o Governo e a Administração Pública devem ser colocados ao serviço da promoção da competitividade das nações, mas igualmente, e em última análise, da felicidade e do bem estar dos cidadãos. Sem qualquer receio de adotar orgânicas de Governo diferentes dos padrões habituais, como ilustrado através da existência nos EAU dos Ministérios da Felicidade e Bem-Estar, do Futuro, da Inteligência Artificial ou das Possibilidades.

Num mundo tão diferente, só a inércia justifica que na generalidade dos países europeus as orgânicas de Governo permaneçam, no seu essencial, inalteradas, década após década, legislatura após legislatura, como se pode ilustrar pela manutenção no mundo globalizado contemporâneo de um ministério que se chama dos “Negócios Estrangeiros”, sem que nos interroguemos criticamente sobre que “negócios estrangeiros” serão estes.

Foi-me dado o privilégio de contribuir, através de estadia no Dubai, em finais de 2019, para a revisão do sistema que suporta toda esta aposta dos EAU, para a evolução do seu ecossistema GEM 2.0 (Government Excellence Model). Estamos aqui na presença da mais ambiciosa abordagem que porventura se está a fazer no terreno de construção da Excelência no Sector Público, cobrindo a totalidade das Entidades e Ministérios existentes, com base num modelo que avalia simultaneamente meios e resultados, de acordo com um conjunto de três pilares (Concretização da Visão, Gestão de Recursos e Criação de Valor Distintivo), agora complementado também com três catalisadores (Inovação, Antecipação e Agilidade).

São estas as renovadas lentes de auto-análise e avaliação externa conduzida por equipas de assessores maioritariamente internacionais, numa base periódica.

Seria muito bom que a Europa e Portugal olhassem com atenção para o dinamismo que está a ser imprimido à Qualidade e Excelência na Administração Pública noutro tipo de geografias, sob pena de ficarmos claramente atrasados nesta matéria.

Um projeto potencialmente estratégico na afirmação da Qualidade Europeia, que neste tipo de enquadramento tenho procurado ajudar a desenvolver na EOQ, e se encontra publicamente disponível junto das empresas nele interessadas desde 1 de janeiro de 2021, prende-se com o reconhecimento e promoção em mercados nacionais e internacionais da “Qualidade Made in Europe”. Visa-se fazê-lo através de uma exigente avaliação, e subsequente atribuição da “European Quality Trademark”, vocacionada para distinguir bons produtos fabricados por boas empresas situadas na Europa e com significativo valor acrescentado de proveniência Europeia (www.eoq.org).

Do que se conhece já dos Planos Portugal 2030, de Recuperação e Resiliência, esta aposta fica por fazer com a convicção que seria desejável. Corremos assim o risco e pagaremos o preço de uma década de divergência em termos de Qualidade em Portugal e na Europa face a outras agendas nacionais de aposta na qualidade, felicidade e bem-estar dos cidadãos, muito mais ambiciosas e certeiras, tanto na conceção como na implementação.