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Pós-moratórias: Bancos vão propor às empresas a mobilização de depósitos para evitar incumprimento

Depósitos de empresas dos sectores mais afetados pela pandemia cresceram de forma significativa nos últimos seis meses, graças às moratórias e outros apoios. Mobilização de depósitos será uma das soluções propostas às empresas após o fim das moratórias, sabe o JE. Empresas que recorrerem à garantia estatal poderão não ter créditos marcados como NPL, dependendo dos termos da reestruturação da dívida.
14 Setembro 2021, 08h00

Os bancos deverão negociar soluções caso a caso com as empresas dos sectores mais afetados pela pandemia de Covid 19, que poderão passar, entre outras medidas, pela utilização dos depósitos que muitas dessas empresas acumularam ao longo dos últimos seis meses, sabe o Jornal Económico. Estas soluções irão funcionar como complemento às garantias que o Estado vai conceder a estas empresas após o fim das moratórias, a partir de 30 de setembro.

O Banco de Portugal (BdP) espera que a banca tenha uma atitude pró-ativa junto dessas empresas, procurando encontrar soluções que minimizem o risco de incumprimento no crédito e o impacto do fim das moratórias no balanço dos bancos. Tal como o Jornal Económico noticiou a 15 de agosto, os bancos mais expostos a esta situação são o Millennium bcp e o Novo Banco. Juntos têm mais de oito mil milhões de euros de crédito a empresas em moratória, dos quais, uma parte expressiva nos sectores mais vulneráveis aos efeitos da pandemia.

O BdP está relativamente tranquilo quanto ao impacto do fim das moratórias, em parte porque os depósitos das empresas não-financeiras tiveram um forte crescimento desde o início da pandemia, à boleia dos apoios que foram concedidos. Medidas como o lay-off simplificado, as moratórias, o apoio à retoma progressiva e as linhas de crédito com garantia pública foram utilizadas por muitas empresas portuguesas como almofadas de liquidez, como precaução. Os dados à disposição do BdP apontam para que uma percentagem significativa – situada entre 30% a 40% – dos depósitos acumulados pelas empresas entre março e setembro de 2021 tenham origem nessas medidas de apoio à economia.

Com o fim das moratórias, uma das soluções que os bancos deverão apresentar às empresas em dificuldades será a utilização desses depósitos para cumprir o serviço da dívida, juntamente com o recurso à garantia pública que o Governo vai criar, que terá um limite de 25% dos créditos e de até dez milhões de euros por cliente, tal como o Jornal Económico avançou em primeira mão.

No entendimento do BdP, este tecto máximo de 10 milhões será adequado porque a medida poderá aplicar-se a empresas de pequena e média dimensão, sobretudo em áreas como a hotelaria e alojamento, que na maior parte dos casos têm créditos cobertos por garantias reais. Por outro lado, há a preocupação de não associar estas garantias a grandes devedores e de empatar recursos públicos em empresas que não sejam viáveis.

Ao que o Jornal Económico apurou, as empresas que recorrerem à garantia estatal que será criada para o pós-moratórias não terão, necessariamente, os seus créditos assinalados como não “performantes” (conhecidos pelo acrónimo NPL, de Non Performing Loans), dependendo da forma como a reestruturação dessas dívidas for acordada com a banca. Haverá uma análise caso a caso e a marcação como NPL irá depender dos termos da reestruturação da dívida.

Além do aumento dos depósitos das empresas, outros fatores positivos fazem com que o Banco de Portugal encare o fim das moratórias com relativa tranquilidade, incluindo a subida dos depósitos das famílias, a manutenção do investimento empresarial, o crescimento da população ativa e o aumento da massa salarial em dois mil milhões de euros, no decorrer do último ano.

O crescimento homólogo de 15,5% do PIB no segundo trimestre, acima das previsões do BdP, assentou no crescimento do consumo privado superior ao previsto. O investimento esteve em linha com o estimado, tal como a despesa pública, mas as exportações de bens foram uma surpresa negativa, ficando abaixo do esperado. Porém, as exportações portuguesas ganharam quota de mercado no primeiro semestre, com um crescimento de 3,4 pontos percentuais, retomando a tendência de crescimento anterior à pandemia e refletindo um aumento da competitividade. A dívida pública superior a 130% do PIB, em níveis de 2016, é motivo de preocupação, mas o BdP considera que será possível retomar a tendência descendente que se verificava antes da pandemia.

Um ângulo morto que pode esconder problemas latentes

No entanto, apesar da recuperação da economia em linha com a tendência europeia, a conjuntura não é isenta de riscos no horizonte, a começar pela possibilidade de uma nova vaga da pandemia no próximo inverno, à semelhança do que sucedeu na quadra natalícia do ano passado, que obrigue a novas restrições à circulação e à atividade económica.

Outro risco é o facto de no último ano e meio se ter alargado a chamada “banda de inação” no tecido empresarial português e de ser difícil avaliar devidamente os riscos que tal situação acarreta. Os modelos utilizados pelo Banco de Portugal têm um ‘ângulo morto’ que impedem a entidade liderada por Mário Centeno de avaliar completamente o risco que representa o facto de, ao longo do último ano e meio, ter aumentado significativamente o número de empresas que estão numa espécie de limbo onde são adiadas decisões cruciais como investimentos, aquisições, reestruturações ou insolvências.

Esta inação leva a que atualmente existam valores muito baixos em vários indicadores, como o incumprimento bancário, pelo que os supervisores receiam que possam vir à tona de água problemas latentes no tecido empresarial que atualmente não são visíveis. Isto significa que terão de ser os bancos a medir o pulso ao tecido empresarial português no pós-moratórias, uma vez que são quem tem acesso à informação mais completa sobre as empresas.

Por outro lado, os modelos utilizados pelos supervisores tendem a exacerbar a possibilidade de insolvências, passando ao lado do facto de as empresas em dificuldades poderem sobreviver com recurso às poupanças acumuladas ao longo dos últimos meses. O Banco de Portugal acredita que a existência dessas almofadas demonstra que muitas empresas utilizaram as moratórias e outros apoios por precaução. O supervisor espera que essas reservas possam agora ser utilizadas por essas empresas para voltarem a cumprir o serviço da dívida.

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