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“Posso pagar com ‘contactless’?”

Portugal apresenta uma das mais baixas taxas de utilização da tecnologia ‘contactless’ a nível europeu. A fraca utilização decorre sobretudo da falta de informação e de uma banca reativa e dependente do esquema Multibanco.
29 Janeiro 2021, 08h55

Certamente já tentou fazer um pagamento com cartão contactless num terminal que informa ter essa tecnologia, mas sem sucesso. A razão é simples: esse terminal apenas aceita o esquema Multibanco, enquanto a tecnologia contactless é suportada pelo esquema internacional (Visa ou Mastercard) dos nossos cartões de débito ou crédito (a quase totalidade possui os dois esquemas). Ou seja, apenas terminais com aquela tecnologia e que aceitem todos os esquemas permitem pagamentos com cartões contactless.

A confusão generalizada que subsiste no mercado de pagamentos não favorece os utilizadores, os comerciantes nem tão-pouco as empresas que fornecem serviços de pagamentos. E traduz-se num facto objetivo: Portugal tem das mais baixas taxas de pagamento com contactless de toda a Europa. Surpreendentemente ou não, no país que todos temos como um dos mais avançados nesta indústria, os pagamentos contactless não ultrapassaram os 8% do total de pagamentos em terminais em 2019, segundo o último relatório do Banco de Portugal.

Com a pandemia e o aumento do limite em pagamentos sem PIN (de 20€ para 50€), a sua penetração deverá ter triplicado durante 2020; ainda assim, não será suficiente para nos tirar da cauda da Europa. Na vizinha Espanha, por exemplo, antes da pandemia mais de metade dos pagamentos já eram realizados através desta tecnologia, e na Polónia a percentagem chegava aos 80%.

Outras estatísticas recentes do Banco de Portugal demonstram que apenas 46% dos cartões nacionais emitidos e 85% do parque de terminais possuem contactless. Além disso, apenas 50% dos terminais aceitam todos os esquemas e, por conseguinte, pagamentos com cartão contactless.

Esta é de facto uma tecnologia muito conveniente, não apenas para os consumidores, mas também para os comerciantes, ao reduzir o tempo de check-out. No entanto, para além do défice de informação reinante, existem razões mais profundas que limitaram a generalização deste tipo de pagamentos no nosso país, ao contrário dos restantes países europeus.

A introdução de terminais contactless e cartões foi iniciada há pouco mais de 10 anos pelos principais esquemas internacionais. Em matéria de pagamentos, Portugal é um mercado diferente; é dominado pela banca, que detém o esquema nacional, o Multibanco.

Ora, sendo o contactless uma tecnologia concorrente, a banca nunca sentiu necessidade de a desenvolver. A oferta recente de alternativas de cartões contactless pelas fintechs, o aumento do turismo e, agora, a pandemia estão a ser os motores de crescimento desta tecnologia. Mas a falta de informação e a existência ainda relevante de terminais “MB-Only” estão a limitar o crescimento para níveis similares à média europeia.

Nos últimos anos, assistiu-se a uma forte inovação nesta área. As grandes tecnológicas desenvolveram as suas Wallets (Apple Pay, Google Pay, etc.) que utilizam a tecnologia contactless desmaterializando os cartões. A banca nacional, antecipando-se à sua chegada, desenvolveu um produto semelhante (MB Way), que só funciona em Portugal.

Os clientes da banca nacional tiveram de aguardar para ter acesso àquelas Wallets ou aderiram a fintechs europeias e assim começaram, tal como os turistas, a fazer pagamentos com relógios e smartphones em terminais nacionais. No entanto, neste último ano, vários bancos nacionais, ao verem alguns clientes “migrarem” para as fintechs devido à sua pressão competitiva, já possibilitam a utilização dos seus cartões na Apple Wallet. No mês passado, algumas das fintechs que operam em Portugal lançaram a Google Pay nos seus cartões, mais uma vez antecipando-se à banca nacional.

Com a pandemia, as mudanças continuam e o próprio Banco de Portugal está a impor que a partir deste mês de janeiro todos os novos cartões passem a ter contactless – mas esta decisão do regulador, pecando por tardia, poderá não ser suficiente, por si só, para massificar a utilização.

Torna-se crítico clarificar a comunicação nos terminais de pagamento para que o consumidor possa estar corretamente informado. Numa altura em que a União Europeia e os bancos centrais pretendem eliminar barreiras e promover um mercado único de pagamentos, é fundamental ter regras claras para que possamos fazer as escolhas certas, sejam elas o esquema nacional ou os internacionais.

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