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Potencialidades da Economia Circular em Portugal

A economia circular tem vindo a receber a atenção de várias empresas em Portugal. Mas muitas desconhecem ainda o potencial e as vantagens competitivas para os negócios deste modelo económico que será essencial para atingir as metas governamentais.
27 Janeiro 2019, 17h00

Considera que a economia circular é uma oportunidade para a economia portuguesa?

João Wengorovius Meneses, Secretário-geral da BCSD Portugal – Conselho Empresarial para o Desenvolvimento Sustentável

A economia circular é não só uma oportunidade para Portugal, como um requisito da sustentabilidade do nosso modelo de desenvolvimento, nomeadamente da implementação do Roteiro para a Neutralidade Carbónica 2050 e do Acordo de Paris, compromissos recentes do Governo português. Em Portugal, a produtividade dos recursos e a quantidade de resíduos produzida por euro de PIB gerado tem vindo a diminuir, mas ainda se encontra abaixo do nível médio europeu, pelo que há bastante espaço para evoluir em eficiência e em circularidade. De acordo com o estudo do BCSD Portugal “Sinergias Circulares – Desafios para Portugal”, de 2018, a indústria transformadora ainda gasta perto de 53% do seu volume de negócios em matérias-primas e despende 40% dos seus gastos com atividades de gestão e proteção do ambiente, no domínio de gestão de resíduos. Incorporar os princípios da economia circular permite mitigar o problema da escassez de recursos e da degradação ambiental, associados ao crescimento económico. O conceito de economia circular não é novo, muitas empresas têm vindo a desenvolver iniciativas no domínio da reutilização de materiais e resíduos, e da análise de ciclo de vida dos produtos. Passar de uma economia linear para uma circular implica ambicionar que os resíduos produzidos pelas atividades económicas sejam nulos. Para isso, grandes mudanças terão de acontecer e será necessário agir em várias frentes. No que diz respeito às políticas públicas, o BCSD Portugal tem seis tipos de recomendações que acreditamos que poderão acelerar a transição para uma economia circular, designadamente: alterações regulamentares para facilitar a transação de resíduos, promover as compras ecológicas, incentivar o conhecimento nas empresas, facilitar as condições fiscais e de financiamento, promover as plataformas coletivas para gestão de recursos e comunicar os resultados. Já relativamente às empresas, há desafios ao nível do design dos produtos e das cadeias de valor, das tecnologias de suporte, das simbioses industriais, do desenvolvimento de novos modelos de negócio e do desenvolvimento de novas soluções de financiamento. Em 2019, para além do trabalho regular da sua task force para a economia circular, com vista a apoiar as empresas no seu esforço de inovação para a circularidade, o BCSD Portugal irá lançar um hackathon, em parceria com a Smart Waste Portugal, através do qual se irão procurar resolver desafios concretos, com recurso a equipas multidisciplinares, compostas por designers, engenheiros, gestores e empreendedores. Acreditamos que economia circular é um desafio imenso que convoca todos e que envolve tecnologia, inovação e novos modelos de negócio.

Andreia Barbosa, Vice-presidente da Circular Economy Portugal

A economia circular oferece uma série de estratégias cuja aplicação pelos diferentes atores económicos (empresas, Estado, terceiro setor, cidadãos) pode resultar não só na redução de impactos ambientais, mas também numa redução de custos, na criação de emprego e na promoção de maior justiça social.

A economia portuguesa é pouco eficiente e produtiva materialmente. A relação entre output económico e input material é baixa, representando pouco mais de metade da média europeia. Há portanto muito a ganhar se alterarmos os processos de produção e consumo por forma a criar mais valor a partir de menos recursos. Veja-se o caso da construção: o setor é responsável por uma grande fatia de importações de matéria-prima, ao mesmo tempo que produz 40% dos resíduos nacionais. O país dispõe de infraestruturas capazes de transformar estes resíduos em agregados inertes que podem ser incorporados em nova matéria-prima para construção. No entanto, esta prática é residual.

Aproveitar esta oportunidade de melhoria depende da capacidade de ação dos diferentes atores económicos. No caso citado seria importante uma intervenção legislativa e fiscal do Estado, que poderia também, no recurso à contratação pública, exigir uma taxa exemplar de material reciclado ou reutilizado nas obras que promove. Mas há ainda muito a ganhar noutras áreas: se por exemplo as IPSS partilharem recursos entre si (equipamentos, instalações), realizam poupanças e melhoram serviços. Quando os cidadãos oferecem o seu tempo a iniciativas como a Refood, reduz-se o desperdício, assim como a pressão sobre os sistemas de gestão de resíduos, ao mesmo tempo que se dá uma ajuda a quem está em situação de precariedade.  Escolhemos estes exemplos para frisar que a “oportunidade” da economia circular não é apenas uma oportunidade de negócio, é uma oportunidade para criar uma economia mais harmoniosa, social e ambientalmente. A economia circular seria um conceito vazio se deixado apenas nas mãos do mercado.

Fernando Leite Administrador, delegado da Lipor – Serviço Intermunicipalizado de Gestão de Resíduos do Grande Porto

Para percebermos se a Economia Circular pode constituir uma oportunidade, se é preciso novas tendências de gestão, adotar novos modelos de negócio, teremos de analisar qual o contexto em que nos encontramos. Se tivermos como referencial importantes estudos que apontam para um aumento demográfico na ordem dos 9 a 10 mil milhões de habitantes em 2050, um aumento da extração dos recursos naturais, a redução das matérias-primas críticas e o aumento daprodução de resíduos, rapidamente percebemos que há uma necessidade de uma mudança deparadigma. E essa mudança terá de ter como premissa um crescimento económico sustentável que, na nossa perspetiva, só será possível se assente na concretização de estratégias que tenham por base a manutenção dos recursos o maior tempo possível em circulação e a sua reintrodução na economia, estratégias estas que fazem parte dos Princípios Basilares da Economia Circular. Se para as Empresas poderá ser um desafio, repensar o seu modelo denegócio? Sim, é verdade, mas não menos verdade é que esta abordagem dá uma vantagem competitiva no seu posicionamento, acrescentando benefícios económicos tangíveis. Mais, se associarmos a Agenda 2030 da ONU, que norteia as prioridades globais de um Desenvolvimento Sustentável, à Economia Circular verifica-se um total alinhamento com o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) “Garantir padrões de Consumo e Produção Responsáveis” – ODS 12. É neste alinhamento, bem como tendo por base o trabalho que a Lipor tem tido nesta matéria, que estamos certos em dizer que a Economia circular é “A” oportunidade para a economia portuguesa.

José de Melo Bandeira, Country Managerda Veolia em Portugal

Os pedidos que recebemos em Portugal para o desenvolvimento de soluções nesta área têm crescido significativamente e o mais interessante é que são cada vez mais integrados – água, energia e resíduos – revelando que a abordagem que as empresas estão a fazer ao tema da economia circular está a ser ambiciosa por um lado e muito responsável por outro.Vejo também várias cidades portuguesas a quererem fazer projetos, a quererem beneficiar da proximidade a parceiros industriais e científicos, o que mais uma vez é a melhor abordagem.Inovação e cooperação são chave para o sucesso da economia circular, que é também fundamental para o projeto de neutralidade carbónica que pretendemos atingir em 2050.Também as cidades não ficam alheias a esta nova realidade, sendo por excelência espaços privilegiados para a formação de sinergias entre empresas e sociedade civil verdadeiramente promotoras da economia circular.Cedo tomámos consciência do real impacto da escassez de recursos naturais num contexto de procura crescente e nesse sentido especializámo-nos em soluções que permitem fechar o ciclo dos materiais, criando uma economia baseada não apenas na recuperação, reciclagem e reutilização de recursos, mas sobretudo uma economia que se está a reinventar.Ao nível das indústrias, acreditamos estar a viver uma nova revolução industrial e a Veolia é hoje parceira de muitas empresas que estão já a implementar a suas próprias estratégias de economia circular, com benefícios ambientais e também económicos. Os bioplásticos produzidos a partir das águas residuais, resíduos orgânicos transformados em fertilizantes, eletricidade gerada a partir do biogás, são apenas alguns exemplos.

Pedro Lago, Diretor de sustentabilidade/ economia circular da Sonae MC

Sem dúvida! Repensar todo o sistema permitir-nos-á criar capital económico, mas também social e natural. Aliás, a atuação da Sonae MC nesta área tem comprovado isso mesmo. A economia circular é um novo modelo que procura maximizar a utilização dos recursos, evitando o desperdício e a poluição e procurando regenerar os sistemas naturais. A sua importância é fácil de explicar: o nosso principal recurso – o planeta Terra – já não é suficiente, e a economia circular é um instrumento fundamental para a sustentabilidade do planeta. No cenário atual de escassez de muitos recursos naturais críticos, de alterações climáticas e de padrões de consumos insustentáveis, a lógica do “take-make-dispose”, em que utilizamos recursos escassos de forma pouco eficiente, tem que ser revertida. Na Sonae MC há uma consciência coletiva do nosso impacto na sociedade, que faz com que sintamos como imperativo adotarmos também um papel de agente de consciencialização e promotor de mudança de comportamentos. Há um esforço muito significativo e equipas internas empenhadas em colocar este tema em cima da mesa e garantir que contribuímos para uma alteração no caminho pouco sustentável em que encarrilámos como sociedade. Porque acreditamos que isso é possível e temos vontade de fazer acontecer. Sendo esta uma área emergente, constitui naturalmente uma oportunidade e uma prioridade, até porque as coisas estão a evoluir muito rapidamente. Há hoje uma consciência política e social muito grande sobre o tema, e a pressão já se faz sentir e far-se-á sentir cada vez mais. Ou seja, para além das motivações endógenas, existem estas duas grandes forças de mudança – a regulação e a vontade do cidadão, nomeadamente enquanto consumidor. Para nós, acompanhar os clientes naquilo que são as suas necessidades e exigências, sempre foi e continua a ser máxima prioridade.

João Rodrigues, Country Manager da Schneider Eletric Portugal

Mais do que uma oportunidade é uma necessidade não só para a economia portuguesa, como para todas as economias mundiais. Na Schneider Electric, olhamos para o modelo circular como uma transformação estratégica global e fundamental sobre tudo o que fazemos, pensamos e utilizamos. Portugal, é disto um bom exemplo. O país está atento e sensível à importância deste tema, sobretudo em atividades económicas em que a questão da sustentabilidade já faça parte integrante do próprio modelo de negócio. É aqui que acreditamos estar parte da solução e é aqui que poderá estar a alteração da mentalidade do desperdício. Se a adoção de um modelo circular consiste num deliberado afastamento do sistema linear, baseado em “extrair, fabricar, descartar” que é, comprovadamente, prejudicial para o planeta e o clima, então o momento de agir é agora. A oportunidade está identificada e à vista de todos os agentes económicos, mas só será realmente uma oportunidade quando conseguirmos aprender a reutilizar os bens e os recursos de uma forma racional e equilibrada pois aqueles que estão ao nosso dispor serão cada vez mais escassos. Esta evolução para a economia circular é absolutamente necessária sobretudo para as empresas, dado que permite poupanças significativas, das quais destaco a poupança nos custos energéticos, mas outras também poderiam ser referidas e em simultâneo promovendo um mundo melhor para a comunidade em que se inserem. A Schneider Electric continua a impulsionar os seus esforços de circularidade através de um conjunto de metas ambiciosas. Em 2021, o Grupo pretende evitar o consumo de 120 mil toneladas de recursos primários e reduzir 120 milhões de toneladas de emissões de CO2 por parte dos seus clientes. Em 2025, o Grupo quer duplicar a quantidade de plástico reciclado nos seus produtos e, até 2030, pretende que 100% da eletricidade das suas instalações provenha de fontes renováveis (em comparação com os 30% de hoje em dia), que 100% dos resíduos sejam reutilizados e que todas as embalagens provenham de fontes recicladas ou certificadas.

Paulo Graça, Diretor Geral da Resíduos do Nordeste

A economia circular visa, estrategicamente, a promoção da prevenção, redução, reutilização, recuperação e reciclagem de materiais e energia, dissociando o crescimento económico do consumo de recursos.
As vantagens da economia circular são claras quer para o ambiente quer para a economia, na medida em que esta procura maximizar o valor e a utilização de todas as matérias-primas, produtos e resíduos, promovendo poupanças de energia e diminuindo as emissões de gases com efeito de estufa.
A nível comunitário, o denominado “Pacote da Economia Circular”, da União Europeia, tem contribuído para dar maior visibilidade ao papel e à importância do setor dos resíduos urbanos, colocando enormes desafios aos Sistemas de Gestão de Resíduos Urbanos (SGRU), na medida em que aponta para a obrigatoriedade do cumprimento de metas extremamente exigentes de preparação de materiais para reutilização e reciclagem e de diminuição drástica da deposição em aterro.
Em Portugal, estando em curso a revisão do Plano Estratégico para os Resíduos Urbanos, a transição para um modelo de desenvolvimento circular deve constituir um momento de viragem para o setor, em prol da prossecução dos objetivos de fortalecimento, sustentabilidade e efetivo crescimento na área dos resíduos.
A economia circular deve constituir-se, deste modo, como uma excelente oportunidade para o País evoluir para um novo patamar de desenvolvimento e crescimento económico, em que o setor dos resíduos assume um papel central, investindo na alteração de paradigmas de gestão de resíduos e na reciclagem, numa cadeia de valor que promove novos modelos de negócio baseados na circularidade da vida útil dos produtos e na partilha de infraestruturas e sinergias que envolvam todos os agentes económicos, desde produtores a consumidores, governo e cidadãos.

Susana Fonseca, Membro da Direção da Associação ambientalista Zero

A ZERO considera que promover uma economia circular é uma oportunidade e um imperativo, perante os limites impostos pelo próprio planeta e uma população mundial crescente. Dado que Portugal não é autónomo na maioria dos recursos que necessita, a economia circular é a solução mais inteligente pois permite: reduzir a necessidade de recursos através da promoção de estratégias de redução, por exemplo através do ecodesign e mesmo do questionamento da relevância social de alguns produtos e serviços; promover a extensão da vida útil de cada produto através da integração de critérios de durabilidade, reparabilidade e promoção da reutilização; promover a reciclabilidade dos produtos e a integração de materiais reciclados nos processos produtivos. Contudo, é fundamental que Portugal tenha presente que a reciclagem, no contexto de uma economia circular, é já o fim de linha, ou seja, é um elemento fundamental, mas que só deve ser acionado após o trabalho a montante em termos de redução e reutilização, reparabilidade, durabilidade. É fundamental não cair em facilismos de que será possível manter os mesmos padrões de produção e consumo. Que basta promover a reciclabilidade ou a substituição de materiais, por exemplo de origem fóssil por origem natural. Neste momento já consumimos muito mais recursos naturais do que deveríamos (as alterações climáticas são um resultado claro disso mesmo). A mudança terá que passar, necessariamente, por um enorme trabalho de prevenção do uso de recursos. Infelizmente, o Governo português não tem demonstrado esta visão de mudança, como é possível testemunhar na proposta para consulta pública do plano estratégico para os resíduos urbanos, onde em vez de se focar em promover a economia circular (onde Portugal enfrenta desafios enormes, ao ter que aumentar 35 pontos percentuais na reciclagem, dos atuais 20% para 55% em 2025), está a propôr investir40% de um orçamento já limitado, na queima de 11% dos resíduos (em total contradição com o previsto no roteiro para a neutralidade carbónica).

Lurdes Brandão, Business Developer, Certification and Business Enhancement da SGS Portugal Group

A economia portuguesa deverá manter uma trajetória de expansão nos próximos anos, apresentando um ritmo de crescimento em linha com o atualmente projetado pelo Banco Central Europeu (BCE) para o conjunto da área do euro. O Produto Interno Bruto (PIB) português atingiu 2,1% em 2018, estando previsto atingir 1,8% em 2019 e 1,7% em 2020. Esta evolução é sustentada no forte desempenho das exportações de bens e serviços, no dinamismo da Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF) e no crescimento do consumo privado, que será, em média, ligeiramente inferior ao crescimento do PIB, segundo o Banco de Portugal. O maior desafio para a economia portuguesa, e se pensarmos a par globalmente no facto de a população estar a crescer, será o de olhar para os recursos, materiais e energia de forma diferente. Deverá basear-se cada vez menos no modelo de economia linear assente no crescimento económico do consumo de recursos e da geração de externalidades negativas ambientais e sociais para uma economia baseada no valor (de longo prazo e com visão sistémica). A evolução sustentada que se ambiciona deverá ser baseada num conceito de Economia Circular, que é restaurativa e regenerativa por prinícpio, alternativo ao modelo linear de produção e consumo que prevalece atualmente na economia, com o principal objetivo de reorganizar e coordenar sistemas de produção e consumo em circuitos fechados, procurando preservar e aprimorar o capital natural; controlando os recursos finitos e equilibrando os fluxos de recursos renováveis; otimizando o rendimento de recursos fazendo circular produtos, componentes e materiais ao mais alto nível de utilidade durante todo o seu ciclo de vida, tanto no ciclo técnico quanto no biológico; e estimular a efetividade do sistema revelando e excluindo as externalidades negativas desde o princípio. No futuro, a avaliação do potencial das empresas, a diferenciação no mercado, e o desenho de um bom modelo de negócio estará assente nos príncipios de Economia Circular, sendo este motor de diversas oportunidades para a economia, agregando e recuperando valor de modo mais resiliente e sustentável. Não obstante, para que ganhe expressão e consiga atingir todo o seu potencial, a criação de soluções facilitadoras para essa transição, como a aposta numa educação de qualidade, poliíticas públicas específicas e infraestruturas direccionadas para a circularidade e tecnologias inovadoras, são fundamentais.

Hugo Pereira, Head of New Energies Division da Galp

Será necessariamente uma área de crescimento continuado, uma vez que o desenvolvimento da economia circular é cada vez mais um fator critico para qualquer país desenvolvido, dada a concentração da população em meios urbanos e a crescente produção de resíduos. O recurso a soluções primárias como os aterros para o depósito dos resíduos que produzimos não é sustentável – nem aceitável – quando hoje existem tecnologias que permitem gerar valor através da economia circular, com benefícios para a população e para as gerações futuras. É, todavia, necessário que exista maior foco dos agentes económicos, e em especial por parte do legislador, em garantir os mecanismos e incentivos que fomentem estes investimentos. A Galp tem vindo a desenvolver diversas iniciativas na área da economia circular nas áreas ligadas ao seu core business desde 2012, com o arranque da operação da Enerfuel, a 1ª fábrica de biodiesel produzido integralmente a partir de matérias primas residuais. Inicialmente, a principal matéria-prima eram resíduos de gordura animal. Hoje processa igualmente óleos vegetais usados. Esta atividade levou a empresa a olhar para o sector dos resíduos como uma nova fonte de aprovisionamento de matérias primas, desenvolvendo competências internas, procurando parcerias e trabalhando com operadores regionais na otimização da cadeia de valor. O que começou por ser uma necessidade para a sua produção própria, tornou-se hoje um requisito que também exigimos aos nossos fornecedores de biocombustíveis. Em todo o seu supply de combustíveis rodoviários em Portugal a Galp incorporou em 2018 cerca de 7,5% de conteúdo energético renovável (biocombustível), do qual mais de metade proveniente de matérias primas residuais, provenientes da economia circular, o que dá ideia da importância do mesmo para a empresa.

Sofia Santos, Especialista em sustentabilidade

A economia circular representa uma grande oportunidade de criação de emprego e de poupança no consumo de bens importados para Portugal. Na realidade, um estudo promovido pelo BCSD Portugal em 2018 e que analisou apenas o potencial da promoção das simbioses industriais, isto é, os resíduos de uma empresa que poderão vir a ser incorporados como matéria-prima noutra, concluiu que o potencial das simbioses industriais em Portugal poderiam gerar 1.300 novos postos de trabalho, 32 milhões de Valor Acrescentado Bruto adicional, uma poupança de 165 milhões de euros em consumos intermédios e uma redução de 5.45 milhões de toneladas de CO2 devido às poupanças efetuadas nos consumos. Tendo em conta que a economia circular é muito mais do que as simbioses industriais, podemos afirmar que a economia circular apresenta uma grande oportunidade de crescimento e de criação de emprego para Portugal. É necessário criatividade e também acesso a financiamento que consiga avaliar corretamente o potencial destes novos negócios. É necessário criar-se um enquadramento que promova a economia circular: quer na iniciativa privada quer na iniciativa pública. Em Portugal, esse enquadramento já existe através do Plano de Ação para a Economia Circular publicado em Diário da República em dezembro de 2017. Este plano identifica um conjunto de ações que devem ocorrer na economia e na sociedade portuguesa e que implicam uma pró-atividade por parte de todos os stakeholders. É importante ter presente que a legislação pode ser importante, mas só per si não será suficiente. É sempre necessário que o setor privado encontre oportunidades de mercado para produzir e disponibilizar um bem e serviço circular. Para isso, a legislação é relevante e o acesso a financiamento também. Ao nível da mudança da legislação, atrevo-me a dizer que a potencial revisão do processo de classificação de subprodutos, a alteração dos critérios para fim de resíduo, o desenvolvimento de algum tipo de política fiscal com descriminação positiva poderiam ter impactos catalisadores e positivos.

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