Teimosamente o país recusa a discussão, e a decisão, sobre as questões demográficas e sobre a não distribuição da população pela totalidade do território.
Dito de uma forma mais crua: recusamos agir sobre a nossa sobrevivência e sobre a nossa soberania.
Percorrer hoje o que convencionámos chamar interior é ver o desaparecimento das instituições do Estado, administrativas e policiais, é perceber que o investimento, público e privado, das últimas quatro décadas já não é amortizado por ausência de utilizadores e é verificar que, a curto prazo, tudo piorará.
Crianças não há, jovens escasseiam e os idosos ali permanecem sozinhos, isolados, vulneráveis. Genericamente pobres, dependentes de um Estado Social que a despesa pública e o endividamento vão destruindo. São os últimos resistentes de uma parte do país que teima em desaparecer. Este é um tema passível de várias abordagens, desde a coesão nacional à dignidade da pessoa humana, desde a reorganização administrativa autárquica que não conseguimos fazer até à desvalorização da propriedade.
No entanto, apelo aos leitores que, sem olvidar aquelas preocupações, respondam à questão: pode um povo que não ocupa o seu território exercer plenamente a soberania? Queremos, ou não, discutir e agir sobre a nossa capacidade para exercer a soberania sobre a totalidade do nosso território?
Esta realidade entronca numa outra, não menos importante, que é a de sermos cada vez menos e mais velhos. Cerca de 25% da nossa população tem mais de 65 anos, enquanto apenas 13,5% tem menos de 15 anos.
Para assegurar a substituição de gerações o valor mínimo de filhos por mulher é de 2,1. Acontece que nós estamos em 1,4.
Do mesmo passo, a nossa esperança média de vida tem vindo e vai continuar a aumentar. Só por isso a diminuição da população portuguesa não é mais acentuada. Vivemos na ilusão de um caminho colectivo para a solidão , para a sobrevivência suportada em pensões, pensões que a demografia se encarregará de fazer diminuir. O que está em causa, a prazo, parece ser a nossa sobrevivência enquanto povo.
Um povo que não se reproduz num território que não ocupa não vai trilhar os caminhos da sobrevivência, nem os da soberania.
Sabemos que não é para amanhã. Mas, por uma vez, talvez devêssemos deixar de ser escravos do curto prazo.
Talvez Fernando Pessoa nos possa motivar:
Ó mar salgado, quanto do teu sal
São lágrimas de Portugal!
Por te cruzarmos, quantas mães choraram,
Quantos filhos em vão rezaram!
Quantas noivas ficaram por casar
Para que fosses nosso, ó mar!
Valeu a pena? Tudo vale a pena
Se a alma não é pequena.
Quem quer passar além do Bojador
Tem que passar além da dor.
Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
Mas nele é que espelhou o céu.