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Prémio Nobel da Paz: Os maiores equívocos ou controvérsias da lista de vencedores

A presença de Donald Trump na lista de candidatos ao Prémio Nobel da Paz em 2018 está a gerar perplexidade, mas ao longo da história destacam-se vários exemplos de atribuição equivocada ou controversa do galardão. O qual nunca distinguiu, por exemplo, Mahatma Gandhi, líder do movimento de independência da Índia e precursor da desobediência civil não-violenta.
1 Outubro 2018, 19h54

O anúncio do vencedor do Prémio Nobel da Paz de 2018 será realizado na próxima sexta-feira, dia 5 de outubro, e na lista de 300 nomeados destacam-se dois nomes controversos: Donald Trump, presidente dos EUA, e Kim Jong-un, líder da Coreia do Norte. Juntamente com a de Moon Jae-in, presidente da Coreia do Sul, estas nomeações baseiam-se nos recentes desenvolvimentos políticos e diplomáticos na Península da Coreia, desde os encontros históricos de Jong-un com Jae-in até às negociações de paz e reconciliação e desembocando no acordo de desnuclearização da Coreia do Norte negociado por Trump. A possibilidade de Jong-un e Trump serem distinguidos com o Prémio Nobel da Paz está a gerar celeuma, mas na lista de vencedores do galardão ao longo da histórica encontram-se vários exemplos de equívocos ou controvérsias. O Prisma recorda alguns dos mais evidentes.

 

2012: União Europeia

A atribuição do Prémio Nobel da Paz à União Europeia em 2012 foi justificada com “as seis décadas de contributo para o avanço da paz e reconciliação, democracia e direitos humanos na Europa”. A importância histórica da União Europeia na consolidação da paz no respetivo continente é um facto incontornável, mas a distinção surgiu num dos seus piores momentos, em plena crise de solidariedade entre países-membros e durante a conturbada execução de programas de resgate financeiro na Grécia e em Portugal. O facto de vários países-membros fabricarem e venderem armamento também foi sublinhado pelos críticos da decisão do Comité Nobel Norueguês. A crise das dívidas soberanas entretanto foi debelada, mas a recente crise dos refugiados e os processos de regressão democrática em alguns países-membros como a Hungria e a Polónia voltam a colocar em dúvida a justeza do prémio em 2012.

 

2009: Barack Obama (EUA)

O recém-eleito presidente dos EUA, Barack Obama, recebeu o Prémio Nobel da Paz em 2009 “pelo seus extraordinários esforços para reforçar a diplomacia internacional e a cooperação entre povos”. Foi talvez uma das maiores surpresas de sempre, pois Obama assumira funções na Casa Branca há poucos meses. Na altura, a distinção foi interpretada como uma forma de prevenção ou de condicionamento do novo presidente dos EUA, ou seja, não se baseou no que Obama ainda não tinha feito, mas sim no que deveria fazer no futuro, nomeadamente terminar os conflitos no Iraque e no Afeganistão. O Comité Nobel Norueguês ainda invocou os apelos de Obama no sentido da redução dos arsenais nucleares e a tentativa de reativar as negociações de paz no Médio Oriente, mas o facto é que, naqueles primeiros meses de presidência, Obama já tinha ordenado uma escalada da guerra no Afeganistão e a intensificação das operações com drones que causaram centenas de vítimas civis. O próprio Obama reconheceu várias vezes que não merecia o prémio naquela altura.

 

1992: Rigoberta Menchú (Guatemala)

Indígena guatemalteca, Rigoberta Menchú foi galardoada em 1992 “como reconhecimento pelo seu trabalho em prol da justiça social e da reconciliação étnica e cultural baseada no respeito pelos direitos dos povos indígenas”. O trabalho de Menchú ganhou projeção internacional através de um livro autobiográfico – “Eu, Rigoberta Menchú” (tradução livre) – que publicou em 1982, retrato do seu percurso de vida e focado também no genocídio do povo maia na Guatemala. Em 1999, porém, a veracidade desse retrato foi contestada por um antropólogo norte-americano, David Stoll, o qual descobriu que partes da história tinham sido inventadas ou hiperbolizadas, com o objetivo de gerar um maior impacto nos leitores. A própria Menchú acabou por reconhecer essas falhas num livro que era suposto ser inteiramente factual.

 

1991: Aung San Suu Kyi (Birmânia)

É inegável a atuação heróica de Aung San Suu Kyi, ao longo de décadas, em defesa da democracia e da liberdade na Birmânia (entretanto rebatizada como Myanmar), tendo sido sujeita a prisão domiciliária entre 1989 e 2010 e demais privações. Recebeu o Prémio Nobel da Paz em 1991, distinguindo precisamente “a sua luta não-violenta pela democracia e direitos humanos”. Não conseguiu derrubar a ditadura militar, mas acabou por ser libertada, voltou a concorrer a eleições e assumiu mesmo as funções de Conselheira de Estado (cargo equivalente a primeira-ministra, ou chefe de Governo) em 2015. Foi uma solução de compromisso, pois os militares mantêm, no essencial, o controlo do regime. O prestígio internacional de Suu Kyi sofreu um forte abalo nos últimos dois anos, por causa da sua passividade em relação ao massacre da minoria étnica rohingya pelas forças militares de Myanmar. A Organização das Nações Unidas aponta para evidências de genocídio e pede que os líderes militares de Myanmar sejam julgados por crimes de guerra e contra a humanidade. Perante vários apelos no sentido de que o prémio seja retirado a Suu Kyi, o Comité Nobel Norueguês informou recentemente que isso não está previsto nos regulamentos.

 

1973: Henry Kissinger (EUA)

Neste ano o prémio foi atribuído ao líder comunista do Vietname do Norte, Le Duc Tho, e ao Secretário de Estado dos EUA, Henry Kissinger, “pelos Acordos de Paz de Paris de 1973 visando assegurar um cessar-fogo na Guerra do Vietname e a retirada das forças militares norte-americanas”. A polémica estalou desde logo com a recusa de Le Duc Tho em receber o prémio (a única recusa em toda a história do Prémio Nobel da Paz), considerando que a paz ainda não tinha sido estabelecida (de facto, a Guerra do Vietname ainda se prolongaria por mais dois anos, até 1975, quando o Vietname do Norte invadiu o Vietname do Sul e reunificou o país). Por seu lado, Kissinger aceitou o prémio, mas a ligação do Secretário de Estado norte-americano ao programa secreto de bombardeamento do Camboja (1969-1975), entre outras manchas no respetivo currículo político, ao ponto de o acusarem de crimes de guerra, suscitaram uma enorme controvérsia. Aliás, dois membros do Comité Nobel Norueguês demitiram-se em protesto contra a escolha de Kissinger.

 

1945: Cordell Hull (EUA)

Secretário de Estado dos EUA entre 1933 e 1944, Cordell Hull foi distinguido com o Prémio Nobel da Paz em 1945, por causa do papel que desempenhou na criação da Organização das Nações Unidas que substituiu a Sociedade das Nações nesse mesmo ano. Hull já tinha sido nomeado várias vezes para este prémio na década de 1930, pela participação em negociações de paz e no estabelecimento de acordos de livre comércio. No entanto, a distinção em 1945 não foi consensual. Em 1939, no início da II Guerra Mundial, o navio SS St. Louis zarpou de Hamburgo (Alemanha) com destino aos EUA, levando 950 refugiados judeus a bordo, numa tentativa de os salvar do Holocausto que se prenunciava. De acordo com os relatos históricos, o presidente dos EUA, Franklin D. Roosevelt, seria favorável ao acolhimento dos refugiados, mas a oposição de Hull e dos “democratas do Sul” (membros do Partido Democrata baseados em estados do Sul) terá levado à decisão de recusar a atracagem do SS St. Louis nos EUA. O navio foi então forçado a regressar à Alemanha, onde muitos dos 950 refugiados judeus acabaram por ser torturados ou mortos pelo regime nazista.

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