O agravar diário dos números de infetados e mortos com a Covid-19 exigiu um novo confinamento geral, piorando ainda mais as perspetivas de recuperação. O turismo e a aviação civil são dos sectores mais afetados pelo impacto da pandemia e estão umbilicalmente dependentes.
E Portugal não é exceção nesta matéria, antes pelo contrário. O agudizar do número de infetados e de mortos, o regresso ao confinamento geral e o aperto sucessivo das medidas restritivas estão a nublar cada vez mais as perspetivas de recuperação de um sector já muito castigado em 2020, com evidentes consequências para a economia nacional, não só a nível de PIB, mas também de exportações e de emprego.
Em entrevista exclusiva ao Jornal Económico, Francisco Calheiros, presidente da CTP – Confederação do Turismo de Portugal, revela que “o impacto provocado pela pandemia no turismo em Portugal é francamente negativo, o que nos coloca num cenário desolador”.
Qual o impacto da Covid-19 na atividade do sector do turismo em Portugal em 2020 em comparação com o ano anterior?
O impacto provocado pela pandemia no turismo em Portugal é francamente negativo, o que nos coloca num cenário desolador. A estimativa da CTP é de quebras de 65% em todos os seus indicadores em 2020. A nossa previsão é a de que as receitas turísticas devem situar-se nos 8 mil milhões de euros, o que representa um decréscimo de 57% face ao ano anterior. O impacto será negativo de cerca de 10 mil milhões de euros no saldo das contas externas portuguesas, colocando em causa o seu equilíbrio obtido nos últimos anos com a contribuição decisiva do turismo.
No que respeita ao saldo da balança turística, este deve situar-se nos 6 mil milhões de euros, menos 62% do que em 2019. Estimamos também uma quebra de dormidas na ordem dos 65%, com os proveitos totais da hotelaria, alojamento local, turismo no espaço rural e turismo habitação a registarem uma quebra na ordem dos três mil milhões de euros. No que se refere ao movimento de passageiros nos aeroportos nacionais, sofrerá uma quebra idêntica em termos de percentagem, e no que respeita aos passageiros de cruzeiros marítimos as quebras serão superiores a 80%. As receitas do transporte aéreo de passageiros deverão registar uma quebra na ordem dos 60%, atingindo cerca de dois mil milhões euros. A atividade do rent-a-car ligeiros de passageiros deverá também diminuir entre 65% a 70%, sendo que na componente turística a quebra será na ordem dos 80%.
Em termos de emprego, é preciso lembrar que o turismo em 2019 foi responsável por mais de 300 mil empregos diretos em 2019, entre alojamento, restauração e agências de viagem. Recordo também que, segundo o INE [Instituto Nacional de Estatística], entre fevereiro e setembro, a economia portuguesa perdeu 83,3 mil empregos, muito deles no turismo. As empresas estão a tentar manter os postos de trabalho, mas com as dificuldades que enfrentam poderão não o conseguir fazer por muito mais tempo.
Qual o impacto destas quebras na economia nacional como um todo?
Sendo o sector do turismo, a maior atividade económica exportadora do país em 2019, responsável por 52,3% das exportações de serviços e por 19,7% das exportações totais, e com as receitas turísticas a registaram um contributo de 8,7% para o PIB [Produto Interno Bruto] nacional, não será difícil concluir que o impacto será muito significativo. A economia portuguesa continuará a precisar do turismo, pelos seus efeitos multiplicadores, pelo seu contributo à balança de pagamentos, pelo valor acrescentado à economia, pela capacidade de geração de emprego, pelo desenvolvimento da sociedade, pela coesão territorial e social que gera, pela valorização das cidades e pela projeção da imagem do país.
Considerava-se que a Páscoa poderia ser um bom barómetro para a retoma da atividade do sector em Portugal. Ainda pode ser a ’tábua de salvação’ para os empresários do sector ou as melhores hipóteses apontam agora para o verão? Quais são agora as perspetivas de recuperação do sector que antes apontavam para 2023 ou 2024 como horizonte temporal para o ‘breakeven’ das perdas registadas em 2020?
O ano de 2021 continua a ser bastante incerto, com as economias mundiais sob grande pressão e estando o processo de vacinação ainda no início. O cenário agravou-se muito nas últimas semanas, nomeadamente, em relação ao número de infetados e também às medidas mais restritivas apresentadas pelo Governo. É um exercício de risco neste momento difícil fazer uma previsão até abril e muito menos desenharmos uma perspetiva do sector num horizonte tão longo como 2023 ou 2024. Mas de uma coisa temos a certeza: consoante as medidas impostas, e quanto mais restritivas forem, pior será para o turismo, e desta forma, para a economia nacional.
Quais são os segmentos e as áreas geográficas mais afetados pela pandemia no sector do turismo em Portugal?
Todos os segmentos do turismo foram afetados desde o início da pandemia, uns mais do que outros. O turismo vive de deslocações, e se estas não podem ser realizadas, devido ao confinamento e às restrições de circulação entre concelhos, será de esperar que todas as áreas geográficas e todas as atividades que tenham forte ligação ao turismo, tenham sido altamente afetadas pela pandemia. Recordo que há atividades que estão encerradas desde março, como é o caso da animação noturna.
O Eurocontrol prevê quebras de tráfego para 2021 e a retoma do sector da aviação civil apenas para 2024. Tendo em conta que Portugal é um destino em que cerca de 90% dos turistas chegam por via aérea, quais as soluções que preconiza para superar este cenário negativo?
A CTP elaborou um Plano de Retoma do Turismo Português, em que fizemos uma análise sobre a atual conjuntura do turismo português. Apresentámos um pacote de medidas para os diversos ramos da atividade, nomeadamente na aviação, apontando como prioridade o regresso ao quadro operacional de Open Skies, o apoio equivalente às que os concorrentes europeus vão ter, a criação de linha de crédito específica para o sector da aviação com as mesmas condições das demais criadas para os outros sectores da economia no âmbito dos apoios Covid-19; a isenção do IVA [Imposto sobre o Valor Acrescetado] sobre o combustível das aeronaves ao serviço das escolas de aviação; a isenção de taxas anuais de renovação dos certificados e licenças de exploração; a redução ou mesmo isenção das taxas de parqueamento das aeronaves até à retoma da procura; o alinhamento e clarificação das medidas de controlo sanitário e de reposição das condições de movimentação de pessoas na Europa; a flexibilidade laboral a nível de definição de horários e regime de turno e a reestruturação do SEF – Serviços de Estrangeiros e Fronteiras nos aeroportos.
Qual o balanço que fazem da atuação do Governo durante a pandemia?
Infelizmente, o atual cenário da pandemia em Portugal não nos permite fazer uma avaliação muito positiva. No que se refere às medidas de apoio à economia, lamentamos os sucessivos atrasos na sua aplicação. O tempo que medeia entre o seu anúncio e a chegada efetiva à economia real é demasiado longo. Nenhuma empresa tem reservas financeiras para resistir a 11 meses de encerramento.
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