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Presidente de Cabo Verde defende “descolonização mental” e “reparações históricas” de África

“É imperativo colocar África em primeiro lugar, com dignidade. Isso implica que os recursos africanos sejam colocados ao serviço dos africanos […]”, afirmou José Maria Neves, na cerimónia de abertura Ano Judicial do Tribunal Africano dos Direitos do Homem e dos Povos, que decorreu em Arusha, Tanzânia.
African Court on Human and Peoples’ Rights | Facebook
11 Fevereiro 2025, 22h41

O Presidente da República de Cabo Verde, José Maria Neves, pronunciou-se amplamente sobre o tema das reparações históricas na cerimónia de abertura do Ano Judicial do Tribunal Africano dos Direitos do Homem e dos Povos, que decorreu em Arusha, Tanzânia, preparando o terreno para a discussão agendada para os dias 15 e 16 de fevereiro, na Etiópia, no seio da União Africana (UA).

“Estou convencido de que a melhor reparação a realizar é esta: a descolonização mental. Sem ela, não será possível transformar o legado de opressão em força coletiva e emancipação”, afirmou o chefe de Estado cabo-verdiano, enquanto convidado de honra do evento anual, que decorreu naquela cidade africana, vista como um dos principais centros diplomáticos do continente.

Afastando uma “postura de lamentação”, José Maria Neves afirmou que “é imperativo colocar África em primeiro lugar, com dignidade”. “Isso implica que os recursos africanos sejam colocados ao serviço dos africanos, que as instituições regionais, como a União Africana, sejam reformadas e fortalecidas, e que os processos eleitorais sejam normalizados para garantir estabilidade e representatividade”, defendeu o governante de 64 anos.

Para o Presidente de Cabo Verde, o processo deverá contar não só com a “solidariedade ativa dos países que beneficiaram do comércio de escravos”, mas também, necessariamente, com “a responsabilidade dos próprios africanos em liderar a transformação do seu futuro”.

África precisa, enquanto continente, de “imprimir uma segunda descolonização”. “Uma descolonização mental que liberte as suas sociedades da dependência das narrativas neocoloniais. Dependemos ainda de histórias que não nos pertencem, de perspetivas que nos subjugam e de sistemas que perpetuam a desigualdade”, continuou o governante, na sessão dedicada ao tema “Promovendo a Justiça Através de Reparações”.

“A história de África está profundamente marcada pelo impacto devastador do tráfico transatlântico de escravos. Durante séculos, milhões de africanos foram brutalmente arrancados das suas terras, despojados das suas liberdades e forçados a alimentar, com o seu suor e sofrimento, as economias de outras nações. As repercussões deste crime histórico são imensuráveis e continuam a ecoar no presente, perpetuando desigualdades estruturais, marginalização social e feridas ainda por sarar”, sublinhou o chefe de Estado, afirmando que a reparação desse legado “não é uma opção, mas uma obrigação moral, política e social”.

“Este reconhecimento é o ponto de partida indispensável para a justiça reparadora, mas não pode ser o seu limite. Reparar significa agir. Não basta recordar os sofrimentos ou lamentar os erros do passado; é necessário traduzir este reconhecimento em iniciativas concretas que promovam o desenvolvimento inclusivo, a educação, a saúde e o fortalecimento das instituições de justiça. A restituição de bens culturais ilicitamente retirados do continente, o investimento em políticas públicas que enfrentem as desigualdades históricas e o apoio às populações mais vulneráveis devem estar no cerne deste esforço”, acrescentou José Maria Neves.

Sobre o desígnio do Tribunal Africano dos Direitos Humanos e dos Povos, estatuído no Artigo 1º do Protocolo da Carta Africana dos Direitos do Homem e dos Povos, o Presidente de Cabo Verde assinala “o compromisso do continente com a justiça e a reconciliação, mas devem ser plenamente operacionalizadas e dotadas dos recursos necessários para enfrentar as atrocidades do passado e promover a confiança no futuro”.

José Maria Neves pronunciou-se, ainda, sobre os conflitos em curso num “continente que carrega ainda as cicatrizes de múltiplos flagelos”, aludindo às tragédias humanitárias no Sudão e na República Democrática do Congo.

“Este continente, berço da humanidade, carrega ainda as cicatrizes de múltiplos flagelos – guerras fratricidas, divisões étnicas instrumentalizadas, incluindo o sistema do apartheid, injustiças criadas, impostas e perpetuadas – que não só marcaram o seu passado, mas continuam a comprometer o seu presente e o seu futuro. As consequências dos conflitos que atravessaram o nosso continente – e que, infelizmente, persistem em várias regiões, como o Sudão, as fronteiras da República do Congo ou o Sahel – não se limitam à destruição física. Estas guerras desenraízam comunidades, desmantelam estruturas sociais, económicas e políticas, e geram traumas intergeracionais que se perpetuam no tempo”, lamentou.

As reparações de África irão marcar, também, a 38.ª Cimeira dos chefes de Estados e Governo da União Africana, que começa esta semana.

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