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Prevenção de incêndios e transição energética: uma agenda para 2026

O Plano Nacional de Gestão Integrada de Fogos Rurais (PNGIFR), ou a referência ao plano específico, recentemente aprovado em Resolução do Conselho de Ministros, configura uma oportunidade estrutural para a sinergia entre políticas nacionais e a ação territorial, mobilizando autarquias, corpos de bombeiros e associações de proprietários. Portugal enfrenta um imperativo bioenergético e de segurança territorial: a proteção do risco de incêndio e a célere descarbonização da economia.
Manuel Pitrez de Barros, Diretor-Geral da CBN (Centrais de Biomassa do Norte)
31 Outubro 2025, 07h55

A minha experiência e contacto direto com o setor, nomeadamente através da minha participação nas Centrais de Biomassa Norte (CBNorte) desde 2019, revelou a asfixia burocrática no centro da gestão florestal: projetos cruciais de prevenção, submetidos por Associações de Produtores Florestais, demoram até três anos a receber aprovação e financiamento. Este hiato temporal é uma sentença de inação no terreno. Torna-se ainda mais crítico quando o Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) está manifestamente subdimensionado em recursos humanos e operacionais. A dedicação dos técnicos não é suficiente para a escala do problema; a ausência de capilaridade impede a execução de Planos Estratégicos que poderiam, comprovadamente, mitigar a violência dos fogos rurais.

A concretização dos planos exige a reversão da asfixia no ICNF, não só através de mais recursos, mas de uma potencial reestruturação orgânica, ponderando uma integração mais formal e financiada das Associações Florestais. Crucialmente, defendo a descentralização orçamental: cada delegação regional deve receber dotações anuais vinculadas a um Plano a 10 anos de Intervenção articulado com todos os stakeholders locais (associações, Corpos de Bombeiros, Proteção Civil e Autarquias). Só este modelo de financiamento previsível, com metas quantificáveis e responsabilização por inação, permitirá que o risco de incêndio seja combatido com a persistência exigida, e não apenas de forma reativa.

A governança do sistema é o pilar. O Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) deve assumir um papel de autoridade integradora, assegurando a coerência entre os macro planos e a execução micro-territorial. Embora as faixas de gestão de combustível e as infraestruturas de acesso sejam vitais, o foco não pode ser meramente logístico. A gestão do território tem de ser obrigatoriamente sinérgica com a transição energética. Proteger o capital natural, as vidas e os ecossistemas, enquanto se cumprem as metas de neutralidade carbónica, é o único caminho sustentável e resiliente.

Esta interdependência entre gestão do território e transição energética é o nosso paradigma de segurança futuro. A descarbonização é, intrinsecamente, um fator de mitigação de risco. Soluções como a promoção de sistemas energéticos locais eficientes – desde o uso estratégico de gás de transição, até à adoção de tecnologias de cogeração ou caldeiras mais limpas – não só reduzem a fatura energética das populações rurais, como se tornam elementos de engenharia da resiliência. Não se trata apenas de eficiência, mas de construir comunidades com capacidade de autossustentação face ao fogo e aos extremos climáticos. A convergência entre a política energética e a prevenção tem um efeito multiplicador inquestionável.

Neste quadro, a Biomassa para fins energéticos é uma solução de triplo dividendo. O aproveitamento sistemático dos sobrantes florestais – a principal carga combustível dos grandes incêndios – não só permite a diminuição imediata do risco no terreno, como converte esse resíduo em eletricidade renovável e estável, essencial para as metas de descarbonização. Mais do que isso, ao criar um mercado contínuo para a limpeza e manutenção, as centrais de biomassa fomentam uma floresta mais vigorosa, resiliente a pragas e doenças, e injetam dinamismo económico nas zonas rurais. Criam um círculo virtuoso: promovem o investimento, fixam mão-de-obra local e funcionam como um motor permanente de gestão ativa da floresta, sendo um contributo direto e incontornável para a proteção civil.

Portugal tem de romper com o ciclo vicioso das tragédias anunciadas, que persistem ano após ano. A questão que se impõe é: estará a liderança política à altura de converter a tinta da Resolução de Conselho de Ministros em ação estratégica, duradoura e descentralizada? A verdadeira prevenção não é apenas combate; é planeamento, financiamento contínuo e, sobretudo, a integração do binómio ‘Gestão do Território – Transição Energética’. Só assim deixaremos de reagir à catástrofe para, finalmente, construirmos a resiliência que o País merece e exige.

 

Este artigo é produzido pela CBN.

 

 

 


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