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Privatização da TAP vai ditar ambição de Portugal no corredor atlântico, destaca XTB

O sucesso da operação não se medirá só pelo preço, mas pela capacidade de preservar e desenvolver o papel de Lisboa como hub, a conectividade com o Brasil e África e a criação de valor económico interno (emprego qualificado, turismo, serviços associados como manutenção e engenharia). Leia aqui a análise da corretora da XTB sobre o que pode trazer a privatização da companhia aérea portuguesa.
28 Novembro 2025, 11h39

A TAP, depois de anos a ser vista como problema orçamental, transformou-se num ativo disputado pelos três gigantes europeus. O desfecho desta privatização dirá muito sobre o futuro mapa de hubs na Europa – e sobre a ambição de Portugal no corredor atlântico.

Para um analista financeiro, a privatização da TAP deve ser lida em três planos:
1. Plano de equity story:
○ A TAP deixou de ser um “poço sem fundo” e é hoje uma companhia rentável, mas ainda vulnerável a choque de custos e ciclo económico.
○ A venda de 44,9% é uma forma de cristalizar parte do valor criado após o resgate, transferindo o risco de execução futura para um parceiro.

2. Plano de consolidação setorial:
○ Quem ficar com a TAP reforça a sua posição no tabuleiro europeu – em particular no eixo Atlântico e na ligação à lusofonia.
○ Para a AF-KLM e Lufthansa, é uma oportunidade de contrabalançar a força ibérica da IAG; para a IAG, é a hipótese de praticamente fechar o flanco ibérico.

3. Plano político-estratégico para Portugal:
○ O sucesso da operação não se medirá só pelo preço, mas pela capacidade de preservar e desenvolver o papel de Lisboa como hub, a conectividade com o Brasil e África e a criação de valor económico interno (emprego qualificado, turismo, serviços associados como manutenção e engenharia).

Num cenário puro de mercado, a IAG provavelmente extrai as sinergias mais óbvias e, portanto, poderia justificar a maior disposição a pagar. Porém, o equilíbrio entre valor financeiro imediato, risco regulatório e garantias estratégicas para Portugal pode fazer com que uma proposta da AF-KLM ou da Lufthansa, mesmo com prémio ligeiramente inferior, seja politicamente mais aceitável e mais sustentável a longo prazo.

Os objetivos declarados da privatização são:
● maximizar a recuperação dos fundos públicos injetados na TAP durante a pandemia e o plano de reestruturação aprovado por Bruxelas (2,55 mil milhões de euros de ajudas de Estado);

● assegurar a sustentabilidade e competitividade de longo prazo da companhia

● proteger o hub de Lisboa e a conectividade com destinos estratégicos para Portugal (Brasil, Palop, comunidades emigrantes, Açores e Madeira).

Na semana passada, a Parpública confirmou ter recebido três manifestações de interesse de investidores que cumprem os critérios: Air France-KLM, Lufthansa e IAG (dona da British Airways, Iberia, Vueling, Aer Lingus e Level).

Ou seja: estamos perante uma competição entre os três maiores grupos europeus, com perfis estratégicos distintos, onde o vencedor ganha uma posição privilegiada no Atlântico via Lisboa.

Ponto de partida da TAP: ativos e riscos
• Situação financeira
Depois do resgate durante a altura pandémica e de uma perda de 1,6 mil milhões em 2021, a TAP regressou mais cedo do que o esperado aos lucros: 65,6 M€ em 2022 e um lucro recorde de 177,3 M€ em 2023.
Em 2024, já em contexto de normalização, a companhia sentiu pressão de custos com descida de 35% do lucro do 3.o trimestre para 118 M€, o que mostra que a rentabilidade ainda é relativamente frágil e sensível ao ciclo.

Segundo dados do Governo e de agências noticiosas, a TAP transporta hoje mais de 16 milhões
de passageiros/ano, com cerca de 118 aeronaves e cerca de 8.000 trabalhadores.
• Valor estratégico: hub e rede
O valor da TAP não reside apenas no balanço, mas sobretudo em três pilares estratégicos:
● Hub de Lisboa: geograficamente ideal para ligações Europa–América do Sul e Europa–América do Norte, com tempos de voo e conexões competitivos face a Madrid ou Paris;
● Profundidade na América do Sul, em particular no Brasil: atualmente voa para 13 cidades brasileiras, uma cobertura sem paralelo entre as companhias europeias;
● Rede em África e particularmente na África lusófona (Angola, Moçambique, Cabo Verde, Guiné-Bissau, São Tomé e Príncipe), totalizando 14 destinos africanos.

O CEO tem vindo a reforçar precisamente este ângulo – crescimento no Brasil e em África, com Lisboa como placa giratória atlântica – como argumento para atrair um parceiro que queira expandir nesta geografia e não apenas “absorver capacidade”.
O desenho da privatização: implicações para valuation
Do ponto de vista financeiro:
● Venda de uma participação minoritária (máx. 44,9%) implica que o investidor não consolida integralmente os resultados, o que tende a comprimir múltiplos face a uma aquisição de controlo;
● Em contrapartida, o decreto-lei prevê que o investidor estratégico ficará com a gestão operacional, dentro de limites acordados com o Estado, o que aumenta o valor estratégico (controlo de rede, frota, integrações comerciais) apesar da posição minoritária;
● O Governo quer maximizar o preço para recuperar o valor investido, mas também quer “investimento industrial” (frota, base de manutenção, digital) – logo, o critério não será puramente financeiro; pesará o plano estratégico apresentado.
Para os três candidatos, a TAP é menos um ativo financeiro isolado e mais um ativo de rede: slots em Lisboa, direitos de tráfego para Brasil/África e base de clientes no espaço lusófono.

4. Air France-KLM: reforçar o “triângulo” CDG–AMS–LIS
4.1 Posição no mercado
A Air France-KLM é um dos maiores grupos europeus, com mais de 320 destinos, baseando-se no modelo de duplo hub Paris-Charles de Gaulle (Air France) e Amesterdão-Schiphol (KLM).

Em 2023, gerou cerca de 30 mil milhões de euros de receitas, 1,7 mil milhões de resultado operacional e 990 M€ de lucro líquido, consolidando a recuperação pós-pandemia. Nos últimos anos, tem sido particularmente ativa na consolidação europeia:
● reforçou a parceria com a CMA-CGM na carga (ainda que parcialmente revista);
● avançou em 2025 para o controlo da SAS, prevendo deter 60,5% da companhia escandinava após a sua reestruturação e entrada na SkyTeam.

4.2 Sinergias potenciais com a TAP
Industrialmente, o encaixe é forte:
● Rede complementar: AF-KLM é muito forte no Norte da Europa, Ásia e parte da América do Norte; TAP domina Brasil e tem boa presença em África. A AF-KLM ganharia profundidade imediata nesses mercados.
● Terceiro pilar atlântico: Lisboa passaria a ser um 3.o hub natural do grupo para o Atlântico Sul, ao lado de CDG e AMS (hub altamente conectado na Europa);
● SkyTeam & fidelização: a TAP, atualmente fora das grandes alianças globais, poderia integrar a SkyTeam, captando tráfego de alimentação de Delta, Korean, Saudia, etc. Os clientes portugueses ganhariam acesso a uma rede muito mais ampla via Flying Blue;
● Compras e frota: sinergias em leasing, renovação de frota, manutenção e seguros. Do lado de Portugal, a principal vantagem é a possibilidade de:
● manter Lisboa como hub autónomo dentro do grupo, com vocação clara para Brasil/África;
● explorar melhor o turismo emissor do Norte da Europa via CDG/AMS para Portugal e CPLP.
Riscos e pontos de atenção:
● Capacidade financeira e foco: a AF-KLM já está a consumir capital com a aquisição da SAS e avalia ainda oportunidades em companhias como a Air Europa. Há risco de dispersão de foco e de que TAP seja “projeto no 3 ou 4o na agenda;
● Governança política: o capital da AF-KLM inclui os Estados francês e holandês; adicionar um terceiro Estado acionista (Portugal) numa estrutura já politicamente sensível pode criar complexidade em decisões estratégicas.

Lufthansa Group: TAP como nó atlântico da Star Alliance
• Posição no mercado
O Lufthansa Group é um grupo global com várias companhias de rede (Lufthansa, SWISS, Austrian, Brussels Airlines) e low-cost (Eurowings), estruturado em multi-hub (Frankfurt, Munique, Zurique, Viena, Bruxelas).
É o líder europeu em receitas e um dos maiores do mundo, e é membro fundador da Star Alliance.
Em 2025, concluiu o acordo para comprar 41% da ITA Airways (ex-Alitalia), com possibilidade de controlo total até 2033, sujeito a condições de concorrência impostas pela UE.
• Sinergias potenciais com a TAP
➢ Star Alliance & tráfego corporativo: integrar a TAP na Star Alliance reforçaria a oferta da aliança no Sul da Europa e no Atlântico Sul, ligando melhor Portugal à Alemanha, Suíça, Áustria e Europa Central.
➢ Rede complementar com a ITA: combinando Roma e Lisboa, o grupo teria dois nós importantes no Mediterrâneo/Atlântico para ligações com Américas e África, podendo otimizar capacidade entre ITA e TAP.
➢ Sinergias de custo: a Lufthansa é conhecida pela disciplina em reestruturações e poderia continuar a “afinar” a base de custos da TAP, partilhando centros de compras, treino, manutenção, IT e remuneração da gestão.
Para Portugal, haveria vantagens claras em:
➢ reforçar ligações com mercados de alto rendimento (Alemanha, Suíça, Áustria, Benelux);
➢ potencialmente desenvolver Lisboa como alternativa a Frankfurt/Munique para uma parte
do tráfego Atlântico, sobretudo lazer e migratório.
Riscos e pontos de atenção:
➢ Concorrência e antitrust: a Comissão Europeia já foi exigente na operação com a ITA,
impondo cedência de slots e outras condições para proteger concorrência em rotas
Europa–EUA e intra-UE. A adição da TAP pode levantar novas preocupações, sobretudo
em ligações Alemanha/Itália/Portugal–Américas;
➢ Hierarquia de hubs: existe o risco de Lisboa ser vista como um hub “secundário” face a
Frankfurt e Munique, com o grupo a canalizar o tráfego premium para a Alemanha,
deixando à TAP um perfil mais de lazer (margens mais voláteis).

IAG: consolidação da plataforma ibérica
• Posição no mercado
A IAG é o holding que resulta da fusão British Airways–Iberia, agregando hoje BA, Iberia, Vueling,
Aer Lingus e Level, entre outras.
Em 2024, o grupo registou receitas de 32,1 mil milhões de euros, 4,283 mil milhões de resultado
operacional e 2,732 mil milhões de lucro líquido, anunciando dividendos e programa de recompra
de ações de 1.000 M€, sinal de elevada geração de caixa e balanço saudável.
A IAG é particularmente forte em:
➢ Transatlântico premium via British Airways (Londres–EUA);
➢ América Latina via Iberia, com Madrid como hub natural;
➢ Mercado ibérico e mediterrâneo via Vueling e Level.
● Sinergias potenciais com a TAP
Aqui, as sinergias são óbvias – e por isso mesmo os riscos concorrenciais são altos:
➢ Plataforma ibérica integrada: com TAP + Iberia + Vueling, a IAG controlaria a grande
maioria da capacidade de bandeira na Península Ibérica, tanto em curto/médio curso
como em longo curso para a América Latina;
➢ Reforço no Brasil: a TAP e a Iberia têm redes fortes e parcialmente sobrepostas no Brasil.
Integradas, permitiriam otimizar frequências, horários e tipos de avião, potenciando a
redução de custos;
➢ Integração no oneworld/Avios: a TAP poderia entrar na oneworld, com o programa de
fidelização integrado Avios, tornando o produto de rede muito atrativo para o cliente
português, sobretudo em viagens para UK, EUA e América Latina.
Para Portugal, um cenário IAG poderia:
➢ transformar Lisboa no terceiro grande hub do grupo, ao lado de Heathrow e Madrid, com especialização em Brasil/CPLP e parte da África;
➢ gerar fortes sinergias de custos com a Iberia (manutenção, frota, negociação com fornecedores) e com Vueling (alimentação low-cost intra-europeia).
Riscos e pontos de atenção:
➢ Concorrência intra-ibérica: a combinação TAP–Iberia–Vueling levanta questões evidentes sobretudo nas rotas Portugal–Espanha, Portugal–Europa e Europa–Brasil/América Latina. O histórico da tentativa de fusão Iberia–Air Europa, travada com condições muito duras, é um aviso;
➢ Equilíbrio Madrid–Lisboa: existe o risco de Madrid continuar a ser o hub latino-americano prioritário do grupo, com Lisboa a tornar-se mais um “feeder” do que um hub independente, algo que o Estado português terá de acautelar em cláusulas contratuais (mínimos de capacidade/hubs).

Comparativo estratégico: quem oferece o quê à TAP (e a Portugal)? Em termos qualitativos, podemos olhar para quatro dimensões principais:

➢ Rede e posicionamento atlântico
○ Air France-KLM: cria um triângulo CDG–AMS–LIS, com Lisboa como porta principal para o Brasil e parte de África. Bom equilíbrio geográfico, pouca sobreposição direta no Brasil, mas concorrência crescente com a IAG nessa zona.
○ Lufthansa Group: adiciona um nó atlântico à rede Star centrada em FRA/MUC/ZRH/VIE, reforçando a presença no Sul da Europa, mas com maior risco de Lisboa ser subordinada aos hubs germano-suíços.
○ IAG: consolida a Península Ibérica como mega-hub europeu para o Atlântico, com grande sobreposição da rede TAP–Iberia no Brasil e América Latina – muitas sinergias, mas também o cenário regulatório mais complexo.

➢ Capacidade financeira e apetite por M&A
○ A IAG entra neste processo com elevada rentabilidade e forte geração de caixa, já a remunerar acionistas agressivamente – tem margem para pagar um prémio mais elevado.
○ A Lufthansa tem tradição de consolidador (SWISS, Austrian, Brussels, ITA), mas está também a consumir capital e sob escrutínio regulatório.
○ A Air France-KLM está a alavancar-se com SAS e potenciais movimentos na Air Europa; a sua capacidade de ir muito além, no que toca à oferta, pode ser mais limitada.

➢ Proteção do hub e do emprego em Portugal
○ Os três grupos terão de aceitar compromissos quanto à manutenção do hub de Lisboa e de uma massa crítica de emprego local – algo que o decreto-lei permite salvaguardar.

○ Em termos de risco percecionado:
■ Mais baixo com AF-KLM (Lisboa como 3.o hub especializado, pouca rivalidade direta);
■ Médio com a Lufthansa (multi-hub muito concentrado na Europa Central); Mais alto com IAG, dada a concorrência direta de Madrid e Barcelona.

➢ Probabilidade de aprovação regulatória
○ AF-KLM: terá de negociar com Bruxelas, mas a sobreposição de rotas críticas é menor; a probabilidade de aprovação é razoável.

○ Lufthansa: após a ITA, um novo dossiê com a TAP pode enfrentar ceticismo da Comissão, mas o histórico mostra que, com concessões, consegue aprovar negócios.

○ IAG: é o cenário com maior risco regulatório, sobretudo em rotas ibéricas e Atlântico Sul, podendo exigir medidas muito profundas (cedência de slots, obrigações de serviço público, etc.), o que reduz o valor líquido da operação para o grupo.


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