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Produção de eletricidade a partir de combustíveis fósseis caiu 15% em 2023

A Associação Portuguesa de Energias Renováveis (APREN) fez o balanço de 2023 e concluiu que a incorporação renovável atingiu um máximo histórico e que os preços de mercado de eletricidade estabilizaram em 2023.
Denis Balibouse/Reuters
9 Janeiro 2024, 21h32

A Associação Portuguesa de Energias Renováveis (APREN) fez o balanço de 2023 e concluiu que a incorporação renovável atingiu um máximo histórico; que a produção de eletricidade a partir de combustíveis fósseis apresentou uma redução de 15% face ao total de eletricidade do ano 2022; e que os preços de mercado de eletricidade estabilizaram em 2023.

“A incorporação renovável atinge máximo histórico, muito devido a um ano favorável em termos de regime hídrico e ao aumento geração solar fotovoltaica”, explica a associação.

Em comunicado a APREN diz que a capacidade renovável chegou aos 19 GW (gigawatts) sendo a meta de 43,2 GW até 2030.

A produção renovável solar aumentou, na ordem dos 43%, passando a representar 8,2% da produção anual total de eletricidade em Portugal, resultante do aumento significativo da capacidade instalada, acrescenta a APREN.

Muita legislação em 2023

O ano passado “ficou marcado pela publicação de vários elementos no âmbito do pacote europeu REPowerEU, como a revisão da Diretiva Europeia das Renováveis (RED III), a reforma do mercado de eletricidade ou o Net-Zero Industry Act”.

“A nível nacional, foi submetida a revisão ao PNEC2030, com novas metas para as renováveis, significativamente mais ambiciosas, passando de um total de 27,5 GW de potência renovável instalada até 2030, para 43,2 GW”, sublinha a APREN que diz ainda que ao longo do ano, verificou-se uma estabilização dos preços de mercado, ainda que com períodos mais acentuados de preços muito altos e muito baixos.

O que mais marcou o ano de 2023 no setor da eletricidade renovável?

“No ano anterior, o preço da eletricidade sofreu um aumento bastante significativo, no seguimento do aumento abrupto do preço do gás natural resultante da crise energética que inicialmente foi um resultado das sanções da União Europeia à Rússia, nomeadamente na redução das compras de gás natural. Em 2023, apesar de não ter havido um cessar-fogo por parte da Rússia, os preços do gás natural reduziram para valores não registados desde 2021, o que levou a uma redução dos preços horários da eletricidade”, refere a APREN em comunicado.

A nível nacional, esta redução de preços no mercado grossista da eletricidade resultou também de uma maior incorporação de renováveis na produção de eletricidade, “tornando obsoleto o mecanismo ibérico de limitação do preço do gás natural para produção de eletricidade”.

“O chamado cap, que veio estabelecer para o preço do gás natural um limite de 40 euros/MWh, contribuiu com uma poupança de 4,1 mil milhões de euros em 2022 e 680 milhões de euros em 2023”, realça a APREN que sublinha que entretanto, foi já anunciado pela Comissão Europeia que não será aplicado em 2024.

A nível europeu, a Comissão Europeia (CE) deu seguimento às iniciativas do pacote legislativo REPowerEU, que surgiu com o objetivo de reduzir a dependência dos combustíveis fósseis, em particular os russos, e acelerar a transição para energias renováveis, para um sistema energético mais resiliente e seguro, lembra a APREN.

Foi então lançada, em março, a consulta pública para o Net-Zero Industry Act (NZIA), “com uma proposta que demonstra o compromisso da CE em assegurar um papel de liderança na transição para tecnologias com emissões nulas e assegurar os objetivos do REPowerEU”. E posteriormente, foi publicada, em abril, a terceira versão da Diretiva das Renováveis (RED III), que estabelece a meta de incorporação renovável no consumo final de energia para 2030 de 42,5%, com um complemento indicativo adicional de 2,5 % que permitirá atingir os 45 %, para o qual todos os Estados-Membros devem contribuir.

“Para tal, a RED III incorpora uma série de novos objetivos e desenvolvimentos a temas já em curso, tais como a integração de energia renovável nos edifícios; o levantamento das zonas necessárias ao cumprimento das metas 2030; a definição das zonas de aceleração de implementação de energias renováveis; a maior participação pública; a definição das zonas para infraestruturas de rede e de armazenamento; a simplificação dos procedimentos de concessão de licenças; a adequação dos recursos das autoridades competentes; e a classificação de projetos de energia renovável enquanto projetos de interesse público superior”, destaca a APREN.

Foi também publicado em abril “o ato delegado relativo ao princípio da adicionalidade, que, juntamente com a RED III, estabeleceram novas metas para a produção de hidrogénio verde e os princípios necessários para a produção de RFNBOs (combustíveis renováveis de origem não biológica)”. Consequentemente, realça a APREN, “foi lançado um leilão piloto europeu em novembro de 2023, em que as candidaturas dos projetos estão abertas até dia 8 de fevereiro, e conta com 800 milhões de euros para projetos de produção de hidrogénio verde com uma potência mínima de 5 MW”. Dos critérios de avaliação do leilão “destaca-se a preferência de os equipamentos serem produzidos na Europa, assegurando o alinhamento com o NZIA”.

A APREN lembra que a nível nacional, “avançou-se com a simplificação dos processos de licenciamento ambiental, com a publicação do Decreto-Lei n.º 11/2023, que tinha já sido anunciado pelo Governo em 2022 enquanto novo pacote de medidas do Simplex”.

“Este diploma veio eliminar várias situações em que seria necessária uma análise caso-a-caso, a redefinição de limiares que sujeitam os projetos à necessidade de Avaliação de Impacte Ambiental (AIA), e a eliminação de AIA para a produção de hidrogénio verde”, refere a associação.

A APREN destaca que Portugal está a apostar em várias frentes que irão assegurar a transição energética, nomeadamente através do desenvolvimento do setor eólico offshore. Neste sentido, o Grupo de Trabalho dedicado ao offshore, criado pelo Governo ainda em 2022, no qual a APREN é parte integrante, “continuou os seus trabalhos durante 2023, para garantir que até 2030 estarão atribuídos 10 GW de potência de ligação e serão instalados 2 GW de capacidade”.

Paralelamente, a APREN faz também parte de outros grupos de trabalho criados pelo Governo em 2023, para garantir um trabalho participativo e colaborativo em diferentes áreas fundamentais e com desafios urgentes de ultrapassar no setor energético, como é o caso do Grupo de Trabalho para a Implementação de Parques Eólicos na Região de Trás-os-Montes; do Grupo de Trabalho Promoção da Competitividade dos Consumidores Eletrointensivos; do Grupo de Trabalho para medidas de proteção e de manutenção da área de sobreiro e de azinheira; do Grupo de Trabalho para a Constituição da Zona Livre Tecnológica de Abrantes; do Grupo de Trabalho dedicado às áreas de aceleração para energias renováveis; e do Grupo de Trabalho com o objetivo de promover a agilização da participação de municípios em autoconsumo coletivo e comunidades de energia renovável.

Electroprodutores produziram 44.128 GWh  de eletricidade proveniente em 70,7% de fonte renovável

No que se refere ao desempenho da eletricidade renovável em 2023, a APREN refere que todos os centros electroprodutores de Portugal Continental produziram, em 2023, um total de 44.128 GWh (gigawatts por hora) de eletricidade, proveniente em 70,7% de fonte renovável, atingindo um máximo histórico de produção renovável.

“Este total foi maioritariamente suportado pela tecnologia eólica, que representou 29 %, seguido da tecnologia hídrica com 27%, o solar fotovoltaico com 8,2% e a biomassa com 6,6%”, avança a APREN.

A produção de eletricidade a partir de combustíveis fósseis apresentou uma redução de 15% face ao total de eletricidade do ano 2022, devido ao aumento significativo na produção hídrica que registou um aumento de 13% face a 2022.

“Verificou-se ainda um significativo incremento na produção elétrica através do solar fotovoltaico, resultante da entrada em operação de novas centrais acrescentando, até ao fim de novembro, 1.053 MW à capacidade instalada nacional”, acrescenta.

Relativamente às importações de eletricidade, comparativamente a 2022, registou-se um ligeiro aumento do saldo importador de 9.258 GWh para 10.220 GWh.

A APREN frisa que apesar de ter sido registado o máximo histórico de incorporação renovável, que levou também à redução da produção a partir de combustíveis fósseis, considera-se que o aumento no saldo importador resultou do aumento do consumo face a 2022, “tornando a importação de eletricidade mais competitiva em termos de ofertas no mercado ibérico”.

“O ano fechou com dois meses de elevada produtibilidade renovável, acima dos 80% de incorporação renovável na produção de eletricidade (novembro com 83,4% e dezembro com 81,3%), o que somou para 2023 um total de 1.015 horas não consecutivas de geração 100 % renovável”, salienta a APREN que diz ainda que este facto resultou de uma “acentuada produtibilidade hidroelétrica e eólica, demonstrando-se assim a elevada resiliência do sistema elétrico nacional face a grandes níveis de integração renovável”.

“Destaca-se ainda um período de 6 dias, entre 31 de outubro e 6 de novembro, no qual a eletricidade de origem renovável superou as necessidades de consumo nacional, somando um total de 149 horas cujo preço médio verificado no mercado grossista foi de 19,17 euros/MWh, com algumas horas de preço mínimo zero”, conclui a entidade.

Quais os principais indicadores de 2023?

Verificou uma redução de cerca de 3 milhões de toneladas de dióxido de carbono associadas à elevada incorporação renovável registada em 2023 e à redução do uso da produção nas centrais térmicas de ciclo combinado a gás natural, o que conduziu a uma significativa redução das emissões do setor elétrico, destaca a APREN.

Apesar do elevado aumento da produção renovável, “o saldo importador manteve-se na mesma ordem de grandeza, apresentando até um aumento de cerca de 10%, o que impediu que se recorresse a produção de eletricidade não renovável com um maior impacte no valor das emissões à escala nacional”.

Destaque ainda para o facto de no total das emissões, englobando também a produção de eletricidade associada à cogeração e queima de resíduos urbanos, estimar-se “um decréscimo de 6,96 milhões para 3,60 milhões de toneladas de dióxido de carbono, uma redução muito significativa na ordem dos 52%”.

Estes importantes marcos do setor renovável resultaram em inúmeros benefícios para a sociedade, economia e ambiente, dos quais se destacam 9,7 Mt de emissões de CO2 evitadas; uma poupança em importações de combustíveis fósseis de 1.950 milhões de euros; uma poupança em importações de eletricidade de 626 milhões de euros; uUma poupança em licenças de emissão de CO2 de 750 milhões de euros;, reflexo do preço médio anual das licenças de 85,3 euros/tCO2; e uma poupança por efeito da ordem de mérito de 7.014  milhões.

O balanço da APREN destaca que apesar do ano positivo de 2023 em termos de números, “os maiores desafios do setor viram poucos desenvolvimentos e aumentou-se o nível de incerteza face ao desenvolvimento de novos projetos”.

Os números favoráveis “resultam sobretudo de um ano hídrico favorável e da entrada de capacidade solar em operação, no entanto, estes valores ficam aquém do necessário para atingir o nível descarbonização e competitividade da economia portuguesa necessárias”.

A APREN defende que a transição energética é fundamental para garantir um sistema energético seguro, uma economia competitiva e a descarbonização do setor. “Esta irá ainda garantir a redução dos custos para o consumidor final e reduzir a vulnerabilidade e exposição às tensões geopolíticas. Para tal, é preciso garantir que as estratégias e regulamentação do setor são implementadas e se tornam operacionais, criando visibilidade à concretização dos projetos e garantindo, assim, que se mantém a atratividade de capital privado”, sublinha

Apesar das várias revisões legislativas no setor, existem disposições essenciais continuam por implementar, lembra a APREN referindo-se ao licenciamento integral dos projetos, no que respeita à digitalização, agilização de procedimentos e redução dos pontos de contato.

Mas também “a necessidade do planeamento de rede e gestão da mesma em consonância com as necessidades de integração de maior capacidade renovável, não têm visto os desenvolvimentos necessários e por último, a readaptação das entidades envolvidas, face às necessidades de hoje e futuras, também urge”.

A APREN alerta que a inflação elevada e política monetária mais restritiva ao mesmo tempo que existe um mercado de eletricidade com previsões de preços com bastante mais volatilidade, “cria uma incerteza adicional aos investimentos futuros, principalmente no setor renovável que que se caracteriza por ser de capital intensivo com custos variáveis negligenciáveis”.

Apela assim à criação urgente de mecanismos de estabilidade aliados à previsibilidade de concretização do projeto em termos temporais, “por forma a segurar as decisões de investimento”.

“É preciso investir para criar valor, destacando-se que o setor da eletricidade renovável, com um quadro legítimo estável e visibilidade para implementação da estratégia atual, tem a capacidade através de investimento privado gerar mais de 200 mil empregos direto e indiretos técnicos e qualificados e ter uma contribuição de riqueza para o país que pode representar 5,9% do PIB até 2030”, conclui a APREN.

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