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Projeto de hidrogénio verde na Marinha Grande recebe aprovação ambiental

Projeto de 90 milhões de euros entra na fase de construção no final deste ano, com a produção a arrancar no início de 2027.
Paul Harrison/Creative Commons
11 Junho 2025, 07h00

O projeto Nazaré Green Hydrogen Valley (NGVH) recebeu aprovação ambiental, mas sujeita ao cumprimento de condições.

O promotor do projeto é a Rega Energy, que prevê um investimento de 90 milhões de euros para fornecer hidrogénio produzido a partir de fontes renováveis a várias empresas: Vidrala Gallo, BA Glass, Crisal e Secil Maceira.

Localizado nas freguesias da Marinha Grande e de Maceira, no distrito de Leiria, o objetivo do projeto é substituir o gás natural utilizado por estas fábricas por hidrogénio verde, isto é, sem emissões poluentes.

A fase de construção arranca em dezembro de 2025, com uma duração prevista de 16 meses, enquanto a fase de exploração terá uma duração de 25 anos.

Até janeiro de 2027, o projeto deverá iniciar-se, estando prevista a sua desativação em 2052.

A Rega Energy está sediada em Lisboa e é liderada pelo francês Thomas Carrier.

Segundo o promotor, o projeto NGHV “contribuirá de forma ativa para o cumprimento dos objetivos nacionais e europeus de descarbonização, em linha com a EN-H2. Assume uma especial relevância a nível local, por via do reforço da descarbonização e da sustentabilidade da indústria, da manutenção de postos de trabalho, da promoção do crescimento económico e da geração de emprego”.

“Na avaliação ambiental do projeto, verificou-se que este se destaca pela preservação e proteção de vários fatores ambientais, onde predominam os impactos negativos pouco significativos. Destaca-se o esforço realizado para o desenvolvimento do projeto, principalmente no que toca à seleção do traçado dos gasodutos, de modo a acomodar as indicações das entidades e as condicionantes identificadas pelos vários descritores”, de acordo com a Rega Energy no Estudo de Impacte Ambiental (EIA).

A autoridade competente em sede de Avaliação de Impacte Ambiental (AIA) é a Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Centro (CCDR Centro), que decidiu que “ponderados os impactos negativos e positivos e tendo em consideração que os impactos negativos são passíveis de minimização, emite-se decisão favorável condicionada ao cumprimento e implementação dos termos e condições expressos na presente” Declaração de Impacte Ambiental (DIA).

Entre as condicionantes previstas, encontra-se a garantia da “compatibilização das infraestruturas enterradas previstas no projeto (adutora, valas de cabos, gasodutos) com as infraestruturas existentes”.

Com estatuto de Potencial Interesse Nacional (PIN), o projeto terá uma capacidade instalada de eletrólise de 40 megawatts (MW), alimentada por eletricidade renovável comprada através de acordos PPA com garantias de origem.

Os dois gasodutos previstos funcionarão em regime de autoconsumo coletivo, um para hidrogénio e outro para oxigénio, instalados em paralelo, com uma extensão de 9,2 km e um diâmetro de 0,15 metros.

Por ano, a H2U terá a capacidade de produção nominal de 8000 Nm³/h de H2 e 4000 Nm³/h de O2 verdes, que irão substituir 20 milhões de m³ de gás natural consumidos nas indústrias vidreiras e cimenteira da região.

Em 2023, o grupo obteve um financiamento de 60 milhões de euros junto dos seus investidores, os franceses do Swen Capital Partners, fundo de investimento em infraestruturas de biometano e hidrogénio verde.

O modelo de negócio da Rega Energy “assenta na produção, na distribuição e no fornecimento” do hidrogénio verde. “A receita é baseada no que nos pagam pelo recebimento dessa energia. Somos o investidor da central e a nossa remuneração é baseada na energia que vendemos. São investimentos 100% privados, parte equity e outra parte é dívida, ou seja, investimento, investidores e banca”, disse ao Jornal Económico João Rosa Santos, diretor comercial da Rega Energy, em agosto de 2024.

Indústria vidreira nacional conta com mais de 300 anos

A história da indústria vidreira da Marinha Grande conta com quase 280 anos de vida, mas a história da indústria em Portugal começa longe da cidade do distrito de Leiria.

Há mais de 300 anos, foi inaugurada a Real Fábrica de Vidros de Coina, no distrito de Setúbal, a mais de 150 km a sul.

Esta iniciativa do rei D. João V tinha como objetivo diversificar a economia do reino, pois o país não produzia na altura.

Inicialmente, a fábrica pertencia à Fazenda Real, mas em 1731 passou a ter várias administrações privadas. Entre elas, a do irlandês John Beare, que transferiu a fábrica para a Marinha Grande, como recorda a Câmara Municipal do Barreiro.

A transferência, que ocorreu em 1747, deu-se devido a uma aparente disputa sobre o uso de combustível para a produção de vidro: o rei proibiu o uso de madeira dos seus pinhais. Em alternativa, começou-se a importar carvão (hulha) de Inglaterra, o que prejudicou a rentabilidade do projeto.

A Marinha Grande não foi escolhida por acaso: tinha acesso a bastante matéria-prima, como lenha, sílicas e argilas.

A fábrica entrou em decadência e, então, o Marquês de Pombal convidou Guilherme Stephens a assumir as rédeas, a mando do rei D. José I.

O empresário inglês já gozava de boas relações com Sebastião José de Carvalho e Melo e o monarca, pois tinham aceitado a sua proposta para uma fábrica de cal no vale de Alcântara, em Lisboa, recordou o “Diário de Notícias” em 2019. A amizade entre os dois perdurou, mesmo após a queda do Marquês de Pombal em desgraça.

A capital portuguesa tinha sido destruída pelo terramoto de 1755 e havia uma grande necessidade de materiais para reconstruir Lisboa.

Já em 1769, sob a direção do inglês Guilherme Stephens, a fábrica ganhou o estatuto de Real Fábrica de Vidros, elevando o seu prestígio.

“O estabelecimento de uma unidade de fabrico manual de vidros e vidraças no lugar da Marinha Grande deveu-se à necessidade de grandes quantidades de combustível para os fornos vidreiros, solução que passou a ser garantida pela proximidade do pinhal do rei ou de Leiria, cuja dimensão, administração estatal e recursos eram uma segurança para a fixação de uma indústria que consumia enormes quantidades de lenha para o seu funcionamento”, recorda Jorge Custódio no seu relatório final para um Programa de Valorização Cultural e de Ocupação Funcional do espaço da Fábrica de Vidros da Marinha Grande.

Guilherme Stephens morreu em 1803 e o seu irmão João Diogo Stephens ficou a liderar o projeto até 1825, ano da sua morte.

“No final da sua vida, Diogo Stephens deixou a Fábrica de Vidros com todo o seu património e pertences ao ‘Reino’ de Portugal, para o ‘benefício’ da ‘gente e famílias empregadas neste empreendimento’, assim como ‘a prosperidade, a estabilidade e a permanência acompanhem esta útil e bela fábrica, a benefício da Marinha Grande’ (Testamento, 24 de maio de 1825). Este acontecimento tornou-se simbólico e foi igualmente um momento genesíaco da comunidade vidreira e da história da Marinha Grande”, escreveu Jorge Custódio.

O Estado português “acolheu a herança dos Stephens ao longo de cerca de 180 anos, mantendo a sua responsabilidade pública de herdeiro e detentor da Fábrica de Vidros, assumindo o papel de um proprietário prudente que tinha de resolver, por um lado, a utilidade industrial da fábrica de vidros e sua rentabilidade económica e social, procurando evitar os efeitos nefastos para a economia e para os orçamentos de Estado e, ao mesmo tempo, perpetuando-a em nome da continuidade da indústria naquele lugar ao serviço dos vidreiros da Marinha Grande, dando cumprimento aos valores sociais determinados no texto dos testamentos dos Stephens, o que, em tempos de crise, também constituía uma garantia de trabalho e assistência aos seus artífices, operários e respetivas famílias, através de subsídios estatais ou soluções de oferta de trabalho no Pinhal de Leiria”, acrescentou.

A FEIS – Fábrica-Escola Irmãos Stephens acabou por fechar em 1992. “A ‘Fábrica Velha’ fechou há 30 anos e ainda se faz o luto na Marinha Grande”, escreveu o Jornal de Leiria em novembro de 2022, dando conta de que foi o “início do fim da indústria de vidro manual no concelho”. “As indústrias de vidro de embalagem e de cristalaria automatizadas da Marinha Grande prosperam hoje, mas soprar e manusear o vidro de forma artesanal é um ofício que já poucos dominam.”

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