“Um verdadeiro balde de água fria” que pode ser uma “machadada violenta e fatal” colocando em causa vários postos de trabalho e até empresas. É desta forma que o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (STA) que veio uniformizar jurisprudência em relação à aplicação da taxa reduzida de 6%, está a ser encarada pelo setor imobiliário e da construção, mas também por especialistas na área jurídica e fiscal. Esta decisão estabelece não apenas a delimitação de uma Área de Reabilitação Urbana (ARU), mas também a existência prévia de uma Operação de Reabilitação Urbana (ORU) aprovada, como condição para a aplicação da taxa reduzida de IVA (6%).
“A decisão do acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (STA) pode adiar ou anular vários investimentos em curso e abre espaço a uma crescente incerteza no mercado da reabilitação urbana, comprometendo seriamente o acesso à habitação”, afirma ao JE, Manuel Reis Campos, presidente da Associação dos Industriais da Construção Civil e Obras Públicas (AICCOPN), relembrando que de acordo com os Censos 2021, há 498 mil edifícios a necessitar de intervenções significativas.
Como tal esta decisão é de “especial gravidade”, uma vez que o acordão produz efeitos retroativos, que permitem à Autoridade Tributária (AT) corrigir declarações fiscais desde 2021. Desta forma, a AT pode exigir reposições de IVA e aplicar coimas e juros às empresas que, de “boa-fé”, implementaram a taxa reduzida com base na legislação até então em vigor.
Face a este cenário, a AICCOPN considera fundamental a “intervenção urgente do Governo”, no sentido de eliminar a exigência de uma ORU nas empreitadas de reabilitação urbana, protegendo as empresas e assegurando que este acórdão não tem efeitos retroativos.
“Há empresas que vão fechar”
Com a decisão do STA, as empresas que assumiram a aplicação da taxa reduzida podem agora enfrentar liquidações adicionais, que, em alguns casos, podem atingir os 17% de acréscimo sobre o valor da empreitada. Este impacto será sentido não só nos projetos já concluídos, mas também naqueles, cujas obras estão em curso ou a iniciar.
“O setor imobiliário e do investimento estão muito nervosos com esta decisão. Temos tido muitas queixas de todos os promotores e todos os investidores imobiliários, de todas as dimensões, não só dos grandes, mas acima de tudo, dos pequenos, porque isto pode ser uma machadada fatal em muitas empresas”, afirma ao JE, Hugo Santos Ferreira, presidente da Associação Portuguesa de Promotores e Investidores Imobiliários (APPII).
Para o presidente da APPII esta é uma decisão que vai significar a devolução de milhões de euros, algo que está fora do alcance de muitas empresas do setor e que coloca em causa vários postos de trabalho.
“Há empresas que vão fechar e vai ser uma machadada muito violenta. Respeitaremos naturalmente os tribunais, mas quando se fala em baixar preços, em tornar as casas acessíveis, o que vemos é precisamente o contrário. Acabámos de encarecer mais 17% o preço das casas que os consumidores queriam comprar, especialmente aquelas que são feitas em reabilitação urbana”, refere, assumindo que muitos promotores irão recorrer desta decisão junto do Tribunal Constitucional (TC).
Decisão vai “refrear o investimento privado”
Ouvido pelo JE, André Ribeiro, sócio da Pinto Ribeiro Advogados salienta que esta decisão terá um impacto muito significativo para o mercado imobiliário, uma vez que “vai agravar o preço final da habitação”, nomeadamente dos projetos de reabilitação urbana, mas também “refrear o investimento privado” em futuros projetos de reabilitação do muito edificado degradado ou em ruínas ainda existente.
“É bem sabido quão escassas são as operações de reabilitação urbana aprovadas. Para os projetos já concluídos, de 2021 até à presente data, esta decisão pode até levar a liquidações adicionais e correções tributárias muito onerosas para os promotores, provocando ainda maior litigância fiscal. Para os projetos em curso, uma visão mais formalista dos pressupostos da aplicação da taxa reduzida de 6% de IVA, pode significar a inviabilidade económica do projeto ou a repercussão do ónus fiscal sobre o comprador final”, explica.
Para o advogado, tudo isto poderia ser resolvido se o legislador tivesse o “cuidado de introduzir as alterações legislativas adequadas” a prevenir não só a insegurança jurídica como o “efeito perverso” da excessiva formalização do acesso a um incentivo fiscal essencial para promover uma maior acessibilidade dos cidadãos à habitação. “Algo que está sempre a tempo de o fazer”, realça André Ribeiro.
“História não acabou, mas há uma “incerteza que é muito má para o mercado”
A decisão do STA acabou por ser para Bruna Melo “um balde de água fria”, pelo facto das últimas decisões do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), terem sido na sua maioria em sentido contrário a esta decisão do Tribunal Administrativo. A Partner na área de International Tax and Transaction Services da consultora EY, diz ao JE que a única parte boa deste processo é ser passível de recurso.
“Ainda não é o fim da linha, a história ainda não acabou, mas tem um impacto imediato muito significativo para aqueles que estão a começar a definir planos de investimento e de promoção imobiliária e para aqueles que correm o risco de facto terem inspeções e terem que iniciar projetos de processos de litigância que são custos em entropia e burocracia que não interessa a ninguém”, afirma.
Um cenário que a responsável da EY vê como muito provável por parte da AT. “É possível que comece a abrir inspeções, a fazer liquidações adicionais nos casos em que perceba que os projetos estão a ser desenvolvidos em áreas para as quais não existe uma ORU e claro que vai abrir um nível de litigância ainda mais significativo”, salienta.
No entender de Bruna Melo mesmo o próprio Estado que pode ver os seus cofres a aumentar, irá sentir no final do dia os impactos desta decisão do STA. “Se houver uma reversão nesta decisão, e a possibilidade de terem que reverter tudo o que pediram aos contribuintes, o custo de litigância, mesmo para o próprio Estado, vai ser muito significativo”, sublinha.
Em suma, a decisão do Tribunal Administrativo cria “uma incerteza que é muito má para o mercado” e por isso a responsável da EY defende que é necessário perceber e trabalhar em formas de poder reverter esta decisão, caso contrário muitos projetos vão acabar por não sair do papel porque o promotor faz as contas e pode perceber que de facto, os números finais, tendo em conta, principalmente se forem construções dirigidas à classe média, que o preço de mercado pode não ser suficiente para cobrir o valor da obra.
“É importante perceber quais são os caminhos, quais são os riscos de um potencial questionamento por parte da Autoridade Tributária, enquanto este entendimento não é de alguma forma revertido”, refere.
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