Propinas mais altas para todos e ressarcimento para os diplomados que fiquem no país, é, no seu entender, uma boa solução?
A proposta avançada por Daniel Traça, diretor geral da escola de negócios Esade, antigo dean da NOVA SBE, em entrevista recente, ao jornal digital ECO, é aqui relançada pelo Jornal Económico em forma de pergunta junto de responsáveis de três escolas de negócios portuguesas: Óscar Afonso, diretor da Faculdade de Economia da Universidade do Porto (FEP), Maria João Cortinhal, diretora da Iscte Business School, e António Martins, professor da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra. No geral, os três responsáveis são favoráveis ao aumento das propinas, mas consideram que para resolver o problema da fixação dos jovens recém licenciados são necessárias medidas estratégicas mais amplas.
Óscar Afonso considera que devemos separar as questões. “Aumentar as propinas é fundamental para manter o bom funcionamento das Instituições de Ensino Superior (IES) – após duas reduções e vários anos de congelamento do seu valor –, que beneficia os estudantes”. Já a sua devolução, caso fiquem cá a trabalhar após o término dos cursos, é “uma opção política em vigor, mas muito discutível”, dado que “gera um custo e não muda comportamentos, estando desenhada como um prémio, não um incentivo”.
Na perspetiva do diretor da FEP, a solução de Daniel Traça só seria dissuasora da emigração jovem se “houvesse uma mudança total da filosofia de financiamento do Ensino Superior público e as propinas passassem a cobrir não uma pequena parte do custo dos cursos, como agora, mas a maior parte”, o que, acrescenta, “causaria outro tipo de problemas, como a necessidade de um sistema público de empréstimos estudantis, o endividamento de parte dos estudantes e a criação de mais desigualdades”.
As propinas máximas foram reduzidas nos anos letivos de 2018/2019 e 2019/2020 e congeladas a partir daí, sem que tenha havido uma compensação equivalente nas transferências do Orçamento de Estado. Isto, explica o diretor da FEP, significa que “o Estado tem estado a tentar fazer política social à custa das receitas próprias das IES, travando a sua progressão (e autonomia) e a melhoria das condições de ensino para os nossos estudantes – incluindo a atração e retenção de bons professores, investigadores e colaboradores com condições remuneratórias dignas –, que enfrentam um mercado de trabalho cada vez mais exigente e competitivo”.
Óscar Afonso considera, assim, que os valores correspondentes em falta deveriam ser repostos através do Orçamento de Estado para as IES na parte que faltar. No que respeita aos anos de 2021 a 2024, uma vez que as IES atualizaram os salários e outros custos, deveriam, pelo menos, “poder atualizar as propinas máximas pela inflação”.
Fazendo as contas à inflação entre 2021 e 2024 (17,6%), mais a prevista pelo governo para 2025 (2,3%), o diretor da FEP chega a uma atualização mínima de propinas de 20% apenas para compensar a perda real pela inflação, medida que deveria ter sido já aplicada em 2025. Para compensar este aumento defende um reforço significativo das bolsas de estudo de ação social, que salvaguardem os estudantes carenciados.
No início deste ano, o ministro da Educação, Ciência e Inovação admitiu a possibilidade de descongelar as propinas a partir do próximo ano letivo, dependendo das conclusões de um estudo em curso sobre o sistema de ação social no ensino superior. No Parlamento Fernando Alexandre clarificou há cerca de duas semanas que também a continuidade da medida de devolução de propinas para jovens que após o curso fiquem em Portugal aprovada pelo Governo de António Costa, está a ser avaliada.
Destas avaliações depende a continuidade ou o fim de ambas.
“Gostaria – diz Óscar Afonso – que se chegasse ao aumento de 20% só para cobrir a inflação, mas estou bastante cético”, adianta Óscar Afonso. Mesmo assim, salienta, “continuaria a haver uma descida real do valor das propinas face ao que vigorava em 2017/2018, antes dos cortes efetuados”.
Relativamente à atual devolução de propinas aos estudantes, lembra que não está desenhada como incentivo à permanência no país, mas como um “Prémio Salarial de Valorização das Qualificações”, que é a designação oficial. Acresce que esse benefício não acumula com o novo IRS Jovem – os jovens terão de escolher –, reduzindo um eventual papel de incentivo.
Maria João Cortinhal, dean da Iscte Business School, diz ao JE que a fuga de talento jovem para o estrangeiro é um problema que se prende com uma multiplicidade de fatores que derivam do enquadramento económico do País e coloca uma questão pertinente: Existirá alguma medida de combate à fuga deste talento jovem que possa produzir efeitos no imediato?
“A adoção de políticas públicas como o IRS para jovens e a devolução de propinas para jovens graduados que permaneçam em Portugal podendo ser medidas de incentivo à retenção de talento jovem em Portugal, não vão conseguir estancar o crescente fluxo de saídas”, afirma.
A solução, na sua perspetiva, terá que residir em “medidas estratégicas mais amplas que conduzam a alterações profundas no mercado de trabalho em Portugal, desde logo na oferta de carreiras promissoras e salários competitivos”. Mas estas serão medidas que, a serem tomadas, levarão o seu tempo a produzir efeito, salienta.
No caso do descongelamento das propinas, Maria João Cortinhal também diz ter mais perguntas do que respostas: Que impacto poderá ter? E como poderá impedir a fuga de talento jovem? A resposta a estas questões torna-se quase impossível, sem conhecer se existiriam e quais seriam as medidas complementares que iriam acompanhar esta decisão. Podemos pensar em implementar mecanismos de financiamento, similares aos praticados em países como o Reino Unido. Mas em que medida isso iria prevenir a fuga de talento? Poderiam ser implementadas políticas públicas que envolvessem a devolução de propinas aos que decidissem ficar em Portugal. Mas como iriam financiar as suas propinas, aqueles que carecem de poder económico?
“É difícil encontrar a solução certa e que produza efeitos imediatos na retenção do talento em Portugal”, afirma a dean da Iscte Business School, salientando: “de uma coisa estou certa: qualquer medida que venha a ser tomada não pode conduzir ao retroceder de um caminho já trilhado no acesso ao ensino superior público. O mérito dos candidatos ao ensino superior público tem que continuar a prevalecer sobre o poder económico das famílias”.
António Martins, professor Auxiliar da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra, lembra ao JE que quem permanecer em Portugal, depois de concluir os estudos, tem direito a receber um prémio salarial com um valor equivalente ao número de anos necessários à atribuição de licenciatura ou mestrado. O prémio salarial é de 697 euros na licenciatura, e de 1 500 euros no mestrado. (Decreto-Lei n.º 134/2023, de 28 de dezembro). Mas considerando os valores monetários que são tidos em conta na “devolução das propinas”, o professor tem dúvidas que essa devolução retenha em Portugal profissionais que emigram por razões de fortes disparidades salariais e perspetivas de carreira internacional.
“A devolução das propinas, conjugada com o IRS jovem, poderá ter efeitos em certas franjas de emprego jovem e na diminuição da propensão a emigrar. Noutras franjas ou áreas profissionais dificilmente o terá”, afirma.
Em conclusão, diz António Martins, “julgo que os efeitos combinados do IRS jovem e devolução das propinas não se farão sentir uniformemente nos jovens portugueses, tudo dependendo de um conjunto de variáveis”.
Entre outras, salienta: diferencial salarial à entrada na profissão, facilidade de mudança de empregador e progressão na carreira com incremento salarial, taxas marginais de tributação aplicadas aos incrementos salariais, procura mais ou menos intensa, a nível internacional, das profissões e formações em causa.
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