A Associação Portuguesa de Bancos (APB) escreveu ao Parlamento, no contexto da discussão, em sede de especialidade, da proposta de Lei do Governo do Orçamento do Estado para 2025, a alertar para o facto de a proposta do Partido Socialista de tornar definitiva, e alargar o âmbito da recente proibição temporária que ainda se encontra em vigor (até 31 de dezembro de 2024) de as instituições de crédito poderem cobrar comissões por reembolso antecipado do crédito à habitação, levar à redução ou mesmo desaparecimento dos contratos a taxa fixa ou mista.
A justificação da associação de bancos é que “sendo o financiamento dos bancos predominantemente de curto prazo, com condições de custo renováveis no muito curto prazo, a concessão de créditos a taxa fixa por períodos longo, requer a cobertura do risco de desencontro (mismatch) das condições remuneratórias do ativo e do passivo”.
Ora, “sendo interrompido o prazo inicialmente previsto num contrato de crédito a taxa fixa, o mutuante fica a exposto a um inesperado desencontro daquelas condições — agora de sinal contrário àquele de que se procurou proteger -, com o consequente risco em aberto ou custo da sua eliminação”, explica a APB.
“Estas (impropriamente chamadas) comissões visam permitir aos bancos ressarcir-se das perdas ou ganhos cessantes incorridos quando a duração dos referidos contratos de crédito é encurtada face à originalmente contratada e com base na qual foram feitos os cálculos para o seu equilíbrio económico”, refere a associação liderada por Vítor Bento.
“Alterando-se a duração prevista aquando da sua negociação, altera-se o equilíbrio económico do contrato e daí a possibilidade que a lei atualmente prevê de o mutuante obter uma compensação destinada a restabelecer o equilíbrio originalmente previsto”, defende a APB que acrescenta que “sendo legalmente impedida a possibilidade de se restabelecer o equilíbrio económico originalmente previsto na negociação dos contratos, no caso de a sua duração ser encurtada pelo mutuário, é natural que o mutuante venha a procurar proteger-se dessa adversidade nas condições originais dos futuros contratos”.
“O que, no final, pode acabar por conduzir a um resultado divergente da intenção visada pelo legislador, no que se poderá tornar num bom exemplo da chamada maldição das consequências indesejadas, que assombra as políticas públicas bem intencionadas”, segundo a carta da instituição presidida por Vítor Bento.
Assim, e “para que se não materializem os riscos que apontamos para os contratos a taxa fixa ou mista, acabando por estreitar, na prática, as alternativas de que os potenciais mutuários hoje dispõem — e que, como acima referido, têm vindo a ser extensamente usadas -, contrariando a intenção visada”, a APB defende que “seria importante que a norma contemplasse que, no caso de taxas fixas ou mistas, o eventual reembolso antecipado, durante o período de vigência da taxa acordada, os bancos pudessem cobrar a perda com o ‘desfazer da cobertura’, sendo a fórmula de cálculo desse custo apresentada ao cliente aquando da subscrição do empréstimo e sendo o valor concreto da aplicação dessa fórmula obrigatoriamente informado na data da eventual avaliação de reembolso antecipado”.
A Associação liderada por Vítor Bento pede assim aos deputados para estes argumentos sejam tidos em conta na discussão da proposta do PS, prevenindo, nomeadamente, “que as intenções visadas pela mesma não acabem asfixiadas por consequências indesejadas”.
“Seria importante que a norma contemplasse que, no caso de taxas fixas ou mistas, o eventual reembolso antecipado, durante o período de vigência da taxa acordada, os bancos pudessem cobrar a perda com o ”desfazer da cobertura”, sendo a fórmula de cálculo desse custo apresentada ao cliente aquando da subscrição do empréstimo e sendo o valor concreto da aplicação dessa fórmula obrigatoriamente informado na data da eventual avaliação de reembolso antecipado.
A carta enviado ao Parlamento de acesso público faz manchete de hoje no jornal “Público”.
A carta começa por contextualizar que “no quadro da discussão, em sede de especialidade, da proposta de Lei do Governo do Orçamento do Estado para 2025, o Grupo Parlamentar do Partido Socialista apresentou uma proposta de Aditamento ao seu artigo 164º, que, introduzindo uma nova alínea [f)] em tal norma, revoga o nº 5 do artigo 23º do Decreto-Lei n° 74-A/2017, de 23 de junho”.
O PS propõe que “o valor da comissão, a pagar pelo consumidor nos casos de reembolso antecipado parcial ou total, consta clara e expressamente do contrato e não pode ser superior a: a) 0,5/prct. a aplicar sobre o capital que é reembolsado, no caso de o reembolso ocorrer num período em que é aplicável o regime de taxa variável; b) 2 /prct. a aplicar sobre o capital que é reembolsado, no caso de o reembolso ocorrer num período em que é aplicável o regime de taxo fixa”.
A APB destaca que esta disposição legal prevê montantes máximos para as comissões de reembolso antecipado, suscetíveis de ser exigíveis pelas instituições mutuantes (bancos), no âmbito de contratos de crédito aos consumidores para imóveis destinados a habitação.
“No essencial, esta proposta do PS visa tornar definitiva, e alargar o âmbito da recente proibição temporária, que ainda se encontra em vigor, de as instituições de crédito poderem cobrar comissões por reembolso antecipado do crédito concedido aos consumidores para imóveis destinados a habitação”, resume a associação.
Na nota justificativa desta proposta do PS, é referido, enquadrando e fundamentando a sua oportunidade, que “o Decreto-lei n.°- 80-A/2022, de 25 de novembro, introduziu uma medida excecional temporária da exigibilidade da comissão de reembolso antecipado; apesar de as taxas Euribor terem vindo, mais recentemente, a ser revistas em baixa, os encargos com o crédito continuam a pesar nos orçamentos familiares, continuando, por isso, a opção pela amortização antecipada a ser uma opção relevante para aliviar os encargos com o crédito; os dados divulgados pelo Banco de Portugal mostram que um número significativo de mutuários tem optado pelo reembolso antecipado do crédito à habitação”.
“Em face destes elementos, conclui-se pela importância da manutenção, a título definitivo, da suspensão temporária da exigibilidade da comissão de reembolso antecipado”, fazendo-se ainda referência ao facto de ter o próprio Banco de Portugal manifestado ser favorável à continuidade desta suspensão”, defende o Grupo Parlamentar do PS.
A APB contesta, lembrando que com “o artigo 7.° do Decreto-Lei n.°- 80-A/2022, ainda hoje em vigor, pretendeu o legislador, num contexto de subida rápida do indexante de referência da taxa de juro mais recorrentemente utilizado em Portugal (Euribor), facilitar a transferência, para outras instituições, das operações de crédito em que o valor da prestação, a suportar pelo mutuário, variasse em função da variação da Euribor (i.e., a taxa variável), optando, em particular, por soluções de taxa fixa ou mista ou, por exemplo, afetando poupanças acumuladas ao reembolso parcial do crédito”.
Ou seja, detalha a APB, “com esta medida temporária ter-se-á pretendido promover a procura de soluções, que permitissem baixar a prestação (serviço da divida), em operações em regime de taxa variável, impactadas pela subida rápida do indexante Euribor”.
“Foi também tendo em conta o particular contexto que afetou [e continua a afetar, mas em menor medida] os mutuários de contratos de crédito com taxa Euribor, que a Administradora do Banco de Portugal, Professora Francisca Guedes de Oliveira, em entrevista, concedida ao jornal Expresso em abril de 2024, quando questionada sobre se ‘Via com bons olhos que o isenção da comissão de reembolso se prolongasse?”’- i.e., a medida de suspensão temporária da exigibilidade da comissão de reembolso antecipado em operações em regime de taxa variável- , respondeu que ‘tudo deve ser avaliado. O ad aeternum é sempre complicado. A isenção foi extraordinariamente positiva e não vejo porque, no curto prazo, não possa ser mantida”, cita a APB.
No entanto a associação ressalva na resposta de Francisca Guedes de Oliveira a parte em que diz que “não se deve tornar esta suspensão de temporária em definitiva, mas antes equacionar a oportunidade, necessidade e adequação da prorrogação da sua vigência”. Em segundo lugar, “esta posição apenas se refere à comissão em contratos em regime de taxa variável, que não também em regime de taxa fixa”.
“Com efeito, e conforme melhor se explicitará infra, a comissão de reembolso antecipado em contratos em regime de taxa fixa, não visa apenas compensar o banco pela perda de expetativas de obtenção de uma remuneração (juros) pelo financiamento já concedido, visa também ressarci-lo dos custos e riscos em que este incorre para poder oferecer ao seu cliente uma taxa de juro fixa”, sublinha a APB.
A instituição liderada por Vítor Bento evoca a diretiva europeia que enfatiza que “os Estados-Membros deverão ter a possibilidade de definir condições para o exercício, pelos mutuários, da possibilidade de reembolso do seu crédito, especificando-se, no seu considerando 66, que essas condições poderão incluir limitações temporais ao exercício do direito, tratamentos diferenciados em função do tipo de taxa devedora ou restrições quanto às circunstâncias em que o direito pode ser exercido”.
Se o reembolso antecipado ocorrer durante um período em que a taxa devedora é fixa, o exercício desse direito poderá ser condicionado à existência de um interesse legítimo por parte do consumidor, especificado pelo Estado-Membro. Esse interesse legítimo poderá verificar-se, por exemplo, em caso de divórcio ou de situação de desemprego. As condições estabelecidas pelos Estados- Membros podem também prever que o mutuante deva ter direito a uma indemnização justa e objetivamente justificada pelos eventuais custos diretamente relacionados com o reembolso antecipado do crédito“, ainda segundo a diretiva transposta para o direito nacional em 2017 citada pela APB na carta.
“Como se deixa antever neste considerando, se o mutuário puder livremente reembolsar o seu crédito, então, e em particular se a taxa devedora for fixa, o banco deve ter direito a receber uma indemnização pela perda financeira que, por regra, se lhe encontra associada”, sublinha a associação.
“De forma a gerir, de forma sã e prudente, o risco de taxa de juro, os bancos contratam coberturas de risco de taxa de juro do financiamento que concederem a taxa fixa”, refere a associação que lembra que “se o mutuário reembolsar antecipadamente um empréstimo contratado em período de aplicação de taxa fixa, o cancelamento das coberturas de risco de taxa de juro ou do custo de oportunidade do financiamento – que, na gíria financeira, são habitualmente designados por ‘Break Costs’ – geram uma perda financeira para o banco”.
“O montante desta perda não é antecipável ab initio, não sendo, de resto, independente do momento em que o cliente efetua o reembolso antecipado do crédito, e, consequentemente, do custo de liquidação da operação de cobertura do risco de taxa de juro contratada pelo banco”, explica a associação que defende os interesses dos bancos.
Ora, se estas comissões visam compensar os bancos de um custo, e se, por imposição legislativa, deixarem de poder obter tal compensação, a oferta, generalizada pelo mercado, de taxa fixa, terá de refletir este custo, tornando-a, por isso, mais cara, alerta a APB.
“Note-se que, apesar de se designar ‘comissão’, este valor não se destina a remunerar um serviço, mas sim (…) a compensar uma perda financeira que resulta tipicamente para o banco em caso de amortização antecipada de um financiamento, sobretudo se este ocorrer num contrato/período de taxa fixa. Ou seja, permitir ao banco ressarcir-se face a um prejuízo/custo efetivo que terá de suportar”, detalha a associação.
“Como se tem concluído e evidenciado em diversos estudos, a impossibilidade de os mutuantes [bancos] cobrarem comissões de reembolso antecipado em mútuos como os de financiamento para a habitação (em que os contratos, por regra, vigoram por longos períodos), sobretudo, quando o regime de taxa é fixa, em vez de favorecerem o consumidor (como se poderia ab initio entender), desprotegem-no”, conclui a APB.
Por isso, resume a associação, as soluções propostas pelo PS, “caso apontem para uma impossibilidade legal de as instituições mutuantes repercutirem, nos clientes, os custos em que incorrem, nomeadamente, para oferecer taxa fixa, em vez de favorecerem a redução dos custos do crédito, encarecê-lo-iam, podendo mesmo conduzir a uma redução da oferta disponível para os consumidores portugueses face (…) à necessidade de as instituições gerirem adequadamente os seus riscos, nomeadamente de taxa de juro, e não porem em causa a sua estabilidade financeira”.
“Tais propostas, em vez de potenciarem os objetivos prosseguidos pela medida de suspensão temporária da exigibilidade da comissão de reembolso antecipado em operações em regime de taxa variável prevista no Decreto-Lei n.°- 80-A/2022, fragilizá-los-iam”, alerta a APB.
A APB defende que “se uma prorrogação da suspensão da exigibilidade, a título temporário, da comissão de reembolso antecipado em operações em regime de taxa variável poderá continuar a permitir, ainda de que forma já marginais, baixar a prestação em operações com tal regime de taxa, uma proibição generalizada e definitiva de cobrança de tais comissões encarecerá a oferta de crédito”.
“Contribuirá, de resto, para que Portugal, afastando-se do regime comum europeu aplicável nesta matéria, se afaste também das soluções aplicáveis nos demais Estados europeus, reconhecidamente mais favoráveis aos interesses de proteção do mutuário de crédito à habitação”, detalha a associação que enfatiza ainda que “soluções que apontem para inexigibilidade da comissão de reembolso antecipado em operações em regime de taxa fixa, nem a título temporário, não terão qualquer vantagem para os mutuários, apenas encarecerão a oferta de taxa fixa”.
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