No dia 11 de Novembro de 2021 completam-se 46 anos da independência de Angola, alcançada depois de 14 anos de guerra contra as autoridades coloniais portuguesas. Passado quase meio século de independência torna-se relevante reflectir sobre o caminho trilhado até agora, visto que os sonhos e as ilusões proclamados pelos nacionalistas angolanos continuam adiados e hoje muitos angolanos nascidos no pós-independência, como eu, já não conhecem tais sonhos.

Durante 27 anos (1975-2002), Angola manteve-se adiada pela guerra civil que deflagrou logo depois da declaração da independência, porque os três movimentos nacionalistas (FNLA, MPLA e UNITA) nunca conseguiram chegar a um acordo político ou consenso quanto ao destino do país. Decidiram, assim, fazer da guerra a única forma de resolução da contenda política, o que acabou por afectar milhares de angolanos, cujas vidas foram ceifadas pela guerra.

Da guerra nasceu uma sociedade civil débil e fragilizada pela situação de violência extrema. O poder das armas imiscuía-se nas decisões sobre o destino do país, ameaçando o direito à vida e à morte dos cidadãos angolanos. Os angolanos foram, assim, submetidos à zona de indistinção que, segundo Achille Mbembe no texto “Formas africanas da escrita de si”, é um espaço fora da jurisdição humana, onde as fronteiras entre a lei e o caos desaparecem, as decisões sobre a vida e a morte se tornam totalmente arbitrárias e tudo passa a ser possível.

Com o findar do conflito armado em 2002, a sociedade civil angolana não consegue, ainda, constituir-se como um espaço de liberdade ou de possibilidade de realização do sujeito angolano. Por isso, tornou-se quase natural encontrar cidadãos angolanos na condição de mendicidade e de extrema pobreza, os não sujeitos. Isto ocorre em razão de existir uma sociedade civil fraca e não autonomizada face ao poder político.

O pós-independência está, ainda, marcado pelo estado da soberania do poder político e pela sujeição do povo ao poder político, apesar de as Constituições angolanas proclamarem sempre que “o povo é o detentor da soberania” formal e abstractamente.

A conquista da independência com recurso a uma luta armada e reforçada, posteriormente, por um estado de guerra acabou por conceder ao poder político um direito, exclusivo e desmedido, para determinar os desígnios do país, moldando-os a seu bel-prazer.

O Executivo passou a exercer, desta forma, uma espécie de biopoder que lhe garante o controlo sobre a vida e a morte dos cidadãos, principalmente dos críticos do estado de coisas actuais. Esta prática política tornou-se possível porquanto as esferas do privado e do público já não existem como campos automatizados na era moderna, segundo Hannah Arendt.

A ruptura entre as esferas privada e pública tornou-se quase natural face à legitimidade revolucionária e ao estado de guerra do país no pós-independência, sendo estas as duas modalidades de imposição de autoridade política aos angolanos. Olhando para a génese do poder político em Angola, passou a concluir-se que o projecto político para uma Angola do pós-independência não poderia ser viabilizado fora desta lógica de poder.

Assim, qualquer tentativa de autonomização de um pensamento crítico passa a ser encarada como afronta ao statu quo, daí advindo vários riscos para os sujeitos que ousam alinhar com qualquer atitude de ruptura.

Muitos sujeitos angolanos autoproclamam-se revús ou activistas, actualmente, demonstrando que ser um mero angolano já é, em si, insuficiente e procuram também projectar uma Angola diferente do sonho dos independentistas.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.