Com a vitória de Donald Trump termina mais uma frenética corrida à Casa Branca. Enquanto os americanos estão ainda a digerir o resultado eleitoral, no outro lado do Atlântico, a maioria dos cidadãos europeus receberam a notícia com frustração e muita apreensão. Desde o início da corrida, Trump tem sido sinónimo de xenofobia, racismo e isolamento, conceitos inteiramente dissonantes com os valores-chave da identidade europeia de respeito pela liberdade e dignidade humana.

De facto, a agenda da política externa da futura Administração Trump está repleta de questões de alta importância tanto para a segurança americana como para a segurança global, como o terrorismo, a imigração, a expansão do Estado Islâmico e o futuro de países estratégicos como a Rússia, Cuba, Irão, Coreia do Norte e China. Contudo, para nós europeus, a maior preocupação deverá centrar-se na abordagem do futuro governo americano para com o despertado urso polar, a Rússia, posição essa que terá o maior impacto na segurança europeia.

Os EUA sempre foram o ator-chave na proteção e promoção da segurança europeia desde o fim da Segunda Guerra Mundial. O plano Marshall, que permitiu a reconstrução da Europa e a união entre os Estados da Europa Ocidental em 1947, foi uma iniciativa americana. Ao mesmo tempo, a Organização do Tratado do Atlântico do Norte (NATO) – criada em 1949 entre os EUA, Canadá e Europa Ocidental, com o principal objetivo de garantir uma defesa comum entre as partes perante a ameaça soviética – permanece ainda hoje o principal garante de segurança no mundo Ocidental.

Na mesma linha política, durante a campanha eleitoral, Hillary Clinton prometia aumentar as sanções contra a Rússia, pela anexação da Crimeia e Sevastopol; apoiar uma maior independência energética da Europa, nomeadamente face aos recursos energéticos russos; e expandir a defesa antimíssil na Europa de Leste.

Em contraponto à candidata democrata, Donald Trump declarava que irá estabelecer relações diplomáticas e de trabalho mais fortes com a Rússia, mais precisamente com o seu líder Vladimir Putin, enfatizando que deverão ser os próprios europeus a pressionar diplomaticamente a Rússia. Por conseguinte, o apoio americano à NATO deverá diminuir consideravelmente, forçando os países europeus a assumirem uma crescente responsabilidade pela sua própria defesa, tanto em termos militares como financeiros.

Neste quadro, Putin foi um dos primeiros líderes mundiais a congratular Trump pela sua vitória nas eleições, divulgando o seu otimismo perante um futuro de reaproximação entre os dois países. De facto, e na sequência da imposição de sanções à Rússia desde março de 2014, Putin ambiciona agora desenvolver uma abordagem relacional diferente, mais calculista e pragmática, com o novo Presidente americano.

Contudo, na realidade Donald Trump é muito menos previsível do que Obama e, por isso mesmo, potencialmente mais “alarmante” para o Kremlin e para o mundo. Trump é um homem de negócios inteligente e feroz, sem registo de atuação política no terreno. As decisões do novo governo americano decerto continuarão a ser ditadas pelo interesse nacional, mas possivelmente de uma forma mais pragmática, simples e oportunista, refletindo a personalidade “buldózer” de Trump e o modo de atuação “todo-o-terreno” que o caracteriza.

Porém, e considerando que é um excelente homem de negócios, esperamos que Trump rapidamente perceba que, num mundo globalizado, o isolamento custa mais do que o multilateralismo, e de que o crescimento económico nacional está diretamente ligado a um mundo em segurança, onde as alianças entre Estados e povos contam decisivamente.

É neste contexto de acrescida incerteza da agenda americana que a Rússia, seguramente, sentirá saudades do previsível e pacifista Obama.