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“Quando Itália pediu socorro, a resposta da Europa foi silêncio”. Britânico “The Guardian” traça cenário pandémico em Itália

A chegada do Ano Novo, a preocupação com o Brexit, a lenta resposta a uma doença subestimada e a falta de stock de equipamentos de proteção individual fizeram com que o vírus ganhasse terreno em Itália e cavalgasse por toda a Europa. Como o britânico “The Guardian” retratou a aceleração da Covid-19 em território italiano.
16 Julho 2020, 08h00

Em pleno mês de fevereiro, quando se verificou uma aceleração da propagação da Covid-19 na Europa, Itália foi o país mais impactado tendo o número de infetados com Covid-19 triplicado a cada dois dias no final desse mês.

Nessa altura, quando o primeiro-ministro italiano, Giuseppe Conte viu o serviço nacional de saúde do país a ceder à pressão — com hospitais sobrecarregados, esvaziados de ventiladores, com médicos e enfermeiros também contaminados, desprovidos de equipamentos de proteção individual —, pediu ajuda aos Estados-membros da União Europeia. Porém, tal como escreve o jornal “The Guardian” numa extensa reportagem de investigação, a resposta foi silêncio.

“Nenhum Estado-membro respondeu ao pedido de ajuda de Itália”, afirma Janez Lenarcic, o comissário europeu responsável pela gestão de crise. “O que significava que não só a Itália não estava preparada… ninguém estava preparado… a falta de resposta ao pedido de ajuda italiano não era falta de solidariedade. Era falta de equipamento”.

Na altura, enquanto o Ocidente celebrava a chegada de um novo ano, época em que 300 mil pessoas voaram da China para a Europa, ainda era escassa a informação sobre o vírus. As primeiras notícias davam conta de uma nova infeção, que havia eclodido na China, no mercado de frescos de Wuhan. Pouco se sabia e ainda não se suspeitava da transmissão entre humanos. Vários casos de pneumonia foram reportados e a palavra Covid-19 ainda não fazia parte do quotidiano.

“A Comissão Europeia devia ter agarrado o problema mais cedo”, admitiu fonte do executivo europeu, citada pelo “The Guardian”. A nova presidente, Ursula von der Leyen, até podia ser a pessoa ideal para isso, foi médica antes de se tornar política. Mas a dirigente alemã tinha assumido o posto há muito pouco tempo, a 19 de dezembro, o que dificultou a sua atuação.

“Von der Leyen é inteligente. Mas era nova em Bruxelas e contava com algumas pessoas de Berlim que também não têm experiência na comissão e o que é possível fazer. Não se pergunta aos estados membros se querem coordenação, apenas se coordena”, continua.

A 17 de janeiro teve lugar a primeira teleconferência realizada pela União Europeia, mas apenas 12 dos 27 países atenderam a chamada. A 28 de janeiro, convocou-se outra reunião em que, segundo Lenarčič “a comissão levou essa ameaça a sério”.

Foi tomada uma decisão rápida pela comissão de proibir que a sua equipa viajasse de forma não essencial para a China e uma conferência de imprensa foi convocada para 29 de janeiro para comunicar uma mensagem clara: prepare-se. Porém, a mensagem não foi recebida.

Fumo do Brexit tapou os olhos aos jornalistas

No início do ano, a prioridade do bloco europeu era finalizar o acordo do “Brexit” junto do Reino Unido e Boris Johnson e as atenções dos jornalistas estavam viradas para esse tema. Tanto é, que na primeira conferência de imprensa em Bruxelas dedicada à Covid-19, a 29 de janeiro, o interesse manifestado foi pouco.

“A sala de imprensa estava quase vazia”, recorda o Comissário Europeu para a Gestão de Crises. “Pedimos preparação, para que todos os Estados-membros levassem a ameaça a sério. Houve muito eco na sala vazia, mas ainda assim esperávamos que houvesse algum eco nos media no dia seguinte”, conta Lenarcic.

“Entendo que era um momento histórico, um triste e emotivo momento. Mas isso não invalida o facto de que nós também tínhamos algo importante a dizer no mesmo dia. A maioria das pessoas não se mostrou interessada”, lamenta o comissário.

Foi precisamente no dia seguinte, 30 de janeiro, que dois turistas chineses testaram positivo em Roma. Nesse momento, sem ninguém estar preparado, começava ali o império do vírus, que marchou por todo o continente.

O início de uma epidemia

Quando os primeiros casos surgiram em Roma, o Governo italiano pediu imediatamente uma reunião entre todos os ministros da Saúde europeus. Quem devia convocar o encontro era o Executivo croata, responsável pela presidência do Conselho da União Europeia. Porém, não se teve em conta que aquele país estava mergulhado numa crise política, o que dificultou a tarefa de reunir  A reunião acabaria por ter de esperar duas semanas, até 13 de fevereiro.

Se a intervenção atrasada causou danos, ninguém antecipava que a falta de equipamento de proteção individual (EPI) poderia adensar as dificuldades em Itália.

“Vários países europeus tinham um stock estratégico de máscaras que estavam desatualizadas. A maioria delas foi destruída”, revelou um consultor científico.

A partir desse momento assistiu-se à corrida ao equipamento. A 3 de março, o presidente da França, Emmanuel Macron, anunciou que ia requisitar “todas as ações e a produção de máscaras protetoras”. No dia seguinte, o governo alemão proibiu a exportação de EPIs.

Um total de 15 estados membros impuseram restrições quanto ao movimento de equipamentos ou medicamente no espaço europeu durante o surto. Camiões de máscaras, luvas e roupas de proteção foram parados em algumas fronteiras. Os líderes europeus acusaram-se mutuamente de minar a solidariedade da UE e o mercado único.

Enquanto os governos lutavam por máscaras, na primeira semana de março mais de duas mil pessoas estavam infetadas na Europa. Só em Itália, 35 pessoas morreram. Com provas concretas de que a crise poderia causar danos irremediáveis, Von der Leyen priorizou o combate à Covid-19 e junto de Lenarčič foi formada uma task force formada por um conjunto de comissários. Essa equipa tinha como função analisar e cobrir todas as matérias, desde a saúde até a economia e as fronteiras.

“Peço a todos hoje que se comprometam a trabalhar todos juntos, de forma aberta e transparente, num espírito de solidariedade para garantir uma resposta política coerente”, apelou a comissária da saúde Stella Kyriakide, a 6 de maço.

Poucos dias depois, a Alemanha fechou unilateralmente a suas fronteiras, cortando ligações com os Estados-membro e criando divisões no velho continente.Entre 9 e 23 de março, os seus parceiros seguiram o exemplo, incluíndo Itália. Apenas a Suécia evitou seguir a tendência.

Porém, para alguns, era tarde de mais. “Se a Itália o tivesse feito 10 ou 14 dias antes, teria sido melhor. O ministério da saúde queria fazer isso, mas demorou tempo até convencer o governo ”, disse Walter Ricciardi, consultor sénior do ministério da saúde italiano. “Mas [os outros estados membros] usaram a experiência italiana e não a seguiram … Era muito difícil para os ministros da saúde convencerem os ministérios das Finanças e os primeiros ministros de que esta era uma situação séria”, explicou.

 

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