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Quando o sono da razão produz monstros

A reprovação não é portanto um caminho, e muito menos poderei aceitar como meta e objetivo de uma elite que tem medo de ser substituída, e por isso clama que “todos não podem ser doutorzinhos”. Por isso defendo um ensino cada vez mais pessoalizado e que adote diferentes estratégias pedagógicas.
21 Novembro 2019, 07h15

A fenomenologia dos populismos totalitários sempre teve a pertença da instrumentalização da educação e da cultura como ferramenta de controlo.

Numa época em que prolifera pelo sul da Europa o discurso do ódio, da xenofobia e do medo, e uma proposta de nova feudalização do espaço europeu, e por conseguinte de desagregação do projecto comum, torna-se cada vez mais essencial, lembrar às gerações, nascidas no novo milénio, daquilo que foi a destruição social, dos valores e liberdades que os totalitarismos provocaram. A incompetência discursiva da direita democrática e também dos partidos progressistas do centro-esquerda em dar esperança e apontar soluções para as reais necessidades de transformação social, de combate à pobreza e à exclusão social é demonstrativa da ascensão do discurso de ódio da extrema direita fascizante, que pela primeira vez chegou à Assembleia da República Portuguesa.

Um extremismo que tem vindo a aumentar progressivamente a sua influência nos países do sul da Europa, chegando ao poder em alguns casos.

Talvez porque, resultante de um equívoco da perda de memória social coletiva ou de uma escolha consciente desse esquecimento. Esta escolha pela não tolerância, foi feita por uma geração que não viveu e não conhece a história do século XX e por outra que dela se esqueceu.

Por tudo isto, urge sempre defender mais Cultura e uma melhor Educação, que não se deixe subjugar por qualquer populismo.

O discurso da meritocracia é o mais hábil e falso argumento, populista, usado pela direita política para não dar uma Educação para todos! Uma mesma direita política que utiliza a falácia discursiva neoliberal, aplicando-a ao sistema educativo.

Assim, a exclusão social e educacional e a subsidariedade como instrumento de controlo, são o melhor método para garantir a hegemonia do poder de uma elite, que quer perpetuar um qualquer direito sucessório, num sentido medieval. Por isso, não aceito e recuso-me a aceitar um qualquer contentamento dos descontentes.

Porque é meu dever de consciência, proponho-me a demonstrar a incoerência do argumento invocado pelas direitas neoliberais e fascizantes, desconstuindo-o a partir das suas próprias premissas neoliberais.

Diz a teoria económica, que ao aplicar-se um método, e não se atinge os resultados pretendidos, ao repeti-lo, insistindo no mesmo método, não conseguiremos obter um resultado diferente.

Ora, quando um professor, ao constatar um potencial insucesso escolar de um discente, face aos resultados obtidos nos primeiros instrumentos de avaliação, tem de ter a humildade suficiente de reconhecer, a responsabilidade substancial, naquele insucesso. Ou muda o método ou os resultados serão os mesmos.

A reprovação não é portanto um caminho, e muito menos poderei aceitar como meta e objetivo de uma elite que tem medo de ser substituída, e por isso clama que “todos não podem ser doutorzinhos”. Por isso defendo um ensino cada vez mais pessoalizado e que adote diferentes estratégias pedagógicas.

São vários os estudos que apontam que o insucesso escolar e abandono escolar precoce estão intimamente ligados à pobreza, às baixas condições de vida, aos baixos rendimentos, à falta de acesso à informação, e ao meio social e económico do agregado familiar dos discentes.

Ora, é exactamente por isso que o ciclo vicioso neoliberal, tem de ser invertido. Promover melhores condições de habitação, melhores condições de emprego, mais acesso à informação qualificada, irá contribuir para um maior aproveitamento escolar, e por conseguinte o desenvolvimento de uma cultura de respeito e tolerância, permitindo que os excluídos da sociedade sejam incluídos e nela permaneçam.

Nenhum ser humano, aprende da mesma forma, as dificuldades são distintas, os ritmos da aprendizagem e do entendimento são diferentes, e naturalmente são diferentes as motivações e áreas de interesse de cada ser humano, determinado por um contexto social onde se insere.

Um ensino cada vez mais personalizado e humanizado, tendo em vista as especificidades de cada aluno será sempre a resposta, por antítese ao debitar de conteúdos programáticos, tantas vezes desfasados da realidade atual.

Um bom professor ao compreender que não soube veicular a mensagem pretendida – porque o aluno, também não soube demonstrar aquilo que lhe é exigido nos instrumentos de avaliação disponíveis – portanto constata a ineficácia da metodologia aplicada na tentativa de transmissão do conhecimento e por isso terá necessariamente de alterá-la.

A dificuldade apesar de sistémica, porque compreende o cumprimento de metas e objetivos e a coexistência com uma cultura de “palimpsestos” educativos, de auto-legitimação do processo de avaliação, das instituições, docentes e discentes, pode e deve ser superada com coragem e maior proatividade de cada docente.

Muito provavelmente o cumprimento de objetivos e metas curriculares não irá corresponder às reais necessidades de aprendizagem das crianças e jovens, revelando a desadequação aos diferentes ritmos da aprendizagem individual de cada ser humano.

A não reprovação, não sendo a solução como princípio, é um horizonte de esperança que se aponta para o encontrar de soluções pedagógicas mais adequadas, que respondam às reais necessidades da aprendizagem, combatendo o insucesso escolar e o abandono escolar precoce e assim contribuindo para potenciar um melhor desenvolvimento social das crianças e jovens.

Numa sociedade onde não se promovia uma educação para todos e uma cultura inclusiva, Goya denunciava que “o sono da razão produz monstros”.

E, quem queira lembrar-se da História, saberá que, encontrar um qualquer inimigo externo, a quem se aponte todas as culpas da incompetência de um regime, foi sempre a estratégia adotada para garantir a sobrevivência de um dominador sobre os dominados, em vésperas de uma qualquer primavera.

Porque ouso sonhar, sonho com uma sociedade verdadeiramente, mais justa, inclusiva e solidária.

Oxalá possa também contribuir para acrescentar ao mundo a bondade e a tolerância que tanto precisamos!

Para que, não hajam mais muros, nunca mais, nem “noites de cristal”!

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