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Quatro dias, quatro equívocos, contradições ou momentos insólitos do Governo

Sucessivos sinais de desorientação do Governo nos últimos dias, desde o fim anunciado dos carros a ‘diesel’ até à reversão do fim gradual das propinas no Ensino Superior, passando pela diretora nomeada e exonerada no mesmo dia e pela cor da pele do primeiro-ministro.
29 Janeiro 2019, 08h30

Segunda-feira, dia 28 de janeiro
Declaração de ministro causa pânico no setor automóvel

“Hoje é muito evidente que quem comprar um carro diesel, muito provavelmente, daqui a quatro ou cinco anos, não vai ter grande valor na sua troca”, declarou João Matos Fernandes, ministro do Ambiente e da Transição Energética, em entrevista ao “Jornal de Negócios” (edição de 28 de janeiro). No mesmo dia, a Associação do Comércio Automóvel de Portugal (ACAP) emitiu um comunicado sublinhando que “estas declarações podem resultar de um desejo do senhor ministro, mas não têm qualquer correspondência com a realidade”.

“Portugal está integrado na União Europeia e não existe qualquer regulamentação que aponte no sentido das declarações do senhor ministro. Inclusivamente, desde setembro de 2018 todos os veículos diesel passam por um teste de homologação mais rigoroso […] que terá uma nova fase em setembro desde ano. O que prova que, no âmbito da regulamentação comunitária, a aposta é na redução das emissões dos veículos diesel a lançar no mercado europeu nos próximos anos”, garantiu a ACAP no comunicado.

Em declarações ao “Observador”, o secretário-geral da ACAP, Hélder Pedro, revelou que, logo na manhã de ontem, vários concessionários de automóveis foram contactados por “clientes preocupados e apreensivos com a previsão de desvalorização dos modelos a diesel que estavam a adquirir”.

Sábado, dia 26 de janeiro
O fim gradual das propinas afinal “é altamente populista”

“Eu prevejo que no futuro, nas próximas décadas, o ideal é termos um Ensino Superior livre, sobretudo nos níveis da formação inicial”, afirmou Manuel Heitor, ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, em entrevista ao jornal “Público” (edição de 27 de outubro de 2018). Heitor respondia então a uma pergunta sobre a redução do valor da propina no Ensino Superior. “Temos um sistema [de propinas] muito diversificado na Europa, mas a tendência normal é reduzir, no prazo de uma década, os custos das famílias sem reforçar a carga fiscal, mas equilibrando os rendimentos, para que sejam os beneficiários individualmente e os empregadores a terem maiores contribuições no Ensino Superior”, declarou também Heitor, a 7 de janeiro de 2019, à margem da Convenção Nacional do Ensino Superior 2030.

Na mais recente entrevista ao jornal “Expresso” (edição de 26 de janeiro de 2019), porém, o mesmo ministro, questionado sobre se “vale a pena” reduzir as propinas, responde que “não”. Ao que o jornalista contrapõe: “Então porque defendeu o fim gradual das propinas?” E Heitor contra-argumenta: “Foi algo que não disse. […] O que eu digo é que o Estado tem que trabalhar na próxima década para reduzir os custos das famílias. […] Mas eu não disse que iam acabar. Acho que ninguém disse. E acho que é uma medida altamente populista”.

Não foi apenas Heitor quem defendeu (recentemente) o fim gradual das propinas, algo que agora desmente. Na Convenção Nacional do Ensino Superior 2030, realizada a 7 de janeiro, no ISCTE-IUL, em Lisboa, outros dois governantes apontaram no mesmo sentido. Pedro Nuno Santos, secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, classificou as propinas como “uma barreira à entrada” no Ensino Superior e avisou que “se não reduzirmos de forma drástica os custos com o Ensino Superior não vamos conseguir que os filhos de classe média consigam estudar no Ensino Superior”.

Por seu lado, Alexandra Leitão, secretária de Estado Adjunta e da Educação, salientou que as propinas “são um problema” e que “os serviços públicos têm que ser tendencialmente gratuitos, como está na Constituição”.

Sexta-feira, dia 25 de janeiro
Diretora-geral das Artes por apenas cinco horas

“Já depois de ter sido emitido esta tarde um comunicado a anunciar que Susana Graça seria a nova diretora-geral das Artes a partir de 1 de fevereiro, a ministra da Cultura [Graça Fonseca] tomou conhecimento de que existe um processo judicial em curso, movido por Susana Graça contra o organismo que iria dirigir”, lê-se no segundo comunicado emitido pelo Ministério da Cultura na tarde de 25 de janeiro.

A nomeação de Susana Graça como nova Diretora-Geral das Artes estava a ser preparada “há quase um mês”, como indicou a ministra no mesmo dia em que a nomeou e, cerca de cinco horas depois, anulou essa nomeação: ao tomar conhecimento do referido processo, Graça Fonseca “decidiu que Susana Graça não tem condições para exercer as funções de Diretora-Geral das Artes”, informou o Ministério da Cultura no segundo comunicado.

Desde que o atual Governo tomou posse, em novembro de 2015, a Direção-Geral das Artes já teve cinco diretores diferentes, contando com as cinco horas de Susana Graça. O Ministério da Cultura assegura que vai anunciar uma nova nomeação “muito em breve”. Será o sexto diretor-geral das Artes na presente legislatura.

Sexta-feira, dia 25 de janeiro
“Deve ser seguramente pela cor da minha pele”

No debate quinzenal com o primeiro-ministro na Assembleia da República, a líder do CDS-PP, Assunção Cristas, questionou António Costa sobre “se condena ou não condena” os “atos de vandalismo” registados ao longo da semana, na sequência da polémica intervenção policial no bairro da Jamaica, Seixal. Ao que Costa respondeu da seguinte forma: “Está a olhar para mim, deve ser seguramente pela cor da minha pele que me pergunta se condeno ou não condeno os atos de vandalismo em Portugal”.

Esse insólito momento do debate gerou pateadas nas bancadas do CDS-PP e do PSD. “Temos todos de ter calma e moderação nas intervenções, desde os senhores deputados até ao senhor primeiro-ministro, para que esse tipo de conclusões não sejam utilizadas neste debate”, interveio Eduardo Ferro Rodrigues, presidente da Assembleia da República. “Nem vou responder ao seu comentário final, porque fiquei com vergonha alheia”, disse posteriormente Cristas, ao retomar a palavra. Mesmo no seio da bancada do PS, poucos terão entendido o que levou o primeiro-ministro a invocar a cor da sua pele em tais circunstâncias.

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